Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Habeas Corpus (Turma) Nº 5003401-26.2020.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER

PACIENTE/IMPETRANTE: PAULO ROBERTO DUTRA SOARES

IMPETRADO: Juízo Substituto da 3ª VF de São Gonçalo

IMPETRADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Inquérito Policial 5001710-49.2020.4.02.5117/RJ  (IPL: 2020.0021992-PF/NRI/RJ)

Ação Penal 5001744-24.2020.4.02.5117/RJ

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Paulo Roberto Dutra Soares (24 anos), apontando como autoridade impetrada o MM. Juízo da 3ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que manteve (i) a prisão preventiva do paciente, decretada para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal; e (ii) a autorização para acesso de dados no celular do paciente.

A impetração objetiva liminarmente a imediata soltura do paciente, com ou sem a aplicação de medidas cautelares menos gravosas. Ainda em sede liminar, busca a realização de audiência de custódia, ao menos por videoconferência.

No mérito, além da confirmação da liminar, postula a revogação da autorização para quebra do sigilo telefônico e de dados do paciente.

Para tanto, a Defensoria Pública da União sustenta que: (i) o paciente Paulo Roberto Dutra Soares foi preso em flagrante em 26.03.2020 pela suposta prática do crime previsto no art. 333 do CP (corrupção ativa) em razão de ter, supostamente, oferecido R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a policiais militares a fim de ser liberado; (ii) não haveria risco à aplicação da lei penal porque o paciente exerceria atividade laboral lícita como motorista do aplicativo Uber, teria residência fixa com sua família e estaria aguardando o nascimento de um filho, conforme documentação anexa; (iii) tanto assim que, no momento de sua prisão em flagrante, o paciente teria cooperado com a autoridade policial, deixando de oferecer resistência ou empreender fuga; (iv) não haveria elementos concretos para justificar a prisão preventiva como necessária para a garantia da ordem pública, sendo certo, ainda, que a existência de supostos outros fatos praticados no mês corrente (dias 17, 20, 23 e 25) não poderia servir como antecedentes em desfavor do paciente; (v) o delito atribuído ao paciente teria sido praticado sem violência ou grave ameaça; e (vi) a audiência de custódia não teria sido realizada, supostamente em razão de problemas operacionais, o que violaria os direitos fundamentais do paciente.

Em decisão (evento 3), deferi a liminar e determinei a substituição da prisão preventiva do paciente Paulo por prisão domiciliar, cumulada com monitoramento eletrônico. 

Na ocasião, ao examinar a matéria sob a ótica da cautelaridade da segregação, ponderei haver dúvidas acerca do emprego de grave ameaça no caso concreto, o que, em conjunto com a pandemia de covid-19, recomenda a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar com monitoramento eletrônico:

"Sob outro ângulo, entendo que o risco à ordem pública e à aplicação da lei penal pode ser mitigado com a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico em tempo integral.

Com efeito, embora o crime de roubo consista na subtração de bem alheio mediante violência ou grave ameaça, entendo haver dúvidas se tais expedientes foram utilizados no caso concreto.

É importante observar que o exame que ora se faz possui como escopo unicamente amparar a avaliação desta Relatora acerca da desnecessidade da prisão preventiva de Paulo Roberto. Não se está fazendo qualquer juízo sobre a viabilidade da ação penal.

No entanto, ao examinar os depoimentos prestados pelos carteiros que reconheceram Paulo Roberto, verifico que todos narram a abordagem da mesma forma: o paciente teria anunciado o assalto e ordenado que a vítima o seguisse até determinado local para a subtração da encomendas. Não há, contudo, menção ao emprego de violência ou de grave ameaça.  

Nos autos do inquérito, há cópias de vídeos de câmeras de vigilância instaladas dentro dos veículos da EBCT, que mostram os supostos episódios narrados pelos carteiros, inclusive com áudio. Em tais registros, é possível ver pessoa estranha e não uniformizada que aborda o carteiro e, em seguida, promove a subtração de encomendas. Entretanto, não é possível ver ou ouvir atos de violência ou de grave ameaça, não sendo possível identificar uso ou simulação de uso de arma de fogo. 

A distinção ganha contornos mais relevantes porque, em razão da atual pandemia de Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça recomenda a máxima excepcionalidade na decretação de prisões preventivas, ainda mais quando o suposto delito tiver sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa.

Nesse contexto, a prisão domiciliar surge como alternativa viável para impedir a reiteração da prática delitiva". 

(Decisão liminar, disponível no evento 3)

Informações prestadas no evento 17.

Em parecer (evento 15), o MPF opinou pela denegação da ordem. Destaco o seguinte trecho:

"Por outro lado, com a devida vênia, a fundamentação usada pela Excelentíssima Relatora para justificar o deferimento da liminar requerida não merece prosperar. 

Isso porque, segundo consignado na decisão impugnada, não haveria até o momento certeza sobre se o paciente empregou violência ou grave ameaça quando da consumação dos delitos pelo qual é acusado, o que em tese, poderia levar a possibilidade de aplicação da Recomendação nº 62/2020 do CNJ, a qual orienta a excepcionalidade da prisão para os crimes sem violência ou grave ameaça. 

Ora, o paciente foi denunciado pelo crime previsto no art. 157 do CP que tem como elementar típica a violência ou grave ameaça, não sendo o habeas corpus a seara própria, sequer, para se cogitar de eventual desclassificação com o intuito de enquadrar os delitos praticados pelo réu na aludida recomendação, pois é na ação originária onde serão produzidas todas as provas, sob o crivo do contraditório e a ampla defesa, necessárias à confirmação dos fatos delituosos narrados na inicial. 

Ademais, o fato dos carteiros não terem sido explícitos em seus depoimentos acerca do uso de grave ameaça perpetrada pelo paciente, não significa que ela não tenha ocorrido, uma vez que nenhum funcionário da EBCT iria voluntariamente entregar as mercadorias para o acusado se não estivesse, pelo menos, se sentido gravemente ameaçado.

Ora, quem não temeria por sua própria vida com alguém gritando em sua direção para anunciar um assalto? Sobretudo quando se mora na cidade do Rio de Janeiro e ganha sua vida por meio de um trabalho que é frequentemente alvo de assaltantes. 

Ademais, encontra-se pacificado na jurisprudência pátria que a grave ameaça, como elementar típica do art. 157 do Código Penal, não precisa ser explícita, sendo suficiente para caracterizar a figura típica a ameaça que, embora realizada de maneira velada, causa temor na vítima. 

Não por outra razão, que as duas Turmas Criminais do Colendo Superior Tribunal de Justiça assentaram que:

[...]

Logo, esse argumento não serve para afastar a necessidade de prisão preventiva do paciente, uma vez que, além da grave ameaça ser ínsita ao crime de roubo e poder ser praticada de forma velada, o que afasta a incidência da Recomendação nº 062/2020 do CNJ, restou demonstrada também a necessidade da segregação cautelar, pela garantia da ordem pública, como forma de impedir a reiteração delitiva. 

Por outro lado, é sabido também que eventuais condições favoráveis ao paciente, caso existissem (o que não restou demonstrado), por si sós não autorizariam a liberdade provisória quando existem nos autos elementos concretos que fundamentam a manutenção do encarceramento, como, inclusive, já assentado por essa Corte Regional, verbis:

[...]

Diante desse quadro, imperioso concluir também que nenhuma das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP surtirão efeito na hipótese, tendo em vista que a necessidade da prisão preventiva restou fundamentada na presença concreta de indícios de autoria e materialidade de ilícitos praticados pelo paciente, de maneira reiterada, em total afronta à ordem pública. 

Ademais, segundo os elementos colhidos na investigação, o paciente não praticou o referido delito sozinho, motivo pelo qual, eventual soltura, fará com que ele, mesmo em prisão domiciliar, continue concorrendo na prática do referido crime, ainda que prestando auxílio de ordem material ou intelectual a terceiros".

(Parecer ministerial, disponível no evento 15).

É o relatório.

 


 

Processo n. 5003401-26.2020.4.02.0000
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Habeas Corpus (Turma) Nº 5003401-26.2020.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER

PACIENTE/IMPETRANTE: PAULO ROBERTO DUTRA SOARES

IMPETRADO: Juízo Substituto da 3ª VF de São Gonçalo

IMPETRADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

VOTO DIVERGENTE

(Desembargador Federal MARCELLO GRANADO) Conforme relatado, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de PAULO ROBERTO DUTRA SOARES (24 anos), apontando como autoridade impetrada o MM. Juízo da 3ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que manteve (i) a prisão preventiva do paciente, decretada para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal; e (ii) a autorização para acesso de dados no celular do paciente.

A Relatora votou no sentido de conceder parcialmente a ordem de habeas corpus para, confirmando a liminar, substituir a prisão preventiva do paciente, decretada nos autos do IPL 5001710-49.2020.4.02.5117/RJ (2020.0021992-PF/NRI/RJ), posterior ação penal 5001744-24.2020.4.02.5117/RJ, por prisão domiciliar, cumulada com monitoramento eletrônico, porém, mantendo a possibilidade de manejo dos dados encontrados no celular do paciente.

Com o devido respeito, divirjo da concessão de prisão domicilar em favor do paciente..

Isso porque, a própria Relatora, expressamente em seu voto, além de não ter vislumbrado ilegalidade decorrente da não realização de audiência de custódia, reconheceu que a liberdade do paciente configura risco à ordem pública e à aplicação da lei penal, muito embora o tenha mitigado com a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico em tempo integral, considerando "alternativa viável para impedir a reiteração da prática delitiva", por conta  do contexto atual de pandemia de COVID-19 e da Recomendação nº 62 do CNJ.

Ora, como se viu, não há constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente ou qualquer outro motivo apto a justificar a revogação de sua prisão processual.

As teses que aventam a nulidade da prisão preventiva do paciente, em razão da não realização da audiência de custódia, a desnecessidade da prisão processual e a impossibilidade de acesso aos dados do celular apreendido do custodiado restaram, devida e com precisão jurídica, rechaçadas exaustivamente na decisão impetrada, como se vê das muito bem lançadas e fundamentadas razões expendidas pelo Juiz Federal Substituto Carlos Adriano Miranda Bandeira (evento 74 dos autos originários).

Longe de incorrer em teratologia, descompasso com a CRFB/1988, manifesta ilegalidade ou abuso de poder, evidentemente também não ofende precedente ou entendimento pacificado pelos membros desta Corte ou de Tribunais Superiores.

Também não identifico manifesto constrangimento ilegal à  liberdade de locomoção do paciente apto a justificar a substituição de sua prisão preventiva por domiciliar ou a adoção de outra medida cautelar.

A despeito do teor da Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, sugerindo a reavaliação prioritária de prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, como medida preventiva à propagação da infecção pelo novo coronavírus, não resta afastada a eficácia das normas processuais penais que regem a prisão preventiva.

O acolhimento sistemático da tese ventilada contribuiria para difundir uma interpretação totalmente equivocada de uma recomendação – que obviamente não se reveste de caráter obrigatório - a ponto de gerar uma proibição genérica ao encarceramento cautelar. A lógica não se sustentaria apenas com relação ao COVID-19. Há várias outras doenças infectocontagiosas que há décadas afetam a população brasileira e mundial com letalidade ainda maior.

Não há notícia ou qualquer prova de que o Estado Rio de Janeiro não esteja adotando medidas de prevenção minimamente razoáveis no sistema penitenciário, como a restrição de visitas, seguindo orientações de especialistas da área de saúde.

Ao contrário, o protagonismo do Estado do Rio de Janeiro no combate à pandemia, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, através da adoção de medidas duras de isolamento social é notório e também já alcançou a população carcerária, além de funcionários, colaboradores e terceirizados atuantes no sistema prisional fluminense.

Nesse sentido, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro editou a Resolução Conjunta SES/SEAP nº 736, de 16 de março de 2020 pela qual foram instituídas medidas preventivas para o Sistema Prisional:

 

Art. 1º - Recomendar medidas preventivas e de controle de infecções pelo novo coronavírus (COVID-19) a serem adotadas nas Unidades Prisionais do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 2º - Instituir as medidas preventivas para o Sistema Prisional.

(...). 

Art. 3° - Na identificação de funcionários, colaboradores ou terceirizados com suspeita de infecção na Unidade Prisional, estes deverão ser afastados de suas atividades e encaminhados à Unidade Básica de Saúde de referência do município, que procederá os encaminhamentos necessários ao caso, conforme disposto no art. 5º da Lei Nacional nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.

Art. 4º - Na ocorrência de funcionários com diagnóstico de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19) confirmado, afastar o funcionário pelo prazo determinado, por recomendação médica, obedecendo às normas específicas vigentes.

Art. 5º - No manejo dos internos do Sistema Prisional com suspeita de infecção:

§1º - Encaminhá-los imediatamente ao atendimento médico na presença dos seguintes sintomas: Febre (>37,8ºC), Tosse, Dispneia, Mialgia e fadiga, outros Sintomas respiratórios superiores e Sintomas gastrointestinais, como diarreia (mais raros). Na ausência de um médico na unidade prisional, encaminhar para o Pronto Socorro Geral Dr. Hamilton Agostinho Vieira Castro os internos acautelados no Complexo Penitenciário de Gericinó. Internos acautelados nas demais unidades do Estado deverão ser encaminhados para as unidades de saúde de referência dos municípios.

(...)

§4º - Seguir as recomendações de uso de máscara cirúrgica e as medidas padrão de controle.

§5º - Isolar o interno até elucidação diagnóstica em ambiente adequado na Unidade Prisional.

§6º - Restringir a permanência nos ambientes de atividades coletivas (refeitórios, salas de jogos, sala de aula, atividades grupais etc.) até elucidação diagnóstica;

§7º - Reforçar a utilização de pratos e copos individuais;

(...).

Art. 6º - No manejo de internos com diagnóstico de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19), em caso confirmado.

§ 1° - Restringir a permanência nos ambientes de atividades coletivas (refeitórios, salas de jogos, atividades grupais etc.).

§ 2° - Quando em ambientes de circulação e em transporte, o agente penitenciário envolvido deverá utilizar máscara cirúrgica (que deverá ser trocada a cada quatro horas), luvas (em caso de necessidade contato) durante todo o deslocamento até chegar à unidade de referência. Durante a assistência direta ao interno utilizar óculos, máscara, gorro e avental descartável. Colocá-los imediatamente antes do contato com o interno ou com as superfícies e retirá-los logo após o uso, higienizando as mãos em seguida.

§ 3º - Equipamentos como termômetro, esfigmomanômetro e estetoscópio preferencialmente, devem ser de uso exclusivo do interno. Caso não seja possível, promover a higienização dos mesmos com álcool a 70% ou outro desinfetante indicado para este fim imediatamente após o uso.

§ 4º - Manter a alimentação balanceada e boa oferta de líquidos;

§ 5° - Reforçar os procedimentos de higiene e desinfecção de utensílios do interno, equipamentos médicos e ambientes de convivência.

§ 6° - Reforçar a utilização de pratos e copos individuais.

§ 7° - Manter o interno em isolamento. Os internos que apresentarem comorbidades que contraindiquem o isolamento no Pronto Socorro Geral Dr. Hamilton Agostinho Vieira de Castro, serão encaminhados pela regulação aos hospitais de referência do Plano de Resposta de Emergência ao Coronavírus do Estado do Rio de Janeiro, nas seguintes situações: I - Doenças cardíacas crônicas; II - Doenças respiratórias crônicas; III - Doenças renais crônicas; IV - Imunossuprimidos; V - Diabetes; VI - Transplantados; VII - Gestantes Sintomáticas.

Art. 7º Quando em ambientes de circulação e em transporte, o privado de liberdade deverá utilizar máscara cirúrgica (que deverá ser trocada a cada quatro horas) durante todo o deslocamento até chegar à unidade de maior complexidade de referência.

(...).

Art. 8º - No acesso de visitantes:

§ 1° - Suspender o acesso de visitantes por quinze dias, podendo ser revogado ou ampliado prorrogado conforme atualização do cenário epidemiológico da evolução da doença.

§ 2°- No período de suspensão de visitas, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - SEAP procederá com o recebimento de alimentos e materiais de higiene, trazidos pelos familiares que serão devidamente entregues aos respectivos internos.

(grifos apostos)

 

 Em acréscimo preventivo, o Decreto nº 47.006, de 27 de março de 2020, do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (COVID-19) em decorrência da situação de emergência em saúde, assevera o seguinte:

 

 Art. 4º - De forma excepcional, com o único objetivo de resguardar o interesse da coletividade na prevenção do contágio e no combate da propagação do Coronavírus (COVID-19), diante de mortes já confirmadas e o aumento de pessoas contaminadas, DETERMINO A SUSPENSÃO, pelo período de 15 dias, das seguintes atividades:

(...);

III - visitação às unidades prisionais, inclusive aquelas de natureza íntima. A visita de advogados nos presídios do Estado do Rio de Janeiro deverá ser ajustada pelo Secretário de Estado de Administração para possibilitar o atendimento das medidas do presente Decreto;

 

Mesmo ponderando o atual contexto da pandemia de COVID-19, não havendo prova de risco concreto ou absoluta ineficácia das medidas preventivas mencionadas, impõe-se a manutenção da sua prisão preventiva do paciente, neste momento processual. Dizer o contrário em uma decisão judicial, seria simplesmente presumir que os atos administrativos emanados do Governo do Estado do Paraná/Rio de Janeiro seriam ineficazes e insuficientes. Seria reconhecer incidentalmente e sem nenhuma prova, a ineficiência da administração púbica estadual, o que, evidentemente não é possível.

O paciente não é idoso e não integra grupo de risco para o contágio de COVID-19. Também não apresenta histórico de que sofre de hipertensão ou que já tenha contraído, no local onde se encontra custodiado, enfermidades bacterianas e parasitárias (tuberculose, meningite, AIDS).

O pedido desconsidera a especificidade das condições de encarceramento aos quais se encontra submetido o paciente e a impetrante não demonstra que as medidas preventivas determinadas pelo Estado Rio de Janeiro não estão sendo adotadas ou que o custodiado estaria submetido a deficiente condição sanitária, ou perigo concreto de incidência do vírus. Repito: Não há nenhuma prova concreta de risco.

A aglomeração de pessoas é argumento comum aos pedidos de liberdade/conversão de prisão, mas igualmente é absolutamente improcedente.

Valho-me, neste ponto, dos precisos fundamentos do meu colega de toga e Tribunal, eminente Desembargador Federal Abel Gomes, expostos por ocasião do indeferimento da liminar, em 02/04/2020, no habeas corpus coletivo nº 5003060-97.2020.4.02.0000/RJ, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de “todas as pessoas presas ou que vierem a ser presas” e “que estejam no grupo de risco da pandemia de coronavírus (COVID-19)” nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo:

 

 Quanto à questão das aglomerações, de fato as autoridades de saúde vêm dizendo que elas devem ser evitadas, e por essa razão uma série de estabelecimentos que aglomeram pessoas foram instados a deixarem de funcionar. Isto é outra afirmação comum entre as autoridades e um fato público e notório no que concerne aos seus fechamentos temporários.

Mas também é certo que as pessoas devem se manter recolhidas aos seus lares ou circulando o menos possível para afazeres imprescindíveis de seu dia a dia  e  para trabalhos considerados essenciais, sendo certo que, muitas destas, prosseguem em lugares por vezes fechados, com relativa circulação de pessoas, tendo que lidar com tal situação.

É o caso de milhares de trabalhadores que estão em liberdade porque sempre observaram os comandos legais, e estão por aí a trabalhar honestamente em supermercados, restaurantes, farmácias, vacinando pessoas, policiando as ruas, atuando no combate ao coronavírus (médicos e todos os agentes de saúde) etc.

Trata-se de situações sociais que colocam tais pessoas inexoravelmente nessas condições. Situações de trabalho, de desempenho da profissão e, no caso dos presos, situações decorrentes do infortúnio de terem se valido mal da liberdade de escolherem entre cumprir ou negar o comando da lei penal, o que as levou a estarem onde estão: presas. Isto é a sociedade constituída conforme as leis de um pacto social!

 

Não estou aqui a negar a possibilidade de revogação de prisão cautelar por motivo excepcional de saúde do preso. Eu mesmo, por várias vezes, já deferi monocraticamente liminares nesse sentido, porém sempre considerando a realidade fática do preso, o que demanda um mínimo de prova préconstituída de sua atual condição de grave vulnerabilidade ou de risco de morte e a impossibilidade de atendimento ou internação em hospital de tratamento e custódia, o que ora não se verifica.

Ademais, nos termos das recentes medidas adotadas pela SES/SEAP, se for o caso, o paciente, eventualmente, poderá vir a ser isolado e seguir as orientações para evitar a disseminação do coronavírus, além de receber imediato tratamento caso apresente sintomas da doença.

O pedido, como dito, é fundado genericamente no medo da realidade do sistema prisional nacional - circunstância, de fato, notória há longa data, mas que, aparentemente, não foi suficiente para que o paciente fosse dissuadido por receio que o impedisse de - segundo indícios originários-, em tese, praticar crime de corrupção ativa, em razão de ter, supostamente, oferecido R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a policiais militares a fim de ser liberado.

De fato, a sua prisão em flagrante do paciente ocorreu em  26/03/2020, ou seja, em plena vigência ostensiva e notória das determinações sanitárias de isolamento social, demonstrando que não estava preocupado com a pandemia, que ora pretende usar, casuísticamente, a seu favor.

Reitero, entretanto, os destaques à Resolução Conjunta SES/SEAP nº 736/2020 e ao Decreto nº 47.006/2020 do Estado do Rio de Janeiro acima reproduzidos, no que diz respeito às medidas de atenção e cuidado no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.

Aliás, o Relatório das Ações tomadas pela SEAP na prevenção e combate ao COVID-19, atualizado em 03/04/2020, enumera exaustivamente todas as decisões e providências dirigidas ao sistema penitenciário do Estado, como a liberação de presos de regime aberto e presos semiabertos com benefício de trabalho extramuros determinada pela VEP, levantamento de necessidades e recebimentos de materiais e insumos para prevenir a contaminação entre servidores e detentos, isolamento de internos, monitoramento e transferência de idosos, entre muitas outras medidas.

Direito é sistema e ciência da realidade. A aplicação do Direito, especialmente nas circunstâncias em que o mundo inteiro excepcionalmente hoje se encontra, pressupõe a identificação concreta e real dos fatos da vida. É dizer que a decisão judicial não pode (não deve) ser a refutação sofística, o silogismo aparente1, o silogismo sofístico, como meio de defender algo falso e confundir o destinatário.

Neste sentido, ao decidir liminarmente mais um dos inúmeros pedidos de substituição de prisões preventivas (e decorrentes de sentença penal condenatórias) em prisão domiciliar, com fundamento em suposto risco de contaminação por COVID-19, é elogiável o perspicaz e realista entendimento do Desembargador Alberto Anderson Filho, da 7ª Câmara de Direito Criminal do  TJSP (HC nº2061058-72.2020.8.26.0000), ao enfrentar a realidade como ela, de fato, se apresenta no âmbito mundial e demonstrar, com poucas, mas precisas e ponderadas palavras, que exceto os 3 (três) ocupantes da Estação Espacial Internacional (ISS -International Space Station) que orbita a Terra a cerca de 400 Km de altitude e que para lá foram antes da primeira notícia de contaminação humana por COVID-19, todos os demais seres humanos estão em risco efetivo de contaminação, estejam onde estiverem no planeta.

E há quem esteja ainda mais em risco, como lembrou em sua decisão o eminente Desembargador. Não nos esqueçamos dos corajosos profissionais da saúde (médicos e enfermeiros, inclusive inúmeros voluntários) que "para o bem de inúmeras outras, ficam expostas a evidente e sério risco e mesmo com equipamentos de proteção (roupas, luvas, máscaras, etc), rígidas regras de higiene e etc, são infectadas pelo COVID 19."

A propósito, já que me referi aos profissionais da saúde na linha de abordagem da questão sob o fundamento - também precisamente técnico - da questão do risco, é imprescindível trazer parecer técnico de quem está legitimado pela ciência para dizer dos riscos de contaminação.

Consultado pelo Ministério Público Estadual a respeito das normas editadas pelo Estado do Rio Grande do Sul para confrontar a pandemia de COVID-19, semelhantes àquelas emanadas do DEPEN-PR OU SES/SEAP, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) emitiu, em 27/03/2020, parecer técnico  do Grupo de Trabalho COVID-19, sobre Medidas de Enfrentamento do COVID-19 no âmbito do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Sul, onde literalmente conclui que:

 

"(...) a manutenção dos custodiados em ambiente prisional, principalmente daqueles que pertencem ao grupo de risco, é a medida que se apresenta mais segura no atual contexto."

 

Eis a íntegra do referido parecer técnico:

 

As normas encaminhadas pelo consulente dispõem sobre as medidas de enfrentamento ao COVID-19, destacando-se o disposto no artigo 2º da Portaria Interministerial nº 07 de 18/03/2020, que determina:

Art. 2º - A Administração Penitenciária deverá identificar os custodiados que apresentem sinais e sintomas gripais, inclusive por meio do incentivo à informação voluntária dos próprios custodiados. (...)

§ 1º - Os profissionais de saúde que atuam nos estabelecimentos prisionais deverão adotar procedimentos para averiguação e identificação de casos suspeitos, inclusive por meio de questionamentos sobre os sinais e sintomas gripais, independentemente do motivo inicial do atendimento.

§ 3º - Os profissionais de saúde que atuam nos estabelecimentos prisionais deverão priorizar a identificação e o monitoramento da saúde de custodiados nos seguintes grupos de risco:

I - pessoas acima de 60 (sessenta) anos;

II - pessoas com doenças crônicas ou respiratórias, como pneumopatia, tuberculose, cardiovasculopatia, nefropatia, hepatopatia, doença hematológica, distúrbio metabólico (incluindo diabetes mellitus), transtorno neurológico que possa afetar a função respiratória, imunossupressão associada a medicamentos, como neoplasia, HIV/aids e outros;

III - pessoas com obesidade (especialmente com IMC igual ou superior a 40);

IV - grávidas em qualquer idade gestacional; e

V - puérperas até duas semanas após o parto.

§ 4º - Além dos casos previstos no § 3º, os profissionais de saúde deverão priorizar a identificação e o monitoramento de crianças que estejam abrigadas em estabelecimentos prisionais.

Da mesma forma, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a partir da leitura da Nota Técnica nº 02/2020, identifica-se que estão sendo executadas as medidas preconizadas pelo Ministério da Justiça, as quais foram embasadas nas orientações do Ministério da Saúde, conforme item 06 (Procedimentos a serem adotados pelo TSPs).

Com a identificação e monitoramento, seguidos do isolamento dos casos identificados (conforme art. 3º da Portaria Interministerial nº 07 de 18/03/2020 e item 2 da Nota Técnica nº 02/2020), priorizando-se os custodiados pertencentes aos grupos de risco; o perigo de contágio entre os custodiados, inclusive, é significativamente menor do que o da população em geral.

Ademais a manutenção dos custodiados em ambiente prisional, principalmente daqueles que pertencem ao grupo de risco, é a medida que se apresenta mais segura no atual contexto, no qual a assistência médica pública e privada está restrita aos atendimentos de urgência, impossibilitando o atendimento ambulatorial dos custodiados junto às Unidades Básicas de Saúde e Hospitais Públicos. Além disso, o deslocamento em via pública de idosos em vários Municípios do Rio Grande do Sul, destacando-se o Município de Porto Alegre, também está sendo restringido, o que dificultaria, inclusive, a própria subsistência desses custodiados, situação que deprime o sistema imunológico de qualquer ser humano.

Sendo assim, este Grupo de Trabalho entende que as medidas preconizadas pela Portaria Interministerial nº 07 de 18/03/2020 e Nota Técnica nº 02/2020 estão de acordo com as orientações do Ministério da Saúde e se mostram suficientes a resguardar os custodiados (provisórios e definitivos) que se encontram no grupo de risco.

Este Grupo de Trabalho, também, recomenda que durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública, os custodiados, principalmente aqueles pertencentes ao grupo de risco, mantenham-se recolhidos no Sistema Prisional, ambiente no qual sua condição de saúde é constantemente monitorada.

 

No mesmo sentido é o Parecer nº 9 do CRM do Distrito Federal, de 7 de abril de 2020:

 

...há que se considerar que os Estados intensificaram e fortaleceram o atendimento médico aos detento [sic] e outras medidas administrativas como: a separação dos que entram no sistema, dos que lá estão; atendimento prioritário na rede de saúde; isolamento  dos  detentos  idosos  dos  demais; proibição de visitas externas; disponibilização de contato telefônico com familiares; organização de banho de sol sem aglomeração; entre outras.

Ressalte-se que a rotina dos custodiados dentro do sistema, tem a garantia do fornecimento dos produtos de higiene, alimentação, medicação em uso regular e controle de fluxos e limpeza, o que é indispensável ao enfrentamento da transmissão do novo Coronavírus. Realidade essa diversa do que as comunidades estão vivenciando com verdadeira carência de produtos de limpeza e alimentação em virtude da impossibilidade de trabalhar e prover o sustento diário devido ao isolamento social, a proibição das atividades informais e o fechamento dos estabelecimentos comerciais. São reais a necessidade básica e a preocupação das autoridades sanitárias em relação a essa população carente. Aqueles custodiados que tem condição financeira favorável, não devem sair do isolamento e serem expostos ao risco de transmissão do vírus, que é ainda maior fora do sistema prisional, pelos motivos elencados alhures. Fato é que os custodiados estão em situação de isolamento, condição recomendada pela Organização Mundial de Saúde; sob a tutela e proteção do Estado que lhes garante insumos para prevenção de contágio pelo novo Coronavírus e assistência à saúde prioritária e, não devem ser expostos à condição de escassez de recursos e ao convívio com pessoas contaminadas e/ou doentes. Sem dúvida, o confinamento prisional é a medida profilática mais adequada à saúde dos presos...

CONCLUSÃO

Os custodiados estão em situação de isolamento, condição recomendada pela Organização Mundial de Saúde; sob a tutela e proteção do Estado que lhes garante insumos para prevenção de contágio pelo novo Coronavírus e assistência à saúde prioritária, sendo o confinamento prisional a medida profilática mais adequada à saúde dos presos.

 

Nesse contexto, não há prova concreta de que dentro do sistema penitenciário o paciente esteja sujeito a maior risco de contaminação por COVID-19, ou por qualquer outro mal, do que está o resto da sociedade de bem, que se encontra, por isso, fora dos muros.

Muito ao contrário, a recomendação dos médicos, portanto os especialistas, é no sentido claro e expresso de que "durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública, os custodiados, principalmente aqueles pertencentes ao grupo de risco, mantenham-se recolhidos no Sistema Prisional, ambiente no qual sua condição de saúde é constantemente monitorada."

O isolamento dos internos em relação ao mundo extramuros, portanto, é situação que os coloca até mesmo em situação melhor do que o resto da sociedade.

E ainda que fosse o caso, antes de deferir liberdade contra a lei e com fundamento suposto (mas não comprovado em concreto), haveria de se determinar isolamento interno (o que, por ora, também não encontra fundamento concreto em algum elemento de prova).

Conforme afirmado pelo Ministro da Justiça Sergio Moro, em entrevista à rede CNN Brasil, "não se deve antecipar o caos para afastar uma prisão que se impõe". E acrescento que tal se alça correto, seja quando tratamos de criminalidade que pratica violência concreta e explícita, seja da criminalidade de colarinho branco ou de outros crimes "aparentemente" expressamente não violentos, mas que, em verdade, trazem em si uma carga implícita e verdadeiramente pandêmica de violência à sociedade.

Finalmente, impõe-se conferir destaque ao texto de lavra do Ministro Luiz Fux, publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 10/04/2020, sob o título "Coronavírus não é habeas corpus". Para o Vice-Presidente do STJ, "Dose de recomendações humanitárias não pode ser remédio que mate a sociedade e seus valores". Eis a íntegra do artigo, in verbis:

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), capitaneado pelo zeloso presidente Dias Toffoli, editou a Recomendação 62/2020, indicando a juízes e tribunais a adoção de medidas preventivas contra a propagação do coronavírus no sistema de Justiça Penal e socioeducativo. A recomendação foca na redução do ingresso de custodiados, em cuidados adicionais para as audiências, incluindo a suspensão das audiências de custódia, e na ação conjunta entre os Poderes para a elaboração de planos de contingência, inclusive em relação às visitas.

Os fundamentos do CNJ são acertadamente calcados em razões humanitárias. O Estado, posto garantidor da saúde e da integridade física e mental do preso, deve atuar ex ante, evitando uma catástrofe num cenários de aglomeração carcerária e de alta transmissibilidade viral.

No entanto, a prevenção humanitária engendrada pelo CNJ não pode ser interpretada como uma concessão automática e geral de habeas corpus. Trata-se de recomendação, não de uma determinação do CNJ, cabendo aos juízes e tribunais a ponderação, caso a caso, entre os valores saúde e segurança pública.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), dias após o ato do CNJ, deixou de deferir pedido cautelar que requeria a liberação de custodiados por crimes não cometidos com violências ou grave ameaça. Neste ponto, forçoso é dizer que a elite delinquente não gosta de sujar o colarinho e normalmente não comete crimes de sangue. De qualquer modo, nesse julgamento, a preocupação do Supremo Tribunal destinou-se à segurana da sociedade. Durante os debates restou claríssimo que não poderiam ser favorecidos presos por crimes hediondos e equiparados, crimes contra a administração pública, como corrupção e peculato, crimes de organização criminosa e de tráfico de drogas, além de outros delitos de maior potencial ofensivo, ressalvados os casos de doenças já detectadas e não passíveis de tratamento no ambiente carcerário.

Diante de vírus com transmissão massiva, a regra é a liberação dos presos do regime semiaberto, com as cautelas de estilo. No entanto, por sí só o regime da pena não é suficiente para a liberação do preso. Afinal, a liberdade do custodiado não pode custar mais à sociedade do que a sua manutenção no cárcere. Essa também tem sido a preocupação de países que adotaram recomendações humanitárias semelhantes, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Polônia e a Itália.

É  dizer: sob pena de instituir uma política criminal perversa e de danos irreversíveis, a aplicação da Recomendaão nº 62/2020 não pode levar à liberação geral e sem critérios dos custodiados. Os bons propósitos da recomendação prevalecem se conjugados com critérios rigorosos para a liberação excepcional do preso.

Destaco pelo menos três critérios: 1)obediência à legislação penal e processual penal, que se sobrepõem à recomendação do CNJ; 2) análise das consequências da eventual liberação do preso ante a gravidade do crime praticado e a possibilidade concreta de, fora do sistema, aquele indivíduo violar as recomendações de isolamento social ou, ainda, cometer novos crimes;3) análise da possibilidade de isolamento de presos acometidos da covid-19 em área separada do próprio sistema prisional ou de encaminhamento pata [sic] a rede de saúde pública ou particular.

Quanto a este último ponto, ressalto que ainda não há casos de contaminação nos presídios, fator que decerto demandaria providências excepcionais, mas localizadas, dos poderes públicos. Preventivamente, outras medidas também devem ser adotadas, como a testagem dos presos, especialmente aqueles que ingressarem no ambiente carcerário durante a pandemia.

Alias, a alta comissária para os direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, orientou os países a "examinarem maneiras de libertar aqueles que particularmente vulneráveis à covid-19, entre os detidos mais velhos e doentes, assim como os infratores de baixo risco". Reforçando esse critério mais restritivo, merece destaque estudo conduzido por Keith Ditcham, pesquisador especializado na análise da polícia e da criminalidade organizada do Britain's Royal United Services Institute, segundo o qual cenários como os do Brasil, da Colômbia, da Venezuela e do Egito serão mais difíceis de administrar se um número considerável de prisioneiros for libertado, especialmente quanto às dificuldades de reencarceramento. Nesse ponto, cabe alertar que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública apurou que até dia 3 deste mês de abril foram liberados mais de 31.640 presos, muitos deles com ligação com o crime organizado.

Enfim, cada magistrado deve ter em mente a seguinte percepção consequencialista: a liberação de presos de periculosidade real é moralmente indesejada, pela ânsia de conjuração da ideia de impunidade seletiva, e não pode tornar a dose das recomendações humanitárias um remédio que mate a sociedade e seus valores, criando um severíssimo risco para a segurança pública.

Em suma: coronavírus não é habeas corpus.

 

Reitero que a situação do paciente não se adéqua a nenhuma das hipóteses constantes no rol taxativo da prisão domiciliar, que estão expressas e exaustivamente enumeradas no art. 318 do CPP e que a recomendação do CNJ, com o devido respeito, não revogou.

Não restam afastados os pressupostos, motivos e condições suficientes para a manutenção do estado de prisão do paciente, restando, por ora, incabíveis quaisquer outras medidas cautelares, especialmente por ausência de prova de ineficiência das medidas preventivas adotadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro em relação ao seu Sistema Penitenciário.

Também não indentifico qualquer prova de violação da integridade física do paciente até esta data.

Enfim, a manutenção da prisão cautelar não afronta - como é de costume alegar-se - a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), tratado internacional que entrou em vigor no Brasil, em 25 de setembro de 1992, com a promulgação do Decreto nº 678/1992, mas cujo art. 32, que não costuma ser muito lembrado pelos mais garantistas, também possui status constitucional:

a

Capítulo V - DEVERES DAS PESSOAS

Artigo 32 - Correlação entre deveres e direitos

1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.

2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.

 

Ante o exposto, voto no sentido de DENEGAR a ordem de habeas corpus.



Documento eletrônico assinado por MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000158450v9 e do código CRC edb23c39.

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Signatário (a): MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
Data e Hora: 6/5/2020, às 17:19:35

 


1. "Japiassu e Marcondes explicam que o sofisma é o 'raciocínio que possui aparentemente a forme de um silogismo, sem que o seja, sendo usado assim de modo a produzir a ilusão de validade, e tendo como conclusão um paradoxo ou um impasse'. " Francisco José Castilhos Karam (2004). A ética jornalística e o interesse público. [S.l.]: Summus Editorial. p. 104. ISBN 978-85-323-0858-0

 

Processo n. 5003401-26.2020.4.02.0000
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Habeas Corpus (Turma) Nº 5003401-26.2020.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER

PACIENTE/IMPETRANTE: PAULO ROBERTO DUTRA SOARES

ADVOGADO: MARCELO UZEDA DE FARIA (DPU)

IMPETRADO: Juízo Substituto da 3ª VF de São Gonçalo

IMPETRADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA POR IMPERATIVO DE SAÚDE PÚBLICA. RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 DO cnj. possibilidade de acesso a dados de celular. covid-19. não cabimento de prisão domiciliar. ordem denegada.

I - Habeas corpus impetrado contra decisão que manteve a prisão preventiva do paciente, decretada para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, e autorizou o acesso de dados do seu celular.

II - Paciente abordado por policiais militares nas proximidades de um centro de distribuição dos Correios, em São Gonçalo, quando  supostamente observava o movimento de entrada e saída de carteiros, havendo sido reconhecido por cinco deles como o autor de supostos roubos anteriores, existindo relatos de que teria oferecido R$5.000,00 para não ser levado à delegacia.

III - Não incorre em ilegalidade a não realização de audiência de custódia por imperativo de saúde pública, conforme orientação contida na Recomendação nº 62/2020 do CNJ, e por motivos técnicos-operacionais que impossibilitavam a video conferência, especialmente se o exame da prisão em flagrante foi realizado dentro do prazo de 24 horas.

IV - Não há ilegalidade na autorização judicial de acesso a dados já existentes e que estão armazenados em celular apreendido, não se confundindo com a interceptação de comunicações telefônicas futuras, estas últimas regidas pela Lei 9.296/96, se resta justificada a necessidade e a imprescindibilidade da medida.

V - Segregação do investigado imprescindível para a ordem pública, a fim de evitar a reiteração de fatos criminosos (tutelando a sociedade de maiores danos), para resguardar a aplicação da lei penal e por  conveniência da instrução criminal, se não há comprovação de residência fixa e ocupação lícita, tendo o indiciado demonstrado ímpeto de se manter à margem da lei, e se a proximidade dos fatos no tempo, local e maneira de execução, compromete a instrução, trazendo receio às vítimas, que perfazem diariamente as mesmas rotas nas quais foram abordados pelo investigado.

VI - A despeito do teor da Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, sugerindo a reavaliação prioritária, como medida preventiva à propagação da infecção pelo novo coronavirus, de prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias, ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, não resta afastada a eficácia da norma processual que rege a prisão preventiva.

VII - Mesmo ponderando o atual contexto da pandemia de COVID-19, não havendo prova de risco concreto ou absoluta ineficácia das medidas preventivas mencionadas, impõe-se a manutenção da sua prisão preventiva do paciente, neste momento processual. Dizer o contrário em uma decisão judicial, seria simplesmente presumir que os atos administrativos emanados do Governo do Rio de Janeiro seriam ineficazes e insuficientes. Seria reconhecer incidentalmente e sem nenhuma prova, a ineficiência da administração púbica estadual, o que, evidentemente não é possível.

VIII - O paciente não é idoso e não integra grupo de risco para o contágio de COVID-19. Também não apresenta histórico de que sofre de hipertensão ou que já tenha contraído, no local onde se encontra custodiado, enfermidades bacterianas e parasitárias (tuberculose, meningite, AIDS). O pedido desconsidera a especificidade das condições de encarceramento aos quais se encontra submetido o paciente e a impetrante não demonstra que as medidas preventivas determinadas pelo Estado Rio de Janeiro não estão sendo adotadas ou que o custodiado estaria submetido a deficiente condição sanitária, ou perigo concreto de incidência do vírus.

IX - A situação do paciente não se adéqua a nenhuma das hipóteses constantes no rol taxativo da prisão domiciliar, que estão expressas e exaustivamente enumeradas no art. 318 do CPP e que a recomendação do CNJ, com o devido respeito, não revogou. Não restam afastados os pressupostos, motivos e condições suficientes para a manutenção do estado de prisão do paciente, restando, por ora, incabíveis quaisquer outras medidas cautelares, especialmente por ausência de prova de ineficiência das medidas preventivas adotadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro em relação ao seu Sistema Penitenciário, não se identificando qualquer prova de violação da integridade física do paciente até esta data.

X - Ordem denegada.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por maioria, vencida a relatora, denegar a ordem, nos termos do voto do Desembargador Federal Marcello Granado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 04 de maio de 2020.



Documento eletrônico assinado por MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000165522v10 e do código CRC 9ce09f31.

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