Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5057097-34.2019.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARITIMOS LTDA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: FERNANDA BOZA NEGRÃO FELICIO (OAB SP345765)

ADVOGADO: CRISTINA WADNER D'ANTONIO (OAB SP164983)

ADVOGADO: MARCELLA SILVA RODRIGUES DE OLIVEIRA (OAB SP276326)

ADVOGADO: GISELLE DE OLIVEIRA DIAS (OAB SP326214)

APELADO: Inspetor Chefe da Alfândega - UNIÃO - FAZENDA NACIONAL - Itaguaí (IMPETRADO)

APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação (Evento 39), interposta por Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda., contra a sentença (Evento 30), prolatada em 07.10.2019, pelo MM. Juiz Federal MAURÍCIO MAGALHÃES LAMHA, da 29ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que julgou improcedente o feito, denegando a segurança postulada, na forma do Artigo 487, inciso I, CPC/2015.

 

O decisum ora atacado adotou os seguintes fundamentos, ora reproduzidos a seguir, in verbis:

 

"II – FUNDAMENTAÇÃO;

 

O mandado de segurança é a via adequada para resguardar direito líquido e certo violado ou ameaçado de violação por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício do Poder Público, devendo a violação ou ameaça ser comprovada de forma inequívoca, mediante documentação probatória, nos termos do art. 1º, da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, que revogou a Lei nº 1.533 de 31 de dezembro de 1951 (art. 29, da Lei nº 12.016/09), e dos incisos LXIX e LXX do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

 

Direito líquido e certo há quando a ilegalidade ou a abusividade forem passíveis de demonstração documental, sem necessidade de produção de outras provas ao longo do procedimento. Por essa razão (desnecessidade de outras provas) é que o conceito de direito líquido e certo, modernamente, traduz-se num conceito processual (de função processual), que quer significar a necessidade de o impetrante apresentar-se em juízo munido de prova pré-constituída dos fatos que motivaram a impetração.

 

No presente caso, a Impetrante carreia aos autos o documento “EXTRATO DO CONHECIMENTO ELETRÔNICO” que noticia a existência de bloqueio da carga que impede o registro da Declaração de Importação.

 

Ressalto que o citado documento apresenta como motivo de bloqueio o seguinte: “39 – CE MASTER POSSUI HOUSE COM PRESENÇA DE CARGA E/OU DESPACHO”, denotando a existência de procedimento de análise por parte da Receita Federal.

 

Desta forma, é forçoso reconhecer a ausência de comprovação de ocorrência de abandono de mercadoria ou que tenha havido a aplicação de pena de perdimento, vinculando a retenção indevida da unidade de carga em comento.

 

Assim, ausente qualquer vício de constitucionalidade ou legalidade, com fundamento no acima aduzido, forçoso reconhecer a improcedência do pedido autoral.

(Evento 30, fl. 02, grifos e destaques no original)

 

Em suas razões recursais (Evento 39, Doc.01), sustenta a Impetrante, em síntese, os seguintes pontos:

  1. a Apelante trouxe prova inequívoca de seu direito, RATIFICADA pela CONFISSÃO da Apelada nas informações prestadas no evento 23, confirmando a ilegal e indevida apreensão do equipamento proveniente [de] SHEKOU-CHINA, transportado pelo navio “SANTOS EXPRESS”, acobertado pelo conhecimento de embarque B/L MASTER HDMUYNBR1657226, descarregado no Porto de Itaguaí em 06/08/2018, que está indevidamente retido desde então” (grifos e destaques no original);
  2. o pedido “expressamente formulado de aplicação do artigo 6º § 1º da Lei nº 12.016 de 07/08/2009 [...] foi completamente ignorado, configurando não só na negativa de prestação jurisdicional como também da nulidade da sentença”;
  3. não é lícito à Apelada utilizar a unidade de carga da Apelante para guardar as mercadorias retidas/apreendidas em razão da sua falta de estrutura ou qualquer outro motivo que seja, muito menos pela desídia do importador em dar início ao desembaraço aduaneiro e do poder público em dar andamento ao processo de perdimento”; e
  4. levada a termo a entrega e uma vez decorrido in albis o prazo legal de 90 dias para início do despacho aduaneiro por parte do importador (art. 15, § 1º, da Lei nº 9.611/98 c/c art. 642 e 647 do Regulamento Aduaneiro), deve a Apelada retirar toda a mercadoria acondicionada no container e armazená-la em recintos próprios, pois o container não é embalagem e nem se confunde com a mesma (art. 24, § único, Lei 9.611/98); logo, a r. decisão apelada não pode subsistir”.

 

Apresentadas contrarrazões pela União Federal – Fazenda Nacional (Evento 46).

 

A seguir, vieram os autos a esta Egrégia Corte, tendo sido encaminhados ao Ministério Público Federal, que apresentou parecer em separado (Evento 04), sem se manifestar sobre o meritum causae e opinando pelo prosseguimento do feito.

 

É o relatório. Peço dia.

VOTO

O presente Mandado de Segurança foi impetrado, em 22.08.2019, por MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARÍTIMOS LTDA., indicando como autoridade coatora o Inspetor Chefe da Alfândega - Itaguaí, vinculado à UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, postulando a concessão de segurança “para declarar a ilegalidade do ato da Autoridade Coatora, com a consequente determinação de liberação do contêiner HMMU6029948” (Evento 01, Doc.01, fl. 18, em negrito e sublinhado no original).

 

A este respeito, narra a Impetrante, ora Apelante, que “atua na área de transporte marítimo e, nessa qualidade, trouxe do Porto de Shekou, transportado pelo navio "Cape Artemisio", o contêiner identificado pela sigla HMMU6029948, tipo HC 40’, descarregados em 06/08/2018, no qual se diz conter as mercadorias descritas no Conhecimento de Embarque (B/L) nº HDMUYNBR1657226 [...] [aduzindo que,] Diante da demora na devolução do contêiner, a Impetrante entrou em contato com o terminal de contêineres e obteve a informação de que o consignatário do B/L HDMUYNBR1657226, proprietário das cargas, não providenciou o desembaraço das mercadorias contidas no referido contêiner, sendo este objeto de retenção por parte da Receita Federal do Brasil em decorrência do bloqueio da carga” (Evento 01, Doc.01, fl. 02, grifos no original). Por fim, sustenta que “a omissão ora cometida pela Impetrada, em especial no tocante à retenção dos equipamentos de transporte, vem gerando prejuízos diários, tendo em vista que os contêineres são elemento essencial à atividade fim do transportador, seja ele com ou sem navio, ficando impedido de explorar livremente sua atividade econômica, estando a Impetrante, consequentemente, obstruída pelo Impetrado de exercer livremente a posse de direito dos referidos contêineres” (Evento 01, Doc.01, fl. 03). Por essas razões, impetrou o presente mandamus.

 

Nessa perspectiva, e antes de mais nada, insta verificar a ilegitimidade passiva da Autoridade Coatora apontada, a saber o Inspetor Chefe da Alfândega – Itaguaí, haja vista não ter este último qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006, como se segue:

 

"Art. 1º A desunitização de mercadorias importadas que tenham sido objeto de apreensão, mediante a lavratura de auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias, independe de prévia autorização desta Alfândega, podendo ser solicitada diretamente ao recinto alfandegado depositário, o qual deverá observar as condições de segurança necessárias à garantia da integridade da carga e atender, conforme a natureza do produto, às determinações emanadas dos competentes órgãos públicos de controle."

 

Destarte, nota-se que a desunitização do contêiner pretendida neste mandamus independe de qualquer autorização do Inspetor Chefe da Alfândega – Itaguaí, competindo tão-somente ao diretor do terminal alfandegado, pelo que falece legitimidade passiva ao primeiro.

 

Aliás, esta mesma conclusão decorre da leitura das informações prestadas pela Autoridade Impetrada que, no Evento 23, esclareceu que “a responsabilidade de qualquer operação de logística dentro dos Recintos Alfandegados, sob controle e vigilância pela autoridade aduaneira, recaem sobre os Administradores desses Recintos, procedimento estes inerentes à desunitização da carga acondicionada em contêineres de propriedade da Impetrante, objeto do presente writ, passando então a ser de obrigação do fiel depositário, no caso, a empresa SEPETIBA TECON S/A, que exerce o alfandegamento de área destinada à guarda de mercadoria importada, transportada em contêiner” (Evento 23, fls. 04/05, grifo no original).

 

Quanto ao objeto do mandamus, é ver que esta Relatoria, nos autos nº 2006.50.01.001860-6, já firmou entendimento de que, como o contêiner não é acessório da mercadoria apreendida pela Receita, sua liberação é medida que se impõe. Confira-se:

 

“Conforme relatado, cuida-se de julgar remessa necessária em face da sentença que concedeu a segurança vindicada para determinar a desunitização das cargas e a liberação dos contêineres MSCU 1029279.

 

O presente mandamus foi impetrado ao argumento de que os contêineres em questão foram utilizados para cumprimento de contrato de transporte firmado pela impetrante, sendo que a consignatária das mercadorias não realizou a desunitização e devolução das unidades de carga, não tendo nem mesmo iniciado o despacho aduaneiro das mercadorias transportadas, que foram consideradas abandonadas. Aduz a impetrante que os contêineres ficaram retidos com as mercadorias declaradas abandonadas, o que vem lhe gerando prejuízos diários, na medida em que necessita destas unidades de transporte para consecução de sua atividade fim.

 

De fato, a pena de perdimento imposta às mercadorias abandonadas transportadas pelos contêineres não se estende aos mesmos, na medida em que o contêiner não é mera embalagem ou acessório das mercadorias, mas sim unidade autônoma de carga, na forma preconizada pelo art. 24 e parágrafo único da Lei 9.611/98, que dispõe sobre o transporte multimodal de cargas, in verbis:

 

“Art. 24 Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas à movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.

Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo.”

 

Resta patente, destarte, que tem o contêiner destinação própria que é o transporte de mercadorias e não o armazenamento destas, pelo que eventual pena de perdimento imposta à mercadoria transportada não deve recair sobre a unidade de carga que a transportou.

 

Neste diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento:

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO DE MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. APREENSÃO DE CONTÊINER: UNIDADE DE CARGA ACESSÓRIA. NÃO-CABIMENTO DA RETENÇÃO. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento. 2. O acórdão a quo concedeu segurança objetivando afastar a ilegalidade na apreensão dos ‘containers’, cuja mercadoria sofreu pena de perdimento de bens. 3. Nos termos do art. 3º da Lei nº 6.288/75 ‘o container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador’. 4. ‘A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo’ (art. 24, parágrafo único, da Lei nº 9.611/98). 5. A jurisprudência da 1ª Turma do STJ é pacífica no sentido de que não deve recair sobre a unidade de carga (contêiner) a pena de perdimento, por ser simples acessório da carga transportada. 6. Precedentes: REsps nºs 526767/PR, 526760/PR e 526755/PR. 7. Agravo regimental não-provido.” ( STJ, 1ª Turma., AgRg no Ag 950.681/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 23.04.2008 p. 1)

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO DE MERCADORIA. APREENSÃO DO CONTÊINER (UNIDADE DE CARGA). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 24, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.611/98. NÃO-OCORRÊNCIA. INEXISTE RELAÇÃO DE ACESSORIEDADE ENTRE O CONTÊINER E A MERCADORIA NELETRANSPORTADA. EXEGESE DO ART. 92 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A questão controvertida consiste em saber se o contêiner utilizado no transporte de carga é acessório da mercadoria nele transportada e, por conseqüência, deve sofrer a pena de perdimento aplicada à mercadoria apreendida por abandono. 2. O Tribunal a quo entendeu que o contêiner não se confunde com a mercadoria nele transportada, razão pela qual considerou ilícita sua apreensão em face da decretação da pena de perdimento da carga. A recorrente, em vista disso, pretende seja reconhecido o contêiner como acessório da carga transportada, aplicando-se-lhe a regra de que o acessório segue o principal. 3. ‘Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal’ (CC/02, art. 92). 4. Definido, legalmente, como qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas e não se constituindo embalagem da carga (Lei 9.611/98, art. 24 e parágrafo único), o contêiner tem existência concreta, destinado a uma função que lhe é própria

(transporte), não dependendo, para atingir essa finalidade, de outro bem juridicamente qualificado como principal. 5. Assim, a interpretação do art. 24 da Lei 9.611/98, à luz do disposto no art. 92 do Código Civil, não ampara o entendimento da recorrente no sentido de que a unidade de carga é acessório da mercadoria transportada, ou seja, que sua existência depende desta. Inexiste, pois, relação de acessoriedade que legitime sua apreensão o perdimento porque decretada a perda da carga. 6. Recurso especial conhecido e desprovido.” (STJ, 1ª Turma, REsp 526767/PR, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 19/09/2005,p. 186)

 

Desta maneira irrepreensível a sentença em análise que consignou que ‘não é legítima a retenção dos contêineres junto com as mercadorias não desembaraçadas. Com efeito, este ato tem causado prejuízos ao Impetrante, que está impossibilitado de utilizar suas unidades de carga, e, por conseguinte, de realizar novos negócios, uma vez que os contêineres devem ser utilizados apenas no transporte e não no armazenamento das mercadorias nos depósitos alfandegários.’

 

Do exposto, com base na fundamentação supra, nego provimento à remessa necessária, a fim de manter inalteradas as conclusões da sentença apelada.”

 

Ocorre que o caso ora trazido à colação possui peculiaridades que não permitem a adoção da solução alhures transcrita. Isto porque a unidade autônoma de carga, cuja liberação se requer, está apreendida em um recinto alfandegado privado.

 

Sendo assim, no caso dos autos, a desunitização do contêiner pretendida neste mandamus independe de qualquer autorização do Inspetor Chefe da Alfândega – Itaguaí, competindo tão-somente ao diretor do terminal alfandegado, pelo que falece legitimidade passiva ao primeiro. Em outras palavras: não há legitimidade da Autoridade Impetrada no que diz respeito ao ato alegado como coator, na medida em que a instauração de procedimentos fiscais em curso, com a lavratura do respectivo auto não acarretou a retenção do contêiner, que deve ser liberado não pelo Inspetor-Chefe da Alfândega em Itaguaí, mas sim pelo diretor do recinto alfandegado, conforme manifestação da Autoridade Impetrada (Evento 23).

 

Entretanto, tais questões não têm qualquer pertinência com a via eleita, a qual se destina a proteger direito líquido e certo contra ato de autoridade, sendo que a Autoridade Coatora ora apontada é ilegítima na hipótese apresentada nestes autos.

 

A propósito, confira-se julgado desta Corte, em caso análogo:

 

“ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DE CONTÊINER COM MERCADORIAS APREENDIDAS. DECORRIDOS MAIS DE 90 DIAS. AUSÊNCIA DE PROVA -Cuida-se de mandado de segurança, visando à imediata devolução do container apreendido pelas impetradas, sob o argumento de abandono pelo importador, sob alegação que é empresa que atua na área de transporte comercial por via marítima e trouxe, do Porto de Shangai para o Porto do Rio de Janeiro, um Container de sigla PCIU 452797-8 contendo mercadorias descritas no Conhecimento Marítimo BL SHARIO050000263 em anexo, as quais foram apreendidas, e, em virtude de ter passado mais de 90 dias da descarga, foi o mesmo considerado abandonado, pelo que o impetrante requereu sua liberação por ser elemento essencial a sua atividade fim, tendo as autoridades coatoras procedido sua retenção igualmente com as mercadorias transportadas. Alega, que container não se confunde com embalagem de mercadorias, tendo em vista, por analogia ao parágrafo único do art.24 da Lei nº 9.611/98, ser considerado unidade de carga e, como tal, pertencem ao transportador das mercadorias, uma vez cessada sua responsabilidade pela custódia das mercadorias com a sua chegada ao Porto do Rio de Janeiro, assim, sustenta que houve cerceamento do direito do impetrante em dispor de sua unidade de carga, impedindo-o de utilizá-la em outras operações de transporte, o constitui flagrante afronta ao direito de propriedade.”

- Inicialmente, como cediço, o Mandado de Segurança, a par das condições genéricas para o exercício do direito de ação, possui algumas específicas, que em suas ausência, conduzem a denegação da ordem, com o cunho terminativo.

-In casu como sinalado na decisão objurgada, de forma adequada, cuja fundamentação, ora se incorpora, a autoridade apontada coatora, de órbita federal, em nada interferiu no ato questionado, o que configura-se, de pleno direito, a sua impertinência subjetiva para a lide.

-Noutro eito, a apontada autoridade coatora, de órbita privada, não exerce qualquer atividade descentralizada, na hipótese enfocada, de molde a lhe aferir a possibilidade de figurar no pólo passivo deste remédio heróico, inexistente, assim, o designado ato de autoridade, quanto à liberação reclamada, conforme, mais uma vez, foi analisado na decisão de piso, cujos fundamentos, outrossim, restam incorporados, o que conduz à manutenção do decisum.

- Recurso desprovido.”

(AC 200751010203866, Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, TRF2 – OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::02/03/2009 - Página::130.)

 

Por conseguinte, diante do exposto e na forma da fundamentação, VOTO NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO à apelação do Impetrante (Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda.) e DAR PROVIMENTO à remessa necessária, para, reformando a sentença atacada (Evento 30), JULGAR EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade passiva ad causam constatada, com fulcro no Artigo 10, da Lei nº 12.016/2009.



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Processo n. 5057097-34.2019.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5057097-34.2019.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARITIMOS LTDA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: FERNANDA BOZA NEGRÃO FELICIO (OAB SP345765)

ADVOGADO: CRISTINA WADNER D'ANTONIO (OAB SP164983)

ADVOGADO: MARCELLA SILVA RODRIGUES DE OLIVEIRA (OAB SP276326)

ADVOGADO: GISELLE DE OLIVEIRA DIAS (OAB SP326214)

APELADO: Inspetor Chefe da Alfândega - UNIÃO - FAZENDA NACIONAL - Itaguaí (IMPETRADO)

APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESUNITIZAÇÃO DE CARGA. RETENÇÃO INDEVIDA DE CONTÊINER. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA AUTORIADE APONTADA COMO COATORA. APELAÇÃO DA IMPETRANTE DESPROVIDA E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

1. Mandado de Segurança, impetrado em 20.08.2018, 22.08.2019, por MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARÍTIMOS LTDA., indicando como autoridade coatora o Inspetor Chefe da Alfândega - Itaguaí, vinculado à UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, e postulando a concessão de segurança “para declarar a ilegalidade do ato da Autoridade Coatora, com a consequente determinação de liberação do contêiner HMMU6029948”.

2. Insta verificar a ilegitimidade passiva da autoridade coatora apontada, a saber, Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Brasil - Itaguaí, haja vista não ter o mesmo qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, de 11 de Outubro de 2006. Nota-se que a desunitização do contêiner pretendida neste mandamus independe de qualquer autorização do Inspetor da Alfândega de Receita Federal do Brasil do Porto de Itaguaí, competindo tão somente ao diretor do terminal alfandegado, pelo que falece legitimidade passiva ao primeiro.

3. No caso dos autos, a unidade autônoma de carga, cuja liberação se requer, está apreendida em um recinto alfandegado privado, razão pela qual a desunitização do contêiner pretendida independe de qualquer autorização do Inspetor Chefe da Alfândega – Itaguaí, competindo tão-somente ao diretor do terminal alfandegado, de modo que falece legitimidade passiva ao primeiro, indicado como Autoridade Impetrada no presente writ.

4. Apelação da Impetrante desprovida, e remessa necessária provida, extinto o processo sem resolução de mérito, na forma da fundamentação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação do Impetrante (Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda.) e DAR PROVIMENTO à remessa necessária, para, reformando a sentença atacada (Evento 30), JULGAR EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade passiva ad causam constatada, com fulcro no Artigo 10, da Lei nº 12.016/2009, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 2020.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000087366v6 e do código CRC 70013b7a.

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Processo n. 5057097-34.2019.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5057097-34.2019.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARITIMOS LTDA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: FERNANDA BOZA NEGRÃO FELICIO (OAB SP345765)

ADVOGADO: CRISTINA WADNER D'ANTONIO (OAB SP164983)

ADVOGADO: MARCELLA SILVA RODRIGUES DE OLIVEIRA (OAB SP276326)

ADVOGADO: GISELLE DE OLIVEIRA DIAS (OAB SP326214)

APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de julgar embargos de declaração (Evento 21), opostos por Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda., contra acórdão unânime proferido pela Eg. 8ª Turma Especializada deste Tribunal em sessão de julgamento realizada em 11.02.2020 (Evento 09), e cuja ementa a seguir se transcreve:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESUNITIZAÇÃO DE CARGA. RETENÇÃO INDEVIDA DE CONTÊINER. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA AUTORIADE APONTADA COMO COATORA. APELAÇÃO DA IMPETRANTE DESPROVIDA E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

1. Mandado de Segurança, impetrado em 20.08.2018, 22.08.2019, por MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARÍTIMOS LTDA., indicando como autoridade coatora o Inspetor

Chefe da Alfândega - Itaguaí, vinculado à UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, e postulando a concessão de segurança “para declarar a ilegalidade do ato da Autoridade Coatora, com a consequente determinação de liberação do contêiner HMMU6029948”.

2. Insta verificar a ilegitimidade passiva da autoridade coatora apontada, a saber, Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Brasil - Itaguaí, haja vista não ter o mesmo qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, de 11 de Outubro de 2006. Nota-se que a desunitização do contêiner pretendida neste mandamus independe de qualquer autorização do Inspetor da Alfândega de Receita Federal do Brasil do Porto de Itaguaí, competindo tão somente ao diretor do terminal alfandegado, pelo que falece legitimidade passiva ao primeiro.

3. No caso dos autos, a unidade autônoma de carga, cuja liberação se requer, está apreendida em um recinto alfandegado privado, razão pela qual a desunitização do contêiner pretendida independe de qualquer autorização do Inspetor Chefe da Alfândega – Itaguaí, competindo tão-somente ao diretor do terminal alfandegado, de modo que falece legitimidade passiva ao primeiro, indicado como Autoridade Impetrada no presente writ.

4. Apelação da Impetrante desprovida, e remessa necessária provida, extinto o processo sem resolução de mérito, na forma da fundamentação.

(Evento 10, Doc.02)

 

Como razões recursais, alegou a parte embargante o seguinte:

 

DAS CONTRADIÇÕES E OMISSÕES VISLUMBRADAS:

 

Da ausência de aplicabilidade da Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da

Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro de 11.10.2006;

 

Da hierarquia das normas;

 

Primeiramente, insta consignar que a fundamentação de Vossa Excelência perante o acórdão apelatório é CONTRÁRIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO e AFRONTA A HIERARQUIA DAS NORMAS.

 

Vossa Excelência informa que a “ilegitimidade passiva da Autoridade Coatora apontada, a saber o Inspetor Chefe da Alfândega Itaguaí, haja vista não ter este último qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006.

 

Pois bem. Dispõe o artigo 1º firmado pela Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006:

 

[...]

 

Primeiramente, a Embargada solicitou administrativamente a liberação da unidade de carga, veja:

 

[...]

 

sendo que, não obtivera resposta ao pedido.

 

Mas, ainda assim, necessário ressaltar que a aplicabilidade de tal norma é ILEGAL se confrontado com a própria redação do artigo 4º do Decreto n.º 1.910, de 21/05/96, o qual dispõe que os serviços desenvolvidos em terminais alfandegados de uso público poderão ser delegados a pessoas jurídicas de direito privado, para guarda e transporte de mercadorias, sendo que, em complemento à este, perante o artigo 13-A do Decreto nº 6.759 de 5/02/2009 há o informe de competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil para definir requisitos técnicos e operacionais alfandegários, sob controle aduaneiro, movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias procedentes do exterior, ou a ele destinadas, inclusive sob regime aduaneiro especial, bagagem de viajantes procedentes do exterior, ou a ele destinados, e remessas postais internacionais.

 

Igualmente, ILEGAL se também confrontado com o artigo 642 do Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759/2009, que determina que após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias da descarga da mercadoria no recinto alfandegário, esta será considerada abandonada, sujeitando-se o importador à pena de perdimento, ficando o Poder Público responsável pelo acondicionamento, guarda e destinação da mencionada mercadoria, até por isso, quando a Embargada informa perante o evento 23 que o equipamento está em posse do Terminal, NÃO EXIME SUA RESPONSABILIDADE PERANTE A DESUNITIZAÇÃO.

 

E, ressalte-se que além dos dispositivos citados, é assentado e pacífico o jurisprudencial acerca do tema, sendo certo que a Inspetoria da Receita Federal do Porto do Rio de Itaguaí é parte legítima pela apreensão da unidade de carga. Ou seja, por todo exposto até então, resta claro o óbice na aplicabilidade da Ordem de Serviço em questão face ao PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS.

 

A Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006, na hierarquia das normas, na qualidade de ato inferior à lei, não pode, a pretexto do interesse da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, afastar a legitimidade do Ilmo. Senhor Inspetor Chefe Da Alfândega Do Porto De Itaguaí para responder pela desunitização do equipamento em questão, já que, por ordem deste houvera a apreensão da carga.

 

[...]

 

Aliás, tal dispositivo possui CARÁTER SECUNDÁRIO frente às fontes primárias do Direito.

 

Neste diapasão, temos que as fontes secundárias estão, assim, claramente subordinadas às primárias! Assim sendo, não poderia a Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006 ir além das previsões contidas no artigo 4º do Decreto n.º 1.910, de 21/05/96, artigos 13-A e 642 do Decreto nº 6.759 de 5/02/2009, extrapolando os limites estabelecidos por esta lei, sob pena de ser declarada ilegal por ferir o princípio da hierarquia de normas jurídicas.

 

Consequentemente, por ser fonte secundária acessória, é defeso contrariar, restringir ou ampliar as disposições já previstas nas fontes primárias que regulamentam a matéria.

 

Nesses termos, requer o aclaramento quanto a aplicabilidade do artigo 1º da Ordem de Serviço nº 04, do Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, de 11.10.2006 frente aos dispositivos legais que regem especificamente a matéria, e, frente ao princípio da hierarquia das normas, nos termos acima citados.

 

Da legitimidade pela da Receita Federal do Porto de Itaguaí pela retenção do contêiner;

 

Da contradição e omissão as informações trazidas pela Embargante e pela Embargada;

 

Da omissão quanto ao pedido de apresentação de provas previsto em legislação específica, sendo, parágrafo 1º do artigo 6º da Lei nº 12.016 de 7/08/2009;

 

Conforme se depreende das informações prestadas pelo Sr. Delegado Adjunto da Receita Federal do Brasil de Itaguaí, o contêiner objeto da lide ESTÁ NA POSSE DA IMPETRADA.

 

Isso porque, HÁ A AFIRMAÇÃO EXPRESSA DE QUE O CONTAINER ESTÁ RETIDO NO TERMINAL ALFANDEGADO ONDE A CARGA, OBJETO DE FISCALIZAÇÃO, ENCONTRA-SE ARMAZENADA.

 

[...]

 

Ou seja, é fato que a unidade carga objeto está retida no Terminal Alfandegado por conta e ordem da Receita Federal do Brasil, autoridade fiscalizatória.

 

Assim, em que pese sua confissão, Vossa Excelência entendera, ainda, que a Autoridade Coatora é o Terminal Alfandegado.

 

No entanto, ressalte-se que a retenção da mercadoria É ATO EXCLUSIVO DA EMBARGADA, que como autoridade fiscalizatória determina o que lhe for pertinente com relação a carga, cujo único documento que a Embargante tem acesso é o que consta do SISCOMEX CARGA1 – em que COMPROVA a retenção:

 

[...]

 

Sendo assim, Vossa Excelência fora CONTRADITÓRIO e OMISSO às provas produzidas nos autos pela Embargante (evento 1, out9, página 1 e evento 1, out8, página 3); assim como CONTRADITÓRIO e OMISSO aos informes da Embargada em que RATIFICA a apreensão (evento 23, páginas 7 e 15).

 

Por oportuno, necessário ressaltar também, a OMISSÃO quanto ao pedido de aplicação do dispositivo do parágrafo 1º, artigo 6º2 da Lei nº 12.016 de 7/08/2009, a fim de que, Caso Vossa Excelência entendesse pela insuficiência de provas, que determinasse que a Autoridade Embargada fornecesse ao Juízo, documento que atestasse de forma CLARA E OBJETIVA o atual status da carga e do container.

 

De mais a mais, entende a Embargante que, ao confessar que o container objeto está retido (EVENTO 23, PAGINAS 7 e 15), porém pelo Terminal, acaba, a Embargada, por confessar que comete ato arbitrário e ilegal, pois o Terminal Alfandegado, empresa privada delegatária, na modalidade permissionária, de serviço público federal, qual seja, exploração de recinto alfandegado, age como depositária das mercadorias para que a Autoridade Coatora (Embargada) possa exercer sua fiscalização, atuando sob os ditames do artigo 4º3 do Decreto n.º 1.910, de 21/05/96, o qual dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços desenvolvidos em terminais alfandegados de uso público, e dá outras providências.

 

Não obstante, o Decreto nº 6.759 de 5/02/2009 (Regulamento Aduaneiro), assim dispõe:

 

Art. 9º - Os recintos alfandegados serão assim declarados pela autoridade aduaneira competente, na zona primária ou na zona secundária, a fim de que neles possam ocorrer, sob controle aduaneiro, movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de: (...)

 

Art. 13-A. Compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil definir os requisitos técnicos e operacionais para o alfandegamento dos locais e recintos onde ocorram, sob controle aduaneiro, movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias procedentes do exterior, ou a ele destinadas, inclusive sob regime aduaneiro especial, bagagem de viajantes procedentes do exterior, ou a ele destinados, e remessas postais internacionais (...)

 

Ora, claro está que ao Terminal cabe apenas guarda da mercadoria sob às ordens da Secretaria da Receita Federal, que através de sua Inspetoria da Alfandega dos Portos, ora Embargada, exerce a fiscalização e a quem cabe à disponibilização das condições necessárias para armazenamento das mercadorias, é quem comete o ato coator ao determinar a apreensão da carga, seja por abandono ou irregularidades, juntamente com o container.

 

Tanto é assim que, o artigo 642 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) determina que após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias da descarga da mercadoria no recinto alfandegário, esta será considerada abandonada, sujeitando-se o importador à pena de perdimento, ficando o Poder Público responsável pelo acondicionamento, guarda e destinação da mencionada mercadoria, até por isso, quando informa que o equipamento está em posse do Terminal, não exime sua responsabilidade perante a desunitização.

 

A Embargante não pode ser impedida de dispor de bens de sua propriedade em decorrência da omissão do importador, que não efetuou o despacho aduaneiro da carga no prazo adequado ou cometeu irregularidades que ocasionaram o perdimento dos bens, muito menos da omissão da autoridade Embargada, que não decidiu seu requerimento administrativo no mais razoável tempo possível, conforme preceitua a Lei nº 9.784/99 e artigos 5º, inciso LXXVIII e 37 da Constituição da República – e que, sequer chegou a responder ao requerimento administrativo, atuando com desdém perante a solicitação realizada.

 

Ademais, a retenção do contêiner impede a realização da própria atividade fim da Impetrante, trazendo risco à sua atividade econômica com prejuízos diários por si absorvidos.

 

Nesses termos, requer o aclaramento da matéria frente a CONTRADIÇÃO e OMISSÃO às provas produzidas nos autos pela Embargante (evento 1, out 9, página 1 e evento 1, out 8, página 3); CONTRADIÇÃO e OMISSÃO aos informes da Embargada em que RATIFICA a apreensão (evento 23, páginas 7 e 15); CONTRADIÇÃO e OMISSÃO À LEI conforme artigo 4º do Decreto n.º 1.910, de 21/05/96, artigos 9, 13-A e 642 do Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759/2009, § 1º do artigo 6º Lei nº 12.016 de 07/08/2009 e inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal.

 

DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL PACIFICADO

 

Por conseguinte, é certo que o entendimento dos Tribunais é no sentido de que cabe ao Poder Público a desunitização dos equipamentos, conforme decisões a seguir transcritas:

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADUANEIRO. DESUNITIZAÇÃO DE CARGA E DEVOLUÇÃO DOS CONTÊINERES. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.

1. Cinge-se a discussão posta à baila quanto à legalidade do ato de retenção de contêiner de propriedade da Impetrante, tendo em vista o apreendimento/abandono das mercadorias contidas em seus interiores pelo Importador.

2. O contêiner não é acessório da mercadoria transportada, razão pela qual não se sujeita à pena de perdimento, a qual é aplicável somente à mercadoria abandonada. Dispõe o art. 24 da Lei nº 9.611/98 que os contêineres enquadram-se no conceito jurídico-legal de unidades de carga.

3. Estando os bens sujeitos à pena de perdimento, a responsabilidade pelo acautelamento dos produtos abandonados pertence ao Poder Público, consoante previsão do Decreto-Lei nº 1.455/76 e Decreto nº 6.759/09, não sendo cabível a transferência de tal ônus à transportadora, por prazo indeterminado, vez que para o regular desenvolvimento de suas atividade comerciais necessita do equipamento apreendido. Precedentes jurisprudenciais.

4. Cabe ao Poder Público a desunitização do contêiner, não obstante tenha delegado tal função à empresa contratada. (TRF da 2ª Região, Oitava Turma Especializada, AC 201251010424477, Rel. Des. Fed. VERA LUCIA LIMA, Dj. 22/05/2013, unânime).

5. Não pode a Impetrante ter sua propriedade privada em decorrência de omissão do Importador, que não efetuou o despacho aduaneiro, visto que os óbices que recaiam sobre a mercadoria abandonada não podem atingir o direito de reassunção do contêiner pela empresa transportadora.

6. Apelação e Remessa Necessária desprovidas. (APELREEX 00882221320164025101, GUILHERME DIEFENTHAELER, TRF2 - 8ª TURMA ESPECIALIZADA.)

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DO RIO DE JANEIRO. DESUNITIZAÇÃO DE CARGAS. DEVOLUÇÃO DE CONTÊINERES. ART. 24 LEI 9.611/98 E ART. 642 DO DECRETO 6.759/2009. REMESSA DESPROVIDA. No que tange à alegada ilegitimidade passiva do Chefe da Alfândega da Receita Federal do Porto do Rio de Janeiro, insta esclarecer que as providências solicitadas pela Impetrante somente podem ser adotadas pela Alfândega, visto que pressupõe o início do processo administrativo para a aplicação da pena de perdimento das mercadorias não nacionalizadas que ainda se encontram em unidade de carga de propriedade da Impetrante, circunstância que impõe a confirmação da sentença neste aspecto. Na hipótese, verifica-se que, no dia 02/09/2014, as mercadorias chegaram ao Porto do Rio de Janeiro (fl. 46) e, em 17/10/2014, foi indeferido o DTA e bloqueado o Conhecimento Eletrônico Mercante, vinculado ao BL nº CDNGB141304 (fl. 53) e lá permaneceram paradas, motivo que ensejou a impetração do mandamus, em maio de 2015. Sendo assim, o prazo estipulado no artigo 642 do Regulamento Aduaneiro Decreto 6.759/2009, ou seja, 90 dias contados da sua descarga, está, há muito, ultrapassado. -A Lei 9.611/98, em seu art. 24, define contêiner como qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas. Assim, mostra-se indevida a retenção do contêiner junto com as mercadorias consideradas abandonadas, visto que os equipamentos devem ser utilizados apenas no transporte e não no armazenamento de mercadorias nos depósitos alfandegários, razão por que a impetrante não pode ser punida ou privada de acesso à sua propriedade em decorrência de omissão do importador, que não efetuou o despacho aduaneiro das mercadorias no prazo correto, estando estas sujeitas à pena de perdimento. Ademais, não estando obrigada a empresa proprietária do contêiner, por lei ou contrato, a suportar 1 prejuízos atinentes ao desembaraço aduaneiro, razão não há para se vedar a liberação do respectivo contêiner. - Remessa necessária desprovida. (REOAC 00496753520154025101, VERA LÚCIA LIMA, TRF2 - 8ª TURMA ESPECIALIZADA.)

 

DOS EFEITOS INFRINGENTES

 

Admitindo-se exceção à vedação de efeitos puramente infringentes nos casos extremos cuja decisão padece de defeito gravíssimo que não se caracteriza somente como omissão, contradição, obscuridade ou erro material, doutrina e jurisprudência (inclusive do STF e STJ) tendem a admitir a utilização dos embargos declaratórios em tais casos – com efeitos infringentes atípicos.

 

Além disso, pelas razões anteriormente esboçadas, há sentença proferida CONTRADIÇÃO e OMISSÃO devendo, portanto, serem sanadas, uma vez que Vossa Excelência entendeu pela improcedência da demanda sob o fundamento de que o caso dos autos seria de ilegitimidade passiva do ILMO. SENHOR INSPETOR CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE ITAGUAÍ.

 

Face o exposto, uma vez evidente as contradições e omissões verificadas no v. acórdão proferido, requer a Embargante que sejam recebidos e devidamente conhecidos os presentes embargos declaratórios e, inclusive, caso assim entenda este D. Juízo, com efeitos infringentes, para que sejam sanadas as omissões destacadas e ao final seja a ação julgada procedente.

(Evento 22, fls. 04/13, grifos e destaques no original)

 

Manifestou, ainda, a parte embargante o interesse em prequestionar as matérias e/ou dispositivos legais e constitucionais que entendeu não terem sido abordados pelo acórdão embargado.

 

Contrarrazões apresentadas pela União Federal/Fazenda Nacional (Apelada, ora Embargada).

 

A seguir, vieram os autos conclusos.

 

É o relatório.

VOTO

Os embargos declaratórios são tempestivos e, por terem sido alegados vícios do Artigo 535, CPC/1973 (Artigo 1.023, CPC/2015), devem ser os mesmos conhecidos, eis que preenchidos os seus requisitos de admissibilidade.

 

No mérito, todavia, não merecem ser providos os declaratórios, uma vez que as alegações da parte embargante evidenciam a sua nítida intenção de se contrapor ao entendimento adotado pelo órgão embargado, o qual, pelo que se depreende de suas razões recursais, não teria se amoldado às teses jurídicas por ela defendidas.

 

Ora, em que pese a possibilidade, admitida por jurisprudência e doutrina, de atribuição de efeitos infringentes aos declaratórios quando a alteração do acórdão surja como consequência necessária da correção do apontado vício, não é menos certo que apenas em casos excepcionais se deve extrair do referido recurso essa finalidade anômala, sob pena de se desvirtuar, pela banalização, a sua característica precípua, que é a de prestar esclarecimentos e sanar eventuais omissões, contradições e obscuridades do julgado, assim permitindo a adequada interposição do recurso cabível.

 

No caso dos autos, a pretexto de integração do julgado, a parte embargante ofereceu os presentes embargos declaratórios sem, contudo, apontar verdadeira contradição/omissão/obscuridade, nem quaisquer dos demais vícios taxativamente elencados no Artigo 535 do Estatuto Processual vigente à data do acórdão embargado (11.02.2020), limitando-se a manifestar o seu inconformismo com o resultado do acórdão e com o entendimento por ele adotado, que a parte entende lhe ter sido desfavorável, no sentido de que a hipótese é de ilegitimidade passiva da autoridade coatora apontada, a saber, Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Brasil – Itaguaí, haja vista não ter este último qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, de 11 de Outubro de 2006, e sendo que a desunitização do contêiner pretendida independe de qualquer autorização do Inspetor da Alfândega de Receita Federal do Brasil do Porto de Itaguaí, competindo tão somente ao diretor do terminal alfandegado.

 

Cumpre ressaltar que eventual decisão que a ora Embargante entendam como desfavorável não constitui vício embargável.

 

E, nessa perspectiva, o que se constata in casu é a existência de irresignação pura e simples da parte relativamente ao acórdão embargado, o que enseja o desprovimento desse recurso.

 

Por conseguinte, diante do exposto e na forma da fundamentação, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER e NEGAR PROVIMENTO aos embargos de declaração opostos pela Impetrante (Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda.).



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000154750v2 e do código CRC 8b12d87c.

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Processo n. 5057097-34.2019.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5057097-34.2019.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MULTISEAS AGENCIAMENTOS MARITIMOS LTDA (IMPETRANTE)

ADVOGADO: FERNANDA BOZA NEGRÃO FELICIO (OAB SP345765)

ADVOGADO: CRISTINA WADNER D'ANTONIO (OAB SP164983)

ADVOGADO: MARCELLA SILVA RODRIGUES DE OLIVEIRA (OAB SP276326)

ADVOGADO: GISELLE DE OLIVEIRA DIAS (OAB SP326214)

APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES/CONTRADIÇÕES. NÃO CONFIGURAÇÃO. MERO INCONFORMISMO DA PARTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

1. Em que pese a possibilidade, admitida por jurisprudência e doutrina, de atribuição de efeitos infringentes aos declaratórios quando a alteração do acórdão surja como consequência necessária da correção do apontado vício, não é menos certo que apenas em casos excepcionais se deve extrair do referido recurso essa finalidade anômala, sob pena de se desvirtuar, pela banalização, a sua característica precípua, que é a de prestar esclarecimentos e sanar eventuais omissões, contradições e obscuridades do julgado, assim permitindo a adequada interposição do recurso cabível.

2. Alegações da parte embargante que evidenciam a sua nítida intenção de se contrapor ao entendimento adotado pelo órgão embargado, o qual, pelo que se depreende de suas razões recursais, não teria se amoldado às teses jurídicas por ela defendidas, mas sem, todavia, apontar verdadeiros vícios.

3. Não constitui vício embargável a mera circunstância de ter sido adotado, no acórdão ora embargado, entendimento distinto daquele sustentado pela Embargante, e adotado no acórdão embargado, no sentido da ilegitimidade passiva da autoridade coatora apontada, a saber, Inspetor da Alfândega da Receita Federal do Brasil – Itaguaí, haja vista não ter este último qualquer ingerência na liberação do contêiner pretendida, nos termos firmados pela Ordem de Serviço nº 04, de 11 de Outubro de 2006, e sendo que a desunitização do contêiner pretendida independe de qualquer autorização do Inspetor da Alfândega de Receita Federal do Brasil do Porto de Itaguaí, competindo tão somente ao diretor do terminal alfandegado.

4. Não apontados quaisquer dos demais vícios taxativamente elencados no Artigo 535 do Estatuto Processual vigente à data do acórdão embargado (11.02.2020), mas apenas deduzida argumentação reiterando as teses anteriormente defendidas pela ora Embargante, constata-se que esta última se limitou a manifestar o seu inconformismo com o resultado do acórdão e com o entendimento por ele adotado, que não lhe teria sido completamente favorável, o que enseja o desprovimento dos declaratórios.

5. Embargos de declaração da Impetrante conhecidos, e desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, CONHECER e NEGAR PROVIMENTO aos embargos de declaração opostos pela Impetrante (Multiseas Agenciamentos Marítimos Ltda.), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 30 de junho de 2020.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000154753v3 e do código CRC 2b1ef6e6.

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