Apelação Cível Nº 5076604-44.2020.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO
APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (EXEQUENTE)
APELADO: BOTICA MOULIN FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA (EXECUTADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação, atribuída a minha relatoria por livre distribuição, interposta pelo CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, em face da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro que, nos autos da execução ajuizada contra BOTICA MOULIN FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, em razão de o termo de inscrição da dívida ativa não ter amparo legal válido.
Eis a sentença recorrida:
Trata-se de execução fiscal de anuidades de Conselho de Fiscalização Profissional, consubstanciada na(s) CDA(s) n° 2154/20, 2155/20 e 2156/20.
Inicialmente, ressalto que a Certidão da Dívida Ativa, por ser parte integrante da petição inicial, nos termos do art. 6º,§1º da Lei nº 6.830/80, está submetida ao controle de sua legalidade por parte do magistrado.
As anuidades estabelecidas pelos Conselhos Profissionais, por sua natureza tributária, estão sujeitas ao princípio da legalidade (art. 150, I, da CF/88). Ou seja, dependem de lei para sua fixação e majoração, não podendo, portanto, ter seus valores fixados ou aumentados por simples resolução. (cf. STF, ADI nº 1717, julg. em 7/11/2002; AMS 199951010030286, TRF 2a Região, Rel. Alberto Nogueira, E-DJF2R 13/04/2010, pág. 117/118; AC 199951010153360, TRF 2a Região, Rel. Juiz Conv. Antonio Henrique C. da Silva, DJU 28/10/2009, pág. 14)
A matéria encontra-se regulamentada pela Lei nº 6.994/82, uma vez que não subsiste a aplicabilidade dos textos legais posteriores que visaram a mitigar a exigência de lei strictu sensu para a atribuição das aludidas anuidades, como se vê adiante.
Inicialmente, a revogação da Lei nº 6.994/82 pelo art. 87 da Lei nº 8.906/94, deve ser acolhida apenas em relação à entidade que regulamenta, ou seja, à Ordem do Advogados do Brasil, consoante abalizada jurisprudência (TRF 2ª Região, AC 276427, 3ª Turma Especializada, Unânime, Publ. DJU 15/10/2009, pg. 132, Rel. Des. Fed. José Antônio Lisboa Neiva).
Já o art. 58, § 4°, da Lei nº 9.649/98 foi fulminado do ordenamento jurídico, por ter sido declarado inconstitucional pelo E. STF (ADI nº 1717/DF).
O art. 2° da Lei nº 11.000/2004, além de assemelhar-se ao dispositivo que foi declarado inconstitucional acima referido, também está sendo objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade em curso no E. STF (ADI nº 3.408/DF). O TRF da 2ª Região, em Sessão Plenária, aprovou o enunciado de súmula 57: “São inconstitucionais a expressão “fixar”, constante do caput, e a integralidade do § 1º do art. 2º da Lei 11.000/04”.
A Lei nº 12.514/2011, por seu turno, incorre no mesmo vício da legislação acima mencionada, ao delegar aos Conselhos a fixação de suas contribuições (art. 6º, § 2º). Assim, a aplicação desta lei afronta o que fora decidido pelo E. STF e pelo TRF da 2ª Região.
Portanto, inexistindo norma específica para regulamentar a cobrança de um determinado Conselho, prevalecerá o disposto na aludida Lei nº 6.994/82 (TRF 2ª Região, AG 182762, 3ª Turma Especializada, Unânime, Publ. DJU 17/03/2010, pg. 145, Rel. Des. Fed. Sandra Chalu Barbosa).
Versa o art. 1º, § 1º da Lei nº 6.994/82 acerca dos limites estabelecidos para as anuidades, indexados no então vigente MVR (maior valor de referência).
Aplicando a aludida norma, têm-se que os valores insculpidos na inicial, integrada pela respectiva CDA, se afiguram superiores ao máximo estabelecido pela lei de regência, não tendo sido demonstrada até então, a existência de dispositivo legal formalmente válido com o condão de fundamentar tal valor.
Conclui-se, portanto, que de acordo com o princípio da estrita legalidade tributária, que vigora em nosso Sistema Tributário Nacional, inciso I, art. 150, do CTN, a instituição e majoração de tributos somente ocorrem através e nos limites estabelecidos em Lei.
Desta forma, evidenciado que o Conselho exequente, ao fixar anuidade com base em mera Resolução, ofendeu frontalmente o princípio da legalidade, forçoso concluir pela nulidade da CDA que lastreia a presente execução fiscal, cabendo observar que a fixação/majoração das anuidades por meio de mera Resolução já se encontra pacificada na jurisprudência do E. TRF-2 como sendo inconstitucional, havendo, inclusive, declaração expressa neste sentido, conforme se extrai dos recentes julgados que se seguem. [...]
Destarte, considerando o acima exposto, evidente que os valores das anuidades cobradas nos autos da execução fiscal tomaram por base as disposições contidas nas Resoluções do referido Conselho, razão pela qual o termo de inscrição da dívida ativa não tem amparo legal válido, ferindo de morte a liquidez e certeza do título executivo.
Diante do acima exposto, JULGO EXTINTA COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO a presente execução fiscal, nos termos do art. 487, I do CPC/2015.
Transitada em julgado, certifique-se, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se.
Custas ex lege. Sem condenação em honorários.
Em suas razões de recurso, o apelante sustenta, em síntese, que o título executivo objeto da presente execução fiscal indica como seu fundamento legal, a Lei 12.514/2011, com a indicação específica dos artigos 4º, 5º e 6º da Lei 12.514/2011.
Sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (2º grau – evento 5).
É o relatório. Peço dia para julgamento.