Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Criminal Nº 5106891-53.2021.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal FLAVIO OLIVEIRA LUCAS

APELANTE: LEONCIO DE PAULA PACHECO NETO (EMBARGANTE)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por LEONCIO DE PAULA PACHECO NETO em face da sentença (processo 5106891-53.2021.4.02.5101/RJ, evento 33, SENT1) proferida pelo juízo da 3ª Vara Federal Criminal, que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro.

De acordo com o que consta dos autos originários, foi decretado o sequestro dos bens móveis, valores depositados em contas bancárias, moedas eletrônicas ou outros valores a qualquer título custodiados de titularidade das pessoas físicas e jurídicas investigadas no bojo do inquérito policial nº 5051019- 53.2021.4.02.5101 (2021.0036768-SR/PF/RJ-01), relativo à denominada Operação Kryptos, solidariamente, até o valor de R$ 38.223.489.348,97 (trinta e oito bilhões duzentos e vinte e três milhões quatrocentos e oitenta e nove mil trezentos e quarenta e oito reais e noventa e sete centavos), que seria o equivalente ao produto dos possíveis crimes, ainda não encontrado durante as investigações, na forma do art. 91, § 2º, do Código Penal.

A Juíza de primeiro grau entendeu que não há nos autos prova de ter sido bloqueado bem/valor/dinheiro de titularidade do embargante, mas sim uma conotação a partir da tese de terem sido constritos bens de acusados vinculados aos autos da prisão preventiva nº 5091826-18.2021.4.02.5101 e outros feitos correlatos. 

Destacou que a pretensão cinge-se a interesse jurídico adstrito à relação contratual, de conteúdo patrimonial, não cabendo ao Juízo dirimir essa questão entre particulares.

Restou consignado, ainda, que os valores e quantias apreendidos no curso da persecução penal, em razão da circunstância de tempo e lugar, e modus operandi na gestão de ativos financeiros pelos acusados, direcionam para as propaladas ilicitudes que levaram o Ministério Público Federal a ajuizar demanda criminal, e tais valores/bens apresentam conexão direta e relação de causalidade com o proveito auferido pelos crimes, cujos indícios apontam diretamente para envolvimento dos acusados que atualmente respondem à ação penal nº 5105179-28.2021.4.02.5101, com denúncia recebida em 01/10/2021, assim como para os crimes que levaram ao recebimento da denúncia nos autos da ação penal nº 5012025-19.2022.4.02.5101, em 11/03/2022.

Assim, foram julgados improcedentes os Embargos de Terceiro.

Restou, ainda, indeferido o pedido de vista e cópia dos autos do inquérito policial nº 5051019-53.2021.4.02.5101 e da medida cautelar de bloqueio de bens conexa (nº 5091855- 68.2021.4.02.5101), sob o fundamento de que, na esteira da Súmula Vinculante nº 14 do STF, a flexibilização do sigilo seria aplicável aos defensores dos investigados ou representados, o que não é o caso do embargante.

Em suas razões recursais (processo 5106891-53.2021.4.02.5101/RJ, evento 39, APELAÇÃO1), alega ser o legítimo proprietário de valor investido em criptomoedas com a empresa G.A.S Consultoria e Tecnologia Ltda, tendo aportado o montante total de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais).

Argumenta que, apesar de não ter qualquer envolvimento com os fatos que são apurados na investigação, deixou de receber, a partir de setembro de 2021, o valor mensal referente aos rendimentos dos valores investidos.

Acrescenta que os valores bloqueados são lícitos e regularmente declarados à Receita Federal do Brasil, oriundos de suas atividades profissionais e da venda de um imóvel, totalmente estranhos à investigação em tela.

Pugna pelo provimento do recurso de apelação para reformar a sentença e julgar procedentes os Embargos de Terceiro. Alternativamente, requer a liberação mensal do valor de R$ 6.500,00, referente aos rendimentos do investimento, até o final da vigência do contrato.

Requer, ainda, vista e cópia dos autos do Inquérito Policial nº 5051019-53.2021.4.02.5101 e da medida cautelar de bloqueio de bens conexa (nº 5091855- 68.2021.4.02.5101), com fundamento legal no artigo 7º, XIV da Lei nº 8.906/9414 e no artigo 32 da Lei nº 13.869/2019 (Lei de abuso de autoridade).

Em contrarrazões (processo 5106891-53.2021.4.02.5101/RJ, evento 48, CONTRAZ1), o MPF argumenta que o apelante não comprovou que sofreu constrição patrimonial em quantia de sua titularidade. Pugna pelo improvimento do recurso.

Parecer do i. Procurador Regional da República, Dr. Blal Dalloul, no evento 7. Opina pelo desprovimento do recurso interposto.

É o relatório. À revisão, nos termos do Regimento Interno.



Documento eletrônico assinado por FLAVIO OLIVEIRA LUCAS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001196759v2 e do código CRC 943ad13c.

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Processo n. 5106891-53.2021.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Criminal Nº 5106891-53.2021.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal FLAVIO OLIVEIRA LUCAS

APELANTE: LEONCIO DE PAULA PACHECO NETO (EMBARGANTE)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (EMBARGADO)

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. OPERAÇÃO KRYPTUS. FALTA DE CORRELAÇÃO DIRETA ENTRE VALOR APORTADO E QUANTIA SEQUESTRADA. DIREITO DE CRÉDITO. ACESSO A AUTOS SOB SEGREDO DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

I - A juntada do contrato de investimento que o apelante firmou com a G.A.S CONSULTORIA, embora sirva para demonstrar a relação contratual, não permite, de plano, concluir sem nenhuma dúvida que os valores apreendidos são aqueles aportados pelo requerente, à vista de constrição judicial que atingiu solidariamente múltiplas pessoas físicas e jurídicas, várias delas sem contato direto com o apelante. Em outras palavras, não há, a princípio, como fazer a correlação direta entre o valor aportado pelo apelante e aqueles que foram alcançados pelas medidas constritivas, mais ainda depois de já identificado que esses valores foram sucessivamente movimentados mediante também suposta lavagem de dinheiro sob apuração em ação penal instaurada.

II - Não estamos diante de um direito real, que recai sobre coisa determinada, capaz de ser definido recorrendo-se às regras comuns de restituição, mas sim de um direito de crédito que recai sobre o devedor, o que fatalmente demandará individualização e quantificação de prejuízos múltiplos e instituição de concurso de credores para efeito de dar tratamento minimamente equânime a todas as partes que se viram prejudicadas, mas já levando em conta também outros aspectos contábeis, fiscais e tributários que deverão ser perquiridos, mas sobre os quais não cabe aqui avaliação mais profunda.

III - A complexidade dos fatos, somada às medidas cautelares patrimoniais incidentes sobre múltiplos alvos solidariamente (sequestro, arresto e indisponibilidade) quando contrastadas com direito de crédito e não direito real, são a evidência de que não tratamos apenas de simples apreensão, mas de medidas constritivas muito mais complexas e que certamente não podem ser deliberadas mediante manejo de simples pedido de restituição com comprovação de valor investido com a empresa G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA.

IV - Já ajuizada Ação Civil Pública em âmbito estadual, em favor de investidores de todo o país, em face da GAS CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, em que foi concedida tutela de urgência para determinar o arresto dos bens apreendidos no âmbito criminal, bem como o arresto de toda e qualquer conta dos réus até o limite do valor suficiente para pagamento do capital investido pelos associados lesados da Associação autora, o que pode indicar que um juízo civil unificado para identificação dos créditos já pode estar em vias de se formar.

V - Temerário que a autoridade judicial deliberasse desde logo sobre a destinação de valores, considerando a possibilidade do Juízo resguardar determinados investidores em detrimento de outros e a necessidade de observar o arresto já determinado pelo Juízo Cível em Ação Civil Pública.

VI - Considerando especialmente não se tratar de direito real,  que recai sobre coisa determinada, mas sim de um direito de crédito que recai sobre o devedor, bem como o fato de não ser possível, a princípio, fazer a correlação direta entre o valor aportado pelo apelante e aqueles que foram alcançados pelas medidas constritivas, já que não houve bloqueio direto de bens e valores do requerente, forçoso reconhecer correta a conclusão do Juízo de origem, que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro.

VII - A regra da publicidade dos atos não é absoluta, pois sofre restrições em se tratando de processos que se encontram sob segredo de justiça, nos quais deve prevalecer o interesse público sobre o privado, limitando-se o acesso às partes que integram o feito e aos seus advogados, a fim de que seja garantido o exercício do direito de defesa. Previsão do art. 7º, incisos XIII e XIV, § 1º, Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

VIII - Negado provimento à apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo a sentença recorrida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 06 de março de 2023.



Documento eletrônico assinado por FLAVIO OLIVEIRA LUCAS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001196779v3 e do código CRC 04283fa1.

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Signatário (a): FLAVIO OLIVEIRA LUCAS
Data e Hora: 14/3/2023, às 17:9:19