Habeas Corpus (Turma) Nº 5003401-26.2020.4.02.0000/RJ
RELATOR: Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER
PACIENTE/IMPETRANTE: PAULO ROBERTO DUTRA SOARES
IMPETRADO: Juízo Substituto da 3ª VF de São Gonçalo
IMPETRADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Inquérito Policial 5001710-49.2020.4.02.5117/RJ (IPL: 2020.0021992-PF/NRI/RJ)
Ação Penal 5001744-24.2020.4.02.5117/RJ
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Paulo Roberto Dutra Soares (24 anos), apontando como autoridade impetrada o MM. Juízo da 3ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que manteve (i) a prisão preventiva do paciente, decretada para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal; e (ii) a autorização para acesso de dados no celular do paciente.
A impetração objetiva liminarmente a imediata soltura do paciente, com ou sem a aplicação de medidas cautelares menos gravosas. Ainda em sede liminar, busca a realização de audiência de custódia, ao menos por videoconferência.
No mérito, além da confirmação da liminar, postula a revogação da autorização para quebra do sigilo telefônico e de dados do paciente.
Para tanto, a Defensoria Pública da União sustenta que: (i) o paciente Paulo Roberto Dutra Soares foi preso em flagrante em 26.03.2020 pela suposta prática do crime previsto no art. 333 do CP (corrupção ativa) em razão de ter, supostamente, oferecido R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a policiais militares a fim de ser liberado; (ii) não haveria risco à aplicação da lei penal porque o paciente exerceria atividade laboral lícita como motorista do aplicativo Uber, teria residência fixa com sua família e estaria aguardando o nascimento de um filho, conforme documentação anexa; (iii) tanto assim que, no momento de sua prisão em flagrante, o paciente teria cooperado com a autoridade policial, deixando de oferecer resistência ou empreender fuga; (iv) não haveria elementos concretos para justificar a prisão preventiva como necessária para a garantia da ordem pública, sendo certo, ainda, que a existência de supostos outros fatos praticados no mês corrente (dias 17, 20, 23 e 25) não poderia servir como antecedentes em desfavor do paciente; (v) o delito atribuído ao paciente teria sido praticado sem violência ou grave ameaça; e (vi) a audiência de custódia não teria sido realizada, supostamente em razão de problemas operacionais, o que violaria os direitos fundamentais do paciente.
Em decisão (evento 3), deferi a liminar e determinei a substituição da prisão preventiva do paciente Paulo por prisão domiciliar, cumulada com monitoramento eletrônico.
Na ocasião, ao examinar a matéria sob a ótica da cautelaridade da segregação, ponderei haver dúvidas acerca do emprego de grave ameaça no caso concreto, o que, em conjunto com a pandemia de covid-19, recomenda a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar com monitoramento eletrônico:
"Sob outro ângulo, entendo que o risco à ordem pública e à aplicação da lei penal pode ser mitigado com a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico em tempo integral.
Com efeito, embora o crime de roubo consista na subtração de bem alheio mediante violência ou grave ameaça, entendo haver dúvidas se tais expedientes foram utilizados no caso concreto.
É importante observar que o exame que ora se faz possui como escopo unicamente amparar a avaliação desta Relatora acerca da desnecessidade da prisão preventiva de Paulo Roberto. Não se está fazendo qualquer juízo sobre a viabilidade da ação penal.
No entanto, ao examinar os depoimentos prestados pelos carteiros que reconheceram Paulo Roberto, verifico que todos narram a abordagem da mesma forma: o paciente teria anunciado o assalto e ordenado que a vítima o seguisse até determinado local para a subtração da encomendas. Não há, contudo, menção ao emprego de violência ou de grave ameaça.
Nos autos do inquérito, há cópias de vídeos de câmeras de vigilância instaladas dentro dos veículos da EBCT, que mostram os supostos episódios narrados pelos carteiros, inclusive com áudio. Em tais registros, é possível ver pessoa estranha e não uniformizada que aborda o carteiro e, em seguida, promove a subtração de encomendas. Entretanto, não é possível ver ou ouvir atos de violência ou de grave ameaça, não sendo possível identificar uso ou simulação de uso de arma de fogo.
A distinção ganha contornos mais relevantes porque, em razão da atual pandemia de Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça recomenda a máxima excepcionalidade na decretação de prisões preventivas, ainda mais quando o suposto delito tiver sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Nesse contexto, a prisão domiciliar surge como alternativa viável para impedir a reiteração da prática delitiva".
(Decisão liminar, disponível no evento 3)
Informações prestadas no evento 17.
Em parecer (evento 15), o MPF opinou pela denegação da ordem. Destaco o seguinte trecho:
"Por outro lado, com a devida vênia, a fundamentação usada pela Excelentíssima Relatora para justificar o deferimento da liminar requerida não merece prosperar.
Isso porque, segundo consignado na decisão impugnada, não haveria até o momento certeza sobre se o paciente empregou violência ou grave ameaça quando da consumação dos delitos pelo qual é acusado, o que em tese, poderia levar a possibilidade de aplicação da Recomendação nº 62/2020 do CNJ, a qual orienta a excepcionalidade da prisão para os crimes sem violência ou grave ameaça.
Ora, o paciente foi denunciado pelo crime previsto no art. 157 do CP que tem como elementar típica a violência ou grave ameaça, não sendo o habeas corpus a seara própria, sequer, para se cogitar de eventual desclassificação com o intuito de enquadrar os delitos praticados pelo réu na aludida recomendação, pois é na ação originária onde serão produzidas todas as provas, sob o crivo do contraditório e a ampla defesa, necessárias à confirmação dos fatos delituosos narrados na inicial.
Ademais, o fato dos carteiros não terem sido explícitos em seus depoimentos acerca do uso de grave ameaça perpetrada pelo paciente, não significa que ela não tenha ocorrido, uma vez que nenhum funcionário da EBCT iria voluntariamente entregar as mercadorias para o acusado se não estivesse, pelo menos, se sentido gravemente ameaçado.
Ora, quem não temeria por sua própria vida com alguém gritando em sua direção para anunciar um assalto? Sobretudo quando se mora na cidade do Rio de Janeiro e ganha sua vida por meio de um trabalho que é frequentemente alvo de assaltantes.
Ademais, encontra-se pacificado na jurisprudência pátria que a grave ameaça, como elementar típica do art. 157 do Código Penal, não precisa ser explícita, sendo suficiente para caracterizar a figura típica a ameaça que, embora realizada de maneira velada, causa temor na vítima.
Não por outra razão, que as duas Turmas Criminais do Colendo Superior Tribunal de Justiça assentaram que:
[...]
Logo, esse argumento não serve para afastar a necessidade de prisão preventiva do paciente, uma vez que, além da grave ameaça ser ínsita ao crime de roubo e poder ser praticada de forma velada, o que afasta a incidência da Recomendação nº 062/2020 do CNJ, restou demonstrada também a necessidade da segregação cautelar, pela garantia da ordem pública, como forma de impedir a reiteração delitiva.
Por outro lado, é sabido também que eventuais condições favoráveis ao paciente, caso existissem (o que não restou demonstrado), por si sós não autorizariam a liberdade provisória quando existem nos autos elementos concretos que fundamentam a manutenção do encarceramento, como, inclusive, já assentado por essa Corte Regional, verbis:
[...]
Diante desse quadro, imperioso concluir também que nenhuma das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP surtirão efeito na hipótese, tendo em vista que a necessidade da prisão preventiva restou fundamentada na presença concreta de indícios de autoria e materialidade de ilícitos praticados pelo paciente, de maneira reiterada, em total afronta à ordem pública.
Ademais, segundo os elementos colhidos na investigação, o paciente não praticou o referido delito sozinho, motivo pelo qual, eventual soltura, fará com que ele, mesmo em prisão domiciliar, continue concorrendo na prática do referido crime, ainda que prestando auxílio de ordem material ou intelectual a terceiros".
(Parecer ministerial, disponível no evento 15).
É o relatório.