Apelação Cível Nº 5124563-74.2021.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargador Federal FERREIRA NEVES
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (AUTOR)
APELADO: SP 2 BRAZIL SPORT PRODUCTION AND AUDIO VISUAL LTDA (RÉU)
APELADO: MARCELLA PRISCO TOBELEM (RÉU)
APELADO: GUSTAVO MARTINS PRISCO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (
), em face da sentença ( ) que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC.Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos dos arts. 85, § 2º, do CPC/2015.
Sustenta a recorrente, em síntese: (i) que “no momento da distribuição da ação, foram anexados demonstrativos de débito, histórico de extrato bancário, e Contrato devidamente assinado, documentos esses que são o suficiente para comprovar a dívida do réu e que no decorrer da ação, ainda foi juntado documento de demonstrativo de débito atualizado”; (ii) que “é completamente possível o recebimento da ação, assim como o julgamento do mesmo com a documentação pertinente”.
Requer, ao final, o recebimento e provimento do presente recurso para que seja declarada a nulidade da sentença proferida, retornando o processo ao Juízo a quo para seu regular processamento.
Contrarrazões da parte recorrida, GUSTAVO MARTINS PRISCO (
), pela rejeição do recurso, alegando, resumidamente: (i) que “Os documentos juntados são contraditórios pois, enquanto a planilha de evolução contratual e o demonstrativo de débito partem da premissa de que a Empresa Ré ficou inadimplente em 02/12/2020 (ou seja, teria extrapolado o limite do cheque especial), os extratos juntados demonstram exatamente o contrário, que nesta data foram creditados R$ 40.442,20 na conta da Empresa Executada, com a letra “C” ao lado do valor”; (ii) que “Os documentos anexados pela própria Recorrente fazem prova contra si mesma, demonstrando que na data do suposto início do inadimplemento o saldo na conta da parte Ré era P O S I T I V O”; (iii) que “os cálculos devem evidenciar de modo claro, fácil e preciso a dívida, consoante disposto na MP 1.925-15-2000”, contudo, “pelo cotejo das planilhas e extratos que o Apelante juntou, não se entende a que dívida se referem”.Manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (
), informando ser desnecessária a sua intervenção no presente feito.Valor da causa: R$ 56.614,39 (nov/2021).
É o relatório.
VOTO
Cuida-se, como visto, de recurso de apelação interposto pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (
), em face da sentença ( ) que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC.À partida, adoto, como razão de decidir, as judiciosas ponderações da sentença, de que, no essencial, destaco, verbis:
“Acerca do cabimento da ação monitória, assim preceitua o artigo 700 do Código de Processo Civil:
'Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I - o pagamento de quantia em dinheiro;
II - a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III - o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.
§ 1º A prova escrita pode consistir em prova oral documentada, produzida antecipadamente nos termos do art. 381.
§ 2º Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso:
I - a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo;
II - o valor atual da coisa reclamada;
III - o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.'
Conforme se extrai da leitura do supratranscrito dispositivo legal, a prova escrita do crédito que o autor possui perante o devedor é requisito indispensável para a propositura da respectiva ação.
No caso de contrato de crédito ao consumidor, a prova escrita da dívida é a minuta do ajuste contratual realizado pelas partes, acompanhado do demonstrativo do débito, o qual é documento hábil a comprovar a origem do débito e sem o qual não é possível a propositura da Ação Monitória.
(...)
No caso dos autos, verifica-se que embora a CEF pretenda a cobrança de dívida relativa à utilização de limite de cheque especial pela empresa ré, o que se constata pelo demonstrativo de débito acostado ao evento 1, cálculo 3, foi juntado pela autora tão somente o Contrato de Relacionamento para Abertura e Movimentação de Conta Corrente, o qual, contudo, não prevê sequer a existência de cheque especial vinculado à conta corrente da empresa ré e o valor a ele relativo.
Ressalte-se, ainda, que o demonstrativo de débito apresentado pela CEF atesta que a dívida se iniciou em 02/12/2020, mas, da análise dos extratos juntados no evento 1, extrato 5, fl. 04, verifica-se que, nesta mesma data, a empresa ré obteve crédito depositado em sua conta corrente no valor de R$ 40.442,20 (evento 1, extrato 5, fl. 04), o qual cobriu a dívida de cheque especial existente à época.
Instada a se manifestar sobre tal fato e para especificar a que contrato se refere o débito ora cobrado, juntando-o aos autos, bem como para apresentar o extrato da conta corrente da empresa ré desde a data da dívida até a data do ajuizamento da ação, a CEF cumpriu tão somente esta última determinação, deixando, assim, de apresentar a prova escrita da dívida que ora pretende cobrar.
Desta feita, restando patente a ausência de prova escrita da dívida, requisito indispensável ao ajuizamento da monitória, e que, embora devidamente intimada para apresentá-la, a CEF se manteve inerte, deve o processo ser extinto por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
(...)". (Grifos meus)
Consoante cediço, a Suprema Corte já assentou o entendimento no sentido de que "A técnica de fundamentação per relationem, na qual o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, não configura ofensa ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal" (HC 142435 AgR/PR- Paraná, 2ª Turma, DJe de 26.06.2017).
De outro lado, segundo dicção do art. 700 do CPC, a prova apta a ensejar a determinação da expedição do mandado monitório precisa demonstrar a existência da obrigação, devendo o documento ser escrito e suficiente para, seguramente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado. De fato, para a admissibilidade da ação monitória, não é necessária a apresentação de prova robusta, estreme de dúvida, mas sim documento idôneo, ainda que unilateral, que permita juízo de probabilidade acerca do direito afirmado pelo autor.
A tal propósito, vale trazer à colação precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta E. Corte Regional:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA RECONSIDERADA. AÇÃO MONITÓRIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. EMBARGOS. PROVA ESCRITA. APTIDÃO PARA APARELHAR O PEDIDO MONITÓRIO. EXAME APÓS A CONVERSÃO DO RITO. DESCABIMENTO. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(...)
3. A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade de simplificar a formação do título executivo judicial em circunstâncias nas quais a demonstração do direito alegado encontra suporte em prova material escrita, todavia despida de eficácia executiva.
4. O procedimento monitório é repartido em duas fases distintas, sendo a primeira, não contraditória, instaurada a pedido daquele que se afirma credor com base em prova escrita. Fazendo uma cognição sumária dos fatos, e se entender que a prova material é suficiente para demonstrar o direito alegado, o magistrado determina a expedição de mandado para pagamento em dinheiro ou de entrega de coisa. A segunda fase instaura-se em razão da resistência daquele contra o qual é expedido o mandado injuntivo, por meio da oposição de embargos monitórios, processados sob o procedimento ordinário, com a garantia do pleno exercício do contraditório.
5. A fase monitória (ou injuntiva) do procedimento existe até o limite do prazo para a resposta do réu, de sorte que o exame sobre a capacidade da prova documental para embasar a ação monitória só deve ocorrer até o momento em que proferida a ordem para a expedição do mandado inicial, no primeiro estágio do procedimento.
6. Com a oposição dos embargos, adotado o procedimento ordinário, não se mostra razoável a ulterior extinção da demanda a pretexto da inaptidão da prova para aparelhar o pedido monitório (AgInt no REsp 1.343.258/SP, QUARTA TURMA, DJe de 19/10/2017).
7. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.
(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.882.828/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/8/2022, DJe de 19/8/2022.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA SUFICIENTE. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DOS ÓBICES DESCRITOS NOS ENUNCIADOS N. 83/STJ E N. 283/STF. AGRAVO IMPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Casa, nos termos do art. 1.102-A do Código de Processo Civil, basta a instrução da monitória prova escrita suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado. Assim, para a admissibilidade da ação monitória, não é necessária a apresentação de prova robusta, estreme de dúvida, sendo suficiente a presença de dados idôneos, ainda que unilaterais, desde que deles exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado.
2. Na espécie, a Corte Estadual, após exame da documentação colacionada pelo recorrido, afirmou que a petição inicial veio acompanhada de prova escrita e aparentemente idônea da obrigação. Incidência dos óbices descritos nos enunciados n. 83 /STJ e n. 283/STF.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.278.643/ES, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 23/2/2016, DJe de 29/2/2016.)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. REQUISITOS.
– A ação monitória se presta à satisfação de crédito ostentado em documento escrito que não tenha os atributos de título executivo.
– Apelação não provida.
(5001442-72.2022.4.02.5101 - TRF 2ª Região – 7ª Turma Especializada - Relator Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER – Sessão Ordinária do dia 28.9.2022)
Na específica hipótese dos autos, contudo, não é possível concluir-se, à luz dos "extratos bancários", acostados no
e no pág3, no sentido da existência de relação jurídica obrigacional que comprove débito de responsabilidade da parte ora recorrida, embora o valor atribuído à dívida em 2.12.2020 (R$ 40.442,20) ( ) aparecça como crédito na conta corrente da demandada na descrição do Histórico de Extratos. É dizer: a petição inicial não veio instruída com "prova escrita da dívida, requisito indispensável ao ajuizamento da ação monitória", o que demonstra o acerto da sentença de primeiro grau.Diante de todo o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso. Majoro a verba sucumbencial em 10% (dez por cento) sobre a verba fixada, a fim de atender ao disposto no §11, do art. 85, do CPC/15.
Documento eletrônico assinado por FERREIRA NEVES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001193762v8 e do código CRC 9873539f.
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Data e Hora: 18/1/2023, às 18:19:15