Agravo de Instrumento Nº 5009898-56.2020.4.02.0000/RJ
RELATOR: Desembargadora Federal LETICIA DE SANTIS MELLO
AGRAVANTE: HIPERROLL EMBALAGENS LTDA
AGRAVADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por HIPERROLL EMBALAGENS LTDA contra decisão interlocutória, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Duque de Caxias da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, nos autos da execução fiscal nº 0001322-78.2013.4.02.5118, que determinou o registro de circulação dos veículos de propriedade da Executada, localizados via Sistema RENAJUD, nos termos do art. 185-A, do CTN, com a finalidade de assegurar a realização de futura penhora.
Transcrevo trechos da decisão agravada (evento 103 do processo originário):
“Compulsando os autos, verifico a localização de veículo(s) em nome da parte Executada, por meio do sistema RENAJUD, cuja restrição realizada limita-se à “transferência” do bem móvel.
Entende este Juízo que a Execução Fiscal visa a recolocar o credor no estágio de satisfatividade que se encontrava antes do inadimplemento. Assim, se é certo que a expropriação de bens deve obedecer à forma menos gravosa ao devedor, também é correto afirmar que atuação judicial existe para satisfação da obrigação inadimplida.
De acordo com o art. 185-A, do Código Tributário Nacional, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal, bem como não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens.
Exatamente para essas situações (não localização do bem), a restrição de circulação (restrição total) de veículo automotor é o meio mais eficaz para a efetivação do pleito, tendo em vista que o efeito prático de tal determinação é o impedimento de registro da mudança da propriedade do veículo, um novo licenciamento no sistema RENAVAM e também a circulação em território nacional do bem, autorizando o recolhimento do bem a depósito.
Diante do contexto fático, é evidente a necessidade da medida não apenas de bloqueio do veículo indicado, mas como também a própria restrição da transferência e da circulação do bem a fim de que, futuramente, possa a penhora ser efetivamente realizada, considerando-se que, até a presente data, não houve regular garantia do Juízo.
[...]
Assim sendo, a fim de permitir futura efetivação da penhora, proceda-se ao registro de restrição de circulação do(s) veículo(s) rastreados no evento retro, no sistema RENAJUD.
Proceda a Secretaria à suspensão dos autos, abrindo-se vista ao Exequente, na forma do art. 40 caput e §1º, da Lei 6.830/80”. (grifos no original)
A Executada sustenta, em resumo, que (i) no caso, descabe a aplicação do art. 185-A do CTN, já que, em que pese rejeitadas, foram oferecidas à penhora duas máquinas de sua propriedade, cujo valor supera a dívida exequenda; (ii) foram bloqueados R$ 196.315,78 (cento e noventa e seis mil, trezentos e quinze reais e setenta e oito centavos) de suas contas bancárias via BACENJUD; (iii) ofereceu duas máquinas de sua propriedade para reforço da penhora, porém novamente a União Federal rejeitou os bens; (iv) na decisão agravada, o Juízo de origem determinou de ofício o registro de restrição de circulação dos veículos localizados via RENAJUD, em que pese não tenha a Exequente manifestado interesse nos bens; e (v) dois dos veículos localizados (placas HDI-3244 e HEB-3230) já não são mais de sua propriedade, pois foram arrematados por terceiro em reclamação trabalhista, conforme informado na execução fiscal de origem.
Em contrarrazões, a União Federal pugna pela manutenção da decisão agravada, por seus próprios fundamentos.
Desnecessária a intervenção do Ministério Público Federal (Enunciado 189 da Súmula do STJ).
É o relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
O art. 185-A do CTN, incluído pela LC nº 118/2005, prevê a possibilidade de determinação da indisponibilidade de bens do executado nos seguintes termos:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
Em que pese tratar-se de medida de inquestionável utilidade, a indisponibilidade de bens tem sua aplicação condicionada à observância dos seguintes pressupostos: (i) citação do devedor; (ii) inexistência de pagamento ou indicação de bens à penhora; e (iii) não localização de bens penhoráveis, após o esgotamento das diligências pela Fazenda.
Com efeito, o esgotamento das diligências para a localização de bens passíveis de penhora pelo credor é imprescindível à determinação da indisponibilidade porque é ao próprio credor que incumbe o ônus de encontrar bens do devedor, não lhe sendo possível transferir tal encargo ao Poder Judiciário.
Foi o que decidiu a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.377.507/SP, em que examinadas também quais diligências seriam razoavelmente exigíveis do credor para fins de determinação de indisponibilidade pelo Juízo.
Eis a ementa do referido julgado:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.
1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC, e levando em consideração o entendimento consolidado por esta Corte Superior de Justiça, firma-se compreensão no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.
2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185-A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições financeiras, por meio do Sistema BacenJud, disciplinada no art. 655-A do CPC.
3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis.
4. A aplicação da referida prerrogativa da Fazenda Pública pressupõe a comprovação de que, em relação ao último requisito, houve o esgotamento das diligências para localização de bens do devedor.
5. Resta saber, apenas, se as diligências realizadas pela exequente e infrutíferas para o que se destinavam podem ser consideradas suficientes a permitir que se afirme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis, e, por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.
6. O deslinde de controvérsias idênticas à dos autos exige do magistrado ponderação a respeito das diligências levadas a efeito pelo exequente, para saber se elas correspondem, razoavelmente, a todas aquelas que poderiam ser realizadas antes da constrição consistente na indisponibilidade de bens.
7. A análise razoável dos instrumentos que se encontram à disposição da Fazenda permite concluir que houve o esgotamento das diligências quando demonstradas as seguintes medidas: (i) acionamento do Bacen Jud; e (ii) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.
8. No caso concreto, o Tribunal de origem não apreciou a demanda à luz da tese repetitiva, exigindo-se, portanto, o retorno dos autos à origem para, diante dos fatos que lhe forem demonstrados, aplicar a orientação jurisprudencial que este Tribunal Superior adota neste recurso.
9. Recurso especial a que se dá provimento para anular o acórdão impugnado, no sentido de que outro seja proferido em seu lugar, observando as orientações delineadas na presente decisão.”
Assim, quanto às diligências necessárias à caracterização da efetiva busca, pela Fazenda Nacional, de bens passíveis de penhora, firmou-se o entendimento de que deve haver: (i) pedido de acionamento do BACENJUD; e (ii) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN OU DETRAN.
Registre-se, aliás, que a medida ora em foco distingue-se da penhora de ativos financeiros do executado, prevista no art. 854 do NCPC, a qual prescinde da realização de quaisquer diligências pelo credor em razão da posição de preferência de que goza o dinheiro sobre outros bens para fins de garantia da execução (STJ, Corte Especial, REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 23/11/2010, julgado sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos).
No presente caso, verifico que, de fato, a Fazenda Nacional não esgotou as possibilidades de localização de bens da Agravante, não tendo diligenciado, por exemplo, junto ao Registro de Imóveis, de modo que se revela incabível, neste momento, a decretação de indisponibilidade.
Além disso, conforme relatado, na execução fiscal de origem, a diligência de penhora online dos ativos financeiros da Executada teve resultado parcialmente positivo (evento 25), tendo sido bloqueados R$ 196.315,78 (cento e noventa e seis mil, trezentos e quinze reais e setenta e oito centavos).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, para suspender a determinação de indisponibilidade dos veículos existentes em nome de HIPERROLL EMBALAGENS LTDA.
Documento eletrônico assinado por FIRLY NASCIMENTO FILHO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000302400v2 e do código CRC 5a5912a3.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FIRLY NASCIMENTO FILHO
Data e Hora: 28/10/2020, às 16:35:0