Remessa Necessária Cível Nº 5026149-07.2022.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargador Federal ANDRÉ FONTES
PARTE AUTORA: SELMA DA MOTTA FLORES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: FLAVIO TEIXEIRA COUTINHO (OAB RJ203156)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária de sentença (evento 25) que, em mandado de segurança impetrado por SELMA DA MOTTA FLORES com objetivo de compelir a autoridade coatora a analisar requerimento administrativo de concessão de aposentadoria, deferiu a ordem nos seguintes termos:
“(...)CONCEDO A SEGURANÇA e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, com base no art. 487, III, "a" do CPC, para determinar que a autoridade coatora proceda à apreciação do requerimento administrativo nº 1785139971 (Aposentadoria da Pessoa com Deficiência por Idade)”
Manifestação do Ministério Público pela falta de interesse público na demanda, que justifique sua intervenção (evento 4).
É o breve relato.
Sem revisão, nos termos regimentais.
VOTO
I- O Capítulo XI da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o procedimento administrativo no âmbito da Administração Pública, dispõe sobre o dever de decidir da autoridade administrativa.
II - Embora a lei não fixe um prazo para a tramitação processual, apenas para a decisão depois de concluída a instrução, o certo é que não se mostra razoável que a autoridade deixe de manifestar qualquer decisão.
III - No procedimento administrativo, o princípio constitucional da eficiência consiste na adoção de mecanismos mais céleres e mais efetivos para que a Administração Pública possa alcançar o fim perseguido por meio de todo o procedimento adotado.
IV- Convém ressaltar as inovações legislativas que, no decorrer do ano de 2020, estabeleceram medidas excepcionais de proteção social para enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus que assolou o mundo, atingindo também nosso país. E, ainda o acordo avençado pelo Ministério Público e o INSS, homologado pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em 17-2-2021, no Recurso Extraordinário nº 1.171.152, o qual prevê prazos para análises dos procedimentos administrativos relacionados a benefícios previdenciários e assistenciais administrados pelo INSS.
Conforme relatado, trata-se de Mandado de Segurança contra ato omissivo do GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS – RJ, por demora em apreciar requerimento administrativo de concessão de aposentadoria.
A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o procedimento administrativo no âmbito da Administração Pública, no Capítulo XI, dispõe sobre o dever de decidir da autoridade administrativa, in verbis:
“Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.”
Embora a lei não fixe um prazo para a tramitação processual, mas tão somente para a decisão depois de concluída a instrução, o certo é que não se mostra razoável que a autoridade deixe de manifestar qualquer decisão. No presente caso, até a data da autuação da presente ação, o impetrante não recebera decisão da autoridade acerca do seu requerimento, em violação aos ditames do art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição da República, o qual assegura aos litigantes, inclusive na esfera administrativa, a razoável duração do processo, nos seguintes termos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação;”
Outrossim, em procedimento administrativo, o princípio da eficiência, que abrange o princípio da tutela tempestiva, consiste na adoção de mecanismos mais céleres e mais efetivos para que a Administração Pública possa alcançar realmente o fim perseguido por meio de todo o procedimento adotado.
Convém ressaltar as inovações legislativas, a exemplo das Leis nº 13.982-2020 e nº 14.131-2020 que, no decorrer do ano de 2020 estabeleceram medidas excepcionais de proteção social para enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus que assolou o mundo, atingindo também nosso país. E, ainda o acordo avençado pelo Ministério Público e o INSS, homologado em acórdão proferido pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em 17-2-2021, no Recurso Extraordinário nº 1.171.152, o qual prevê prazos para análise dos procedimentos administrativos relacionados a benefícios previdenciários e assistenciais administrados pelo INSS, com a seguinte ementa:
“CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE. PRAZO DE REALIZAÇÃO DAS PERÍCIAS PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. IMPOSIÇÃO JUDICIAL DE REALIZAÇÃO EM ATÉ 45 DIAS, SOB PENA DA IMPLEMENTAÇÃO AUTOMÁTICA DA PRESTAÇÃO REQUERIDA PELO SEGURADO. LIMITES DA INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO EM POLÍTICAS PÚBLICAS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ACORDO CELEBRADO PELA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, PELA DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DA UNIÃO, PELO PROCURADOR-GERAL FEDERAL E PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. VIABILIDADE. REQUISITOS FORMAIS PRESENTES. HOMOLOGAÇÃO. PROCESSO EXTINTO. EXCLUSÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.
1. Homologação de Termo de Acordo que prevê a regularização do atendimento aos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
2. Viabilidade do acordo firmado pelo INSS e por legitimados coletivos que representam adequadamente os segurados, com o aval da Procuradoria-Geral da República.
3. Presença das formalidades extrínsecas e das cautelas necessárias para a chancela do acordo
4. Petição 99.535/2020 prejudicada. Acordo homologado. Processo extinto. Exclusão da sistemática da repercussão geral.”
(RE 1.171.152-RG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 17-2-2021)
Insta salientar que, no referido acordo, o INSS se compromete a (cláusula primeira):
“[...] concluir o processo administrativo de reconhecimento inicial de direitos previdenciários e assistenciais, operacionalizados pelo órgão, nos prazos máximos a seguir fixados, de acordo com a espécie e o grau de complexidade do beneficio:
Benefício assistencial à pessoa com deficiência 90 dias
Benefício assistencial ao idoso 90 dias
Aposentadorias, salvo por invalidez, 90 dias
Aposentadoria por invalidez comum 45 dias e acidentária (aposentadoria por incapacidade permanente)
Salário maternidade 30 dias
Pensão por morte 60 dias
Auxílio reclusão 60 dias
Auxílio doença comum e por acidente do trabalho (auxílio temporário por incapacidade) 45 dias
Auxílio acidente 60 dias.”
Os prazos estipulados são aplicáveis após 6 (seis) meses da homologação do acordo (cláusula sexta).
Assim, não havendo escusa fática para o excesso de prazo, prevalece o direito subjetivo do impetrante em ter seu procedimento administrativo analisado sob o manto da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, Constituição de 1988). Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO DE aposentadoria. OMISSÃO DA AUTORIDADE COATORA. Demora desarrazoada na tramitação do processo administrativo.
1. Mandado de segurança impetrado contra ato do chefe do INSS que deixou de dar andamento ao pedido administrativo de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição. 2. Ofensa ao princípio da eficiência e ao direito constitucional à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88).
3. Negado provimento à remessa necessária, nos termos do voto.”
(0031988-75.2018.4.02.5154 – 2ª Turma Especializada TRF 2ª Região, unânime, Rel. Desembargadora Simone Schreiber, data de disponibilização 13-03-2019)
Quanto a possibilidade de desrespeito ao princípio da isonomia, o próprio ajuizamento de ação com o objetivo de ver concretizado o direito líquido e certo ora em comento demonstra a urgência da análise do pleito do segurado. Ademais, não há que falar em eventual “elitismo” em razão da busca pela via judicial, uma vez que, ao contrário, o Poder Judiciário pode ser alcançado por quaisquer segurados, independentemente da contratação de advogados particulares, via Defensoria Pública.
Já no que se refere à insuficiência de força de trabalho na autarquia, para a execução das suas atividades administrativas, este juízo não é insensível à questão, que, diga-se de passagem, afeta todo o serviço público desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 2016. Entretanto, tal limitação não pode servir de escusa para a inviabilização do potencial direito subjetivo do cidadão de fruir, ver revisado seu benefício previdenciário ou obter documento que lhe diga respeito.
Com efeito, não se está interferindo na atividade executiva da entidade previdenciária, e sim dando aplicação ao disposto na legislação, em estrito cumprimento ao disposto no artigo 5º, XXXV da Constituição da República (“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Portanto, diante de documentação colacionada aos autos, lícito e legítimo é o provimento judicial.
Por todo exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por ANDRÉ FONTES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001112508v2 e do código CRC 4e9e53b8.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANDRÉ FONTES
Data e Hora: 24/8/2022, às 21:8:40