Apelação/Remessa Necessária Nº 5069614-71.2019.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: Presidente do Conselho de Recursos do Seguro Social - CRSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Belo Horizonte (IMPETRADO)
APELADO: ELIEZER CORREIA CUNHA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: MAYLSON COSTA SOUSA (OAB RJ216995)
APELADO: GERENTE EXECUTIVO DA APS CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO SRII - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Rio de Janeiro (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e de apelação apresentada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face de sentença proferida pelo juízo da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro /RJ (JF, evento 62) que julgou procedente o pedido formulado por ELIEZER CORREIA CUNHA e concedeu a segurança, para: “determinar que a autoridade coatora proceda à apreciação do recurso administrativo de Aposentadoria, protocolo de requerimento n.º 408685067 (CPF do Impetrante n° 82411131704), no prazo de 30 dias, prorrogável por outros 30 dias, sendo a remessa do recurso à CRPS providência já cumprida.”
A parte impetrada foi condenada ao pagamento de custas processuais. Sem honorários advocatícios, haja vista o teor do art. 25 da Lei 12.016/09.
Os autos subiram em razão da remessa necessária e da apelação apresentada pelo INSS (JF, evento 76).
Em sua apelação, o INSS aduz, em síntese: (1) que a concessão da ordem violaria o princípio da isonomia, pois implicaria no atendimento preferencial da impetrante em detrimento dos demais segurados; (2) que a impetração configuraria uma violação de diversos princípios constitucionais, entre eles o princípio da separação dos poderes e da reserva do possível; (3) que a suposta demora na apreciação do requerimento administrativo não configuraria, por si só, ilegalidade, visto que a tramitação do procedimento administrativo ocorre de acordo com a capacidade administrativa da autarquia, a qual se encontra em colapso pela falta de estrutura e de servidores.
Apesar de intimada, a parte impetrante não apresentou contrarrazões.
Manifestação do Ministério Público (TRF2, Evento 4), opinando pela ausência de interesse público que justificasse sua intervenção no feito, protestando pelo seu regular prosseguimento.
É o relatório. Peço dia.
SIMONE SCHREIBER
RELATORA
VOTO
Conforme relatado, cuida-se de remessa necessária e de apelação apresentada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face de sentença proferida pelo juízo da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro /RJ (JF, evento 62) que julgou procedente o pedido formulado por ELIEZER CORREIA CUNHA e concedeu a segurança, para: “determinar que a autoridade coatora proceda à apreciação do recurso administrativo de Aposentadoria, protocolo de requerimento n.º 408685067 (CPF do Impetrante n° 82411131704), no prazo de 30 dias, prorrogável por outros 30 dias, sendo a remessa do recurso à CRPS providência já cumprida.”
Conheço da apelação, eis que presentes seus requisitos de admissibilidade, e da remessa necessária, nos termos do parágrafo 1º, do art. 14, da lei nº 12.016/09.
Inicialmente, verifica-se que o INSS foi condenado ao reembolsar as despesas processuais relacionadas à impetração da presente demanda. Cumpre destacar que é cabível atribuir a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais ao INSS, consoante disposto no parágrafo único, do art. 4, da lei nº 9.289/96, verbis:
“Parágrafo único. A isenção prevista neste artigo não alcança as entidades fiscalizadoras do exercício profissional, nem exime as pessoas jurídicas referidas no inciso I da obrigação de reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora.”
Na hipótese, verifica-se que a parte Impetrante, em julho de 2019, interpôs recurso administrativo em face de decisão de indeferimento de seu requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição NB42/191.561.171-4 (JF, evento 1, comp 6 e 7).
A controvérsia dos autos cinge-se à verificação da razoabilidade do prazo de tramitação do recurso administrativo apresentado pela impetrante, que se encontrava paralisado na central de análise do INSS.
A respeito das alegações aduzidas pelo INSS em seu recurso, a injustificada demora na apreciação do pleito fere o princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF/88), que norteia a conduta da Administração Pública, bem como o direito constitucional à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88), gerando insegurança jurídica ao administrado.
A Lei nº. 9.784/99, que regula o processo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, estipula, em seu artigo 49:
“Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.”
Ainda que não exista na legislação previdenciária prazo peremptório para o encerramento do processo administrativo, utiliza-se o prazo de 30 dias, previsto no dispositivo legal acima transcrito.
Ademais, a norma contida no art. 174, do Decreto nº 3.048/1999, prevê o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para a conclusão do procedimento ou para a concessão de benefícios previdenciários aos segurados do RGPS.
Conquanto a falta de estrutura e o excesso de pedidos pendentes de análise impeçam que o INSS desempenhe suas atividades de maneira adequada, a parte impetrante não pode esperar indefinidamente que a autoridade impetrada proceda à conclusão de seu pedido administrativo. Baseado nesse pressuposto, o princípio da reserva do possível não pode ser invocado para afastar a obrigação da Administração em face do direito líquido e certo do impetrante.
Isso porque, infelizmente e salvo raras exceções, tais dificuldades são enfrentadas todos os dias por milhares de servidores que prestam outros serviços públicos à população (educação, segurança, saúde etc), razão pela qual aceitar o argumento do INSS permitiria que o Administrador Público simplesmente deixasse de atender a população, alegando falta de recursos, omitindo-se, assim, de seu dever legal.
Na verdade, cabe ao gestor público buscar soluções para tal cenário, ainda mais quando o mérito do requerimento versa sobre benefício previdenciário, verba de caráter alimentar.
Mesmo que não seja intencional, a inércia da autoridade impetrada na solução integral do processo administrativo da parte impetrante atenta contra o princípio da razoabilidade, porquanto trata-se de um dever da Administração Pública de dar uma resposta ao segurado, dentro do prazo legal, seja para deferir ou não o que foi pleiteado.
Além disso, é evidente que a concessão da ordem requerida pela parte impetrante não viola o mandamento constitucional da isonomia, na medida em que o prazo concedido ao INSS para analisar os pedidos dos segurados foi estabelecido por lei, razão pela qual o provimento judicial visa sanar a ilegalidade decorrente do descumprimento desse prazo.
Constata-se, na verdade, que o INSS violou os princípios da eficiência e da razoável duração do processo, situação que autoriza o Poder Judiciário a corrigir e suprir a omissão administrativa, sem que isso implique na violação do princípio constitucional da separação dos poderes.
Sobre a questão, os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. REVISÃO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. DEMORA NA APRECIAÇÃO.
1. Trata-se de apelação interposta pelo impetrante contra sentença que denegou a segurança, que objetivava fosse determinado ao INSS que analisasse imediatamente o seu requerimento administrativo de revisão do benefício de pensão por morte, protocolado em 10.12.2018.
2. O art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal assegura o direito de petição aos órgãos públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de direito, garantindo a todos, no inciso LXXVIII, a razoável duração do processo, no âmbito administrativo e judicial.
3. De acordo com o art. 49 da Lei nº 9.784/99, após concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. Ressalte-se que mencionada lei não revogou nem obstou a legislação própria a processos administrativos específicos, consoante teor do seu art. 69 ("os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei").
4. A respeito do processo administrativo junto ao INSS, relativamente aos pleitos de concessão de benefícios previdenciários, a Lei nº. 8.213/91 determina, em seu art. 41-A, parágrafo 5º, incluído pela Lei nº. 11.665/2008, que "o primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão". Portanto, considerada essa última norma, apresentada a documentação necessária ao exame dos requisitos ao deferimento do benefício previdenciário/assistencial, o INSS tem, via de regra, a partir desse marco, 45 dias para iniciar o pagamento, em caso de concessão.
5. O STF, ao julgar o RE nº 631.240/MG, sob o regime de repercussão geral, no qual se discutiu a exigência de prévio requerimento administrativo para a concessão de benefício previdenciário, considerando o que estabelece o art. 41-A, parágrafo 5º, da Lei nº. 8.213/91, previu regra de transição para as ações sobrestadas, nos seguintes termos: "[...] o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão [...]."
6. Analisando os autos, constata-se que a parte impetrante protocolizou o requerimento administrativo em 10.12.2018, tendo sido o writ impetrado em 12.09.2019, quando ainda não havia sido apreciado o pedido, nem sequer movimentado o processo.
7. Assim, o atraso do INSS, devidamente comprovado (ultrapassados mais de 90 dias desde a formulação do requerimento administrativo), ofendeu os princípios da razoável duração do processo e da eficiência administrativa, violando direito líquido e certo da parte impetrante.
8. Apelação provida, para conceder a segurança, determinando a apreciação, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, do requerimento de revisão do benefício de pensão por morte.
(TRF-5 - AC: 08173886620194058300, Relator: Desembargador Federal Roberto Machado, Data de Julgamento: 11/02/2020, 1º Turma)”
“PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX-OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. DEMORA NA APRECIAÇÃO. PARALISAÇÃO APÓS DILIGÊNCIA À APS DE ORIGEM. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, DA RAZOABILIDADE E DA CELERIDADE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
1. A hipótese dos autos é de remessa necessária para reexame de sentença em que a autora obteve a segurança requerida em mandado de segurança, que versa sobre pedido de concessão da ordem para que o impetrado promova o regular prosseguimento do processo administrativo de titularidade do impetrante com requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição, paralisado em grau recursal na esfera administrativa.
2. A análise do caso concreto permite concluir que a sentença pela qual foi concedida a segurança deve ser mantida, eis que a informação de fl. 47 comprova que após encaminhamento dos autos à APS de Volta Redonda para diligência, em 06/11/2016, o processo permaneceu paralisado na agência previdenciária, sem qualquer movimentação, e só houve encaminhamento de volta à Junta Recursal após a autarquia tomar ciência da distribuição do writ, e o artigo 59, §1º, da Lei nº 9.784/99 prevê o prazo de 30 (trinta) dias para que haja uma decisão em recurso administrativo, resultando o seu descumprimento em ofensa aos princípios da eficiência (art. 37, caput, da CF/88), da razoabilidade (art. 2º da 1 Lei nº 9.784/1999), bem como à celeridade da tramitação (art. 5º, LXXVIII, da CF/88).
3. Remessa oficial desprovida.”
(0109787-87.2017.4.02.5104– 1ª Turma Especializada TRF 2ª Região, unânime, Rel. Juiz Federal Convocado Gustavo Arruda Macedo, data de disponibilização 04-10-2019).
Relativo à Remessa Necessária, o parágrafo 1º, do art. 14, da lei nº 12.016/09, dispõe que “concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.” Portanto, evidencia-se que, tratando-se de mandado de segurança, a remessa necessária é uma condição de validade da própria sentença que concedeu a segurança, cujo desígnio é resguardar a Administração Pública, impondo-se, em nome desta, que se declarem nulas eventuais transgressões ao interesse público.
Depreende-se da análise dos autos que, na data da impetração, o recurso administrativo apresentado pela parte impetrante encontrava-se paralisado na Central de Análise de Benefícios – CEAB SRII (JF, evento 58).
Verifica-se, no entanto, que a parte impetrante postula a concessão da ordem, determinando que o GERENTE EXECUTIVO DA APS CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO SRII - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - RIO DE JANEIRO/RJ, autoridade indicada como impetrada, conclua a análise de seu requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição NB42/191.561.171-4, que se encontrava paralisado na fase recursal.
Ocorre que o Conselho de Recursos da Previdência Social integra a estrutura do Ministério da Economia, consoante estabelecido no inciso XXXI, do artigo 32, da Lei nº 13.844/2019. Acrescente-se, ainda, o disposto no art. 303, do Decreto nº 3.048/99, verbis:
“Art. 303. O Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS é órgão colegiado de julgamento, integrante da estrutura do Ministério da Economia. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)”
Dessa forma, a autoridade impetrada não possui competência para cumprir a determinação judicial (julgar o recurso administrativo), na medida em que a ela cabe, apenas, encaminhar o recurso apresentado para a respectiva Junta de Recursos da Previdência Social, o que, inclusive, já foi feito, conforme documentos juntados nos eventos 58 e 71.
Sendo assim, a remessa necessária deve ser parcialmente provida, para estabelecer que, a concessão da segurança, limita-se a determinar que a autoridade impetrada encaminhe ao CRPS o recurso administrativo interposto pela parte impetrante, visto que o julgamento do recurso propriamente dito não compete ao GERENTE EXECUTIVO DA APS CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO SRII - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - RIO DE JANEIRO/RJ.
Diante do exposto, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA, para estabelecer que, a concessão da segurança, limita-se a determinar que a autoridade impetrada encaminhe ao CRPS o recurso administrativo interposto pela parte impetrante, e NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO do INSS, nos termos da fundamentação supra.