Agravo de Instrumento Nº 5001349-57.2020.4.02.0000/RJ
RELATOR: Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO
AGRAVANTE: ORAFI COMERCIO DE ADORNOS LTDA
ADVOGADO: IARA JULIA CAETANO DE AGUIAR (OAB RJ216485)
ADVOGADO: EMMANUEL BIAR DE SOUZA (OAB RJ130522)
ADVOGADO: LUIZA HOELLER SALUM (OAB SP431070)
ADVOGADO: GUSTAVO ALMEIDA BARREIRA (OAB RJ230428)
AGRAVADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: Delegado da Receita Federal do Brasil - Delegacia da Receita Federal do Rio de Janeiro I DRF-1/RJ - MINISTÉRIO DA FAZENDA - Rio de Janeiro
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de agravo de instrumento, com pedido de antecipação de tutela, interposto por ORAFI COMÉRCIO DE ADORNOS LTDA, contra decisão interlocutória que indeferiu a liminar requerida nos autos do mandado de segurança de origem.
A agravada impetrou mandado de segurança a fim de ver reconhecido seu direito de não se submeter ao recolhimento da contribuição ao PIS e da COFINS com a indevida inclusão dos valores de PIS e COFINS nas suas respectivas bases de cálculo, bem como ver reconhecido seu direito à restituição/compensação dos valores indevidamente recolhidos nos 5 anos antecedentes à impetração do writ.
Sustenta a agravante que é inconstitucional e ilegal a inclusão do PIS/COFINS nas suas respectivas bases de cálculo, pelo fato de não constituírem receita ou faturamento do contribuinte e sim um ônus decorrente do exercício de atividade econômica. O contribuinte, no caso em tela, é o mero agente de repasse desses valores, que ingressarão definitivamente no patrimônio da União Federal.
Nesse sentido, faz referência ao RE 574.706-PR, apreciado no regime de repercussão geral pelo STF, cuja compreensão foi no sentido de que o montante do ICMS não integra a base de cálculo daqueles tributos (PIS/COFINS), justamente por não inserir no conceito de receita, previsto como base econômica das contribuições, na regra matriz de competência preconizada no art. 195, I, “b”, da CRFB/88, impondo-se aplicar as mesmas razões de decidir daquele jugado ao caso presente por analogia.
Por fim, argumenta a agravante que é obrigada a recolher significativos montantes de PIS/COFINS com a base de cálculo majorada de forma inconstitucional, devendo ser dado provimento ao presente recurso para reforma da decisão agravada; de forma a ser deferida a liminar requerida no mandado de segurança de nº 5075174-91.2019.4.02.5101, para que seja determinado à autoridade coatora que se abstenha de exigir a indevida inclusão do PIS/COFINS na base de cálculo das próprias contribuições ao PIS e à COFINS, mantendo-se suspensa a exigibilidade dos respectivos créditos tributários.
A União Federal, em sede de contrarrazões, pleiteia a manutenção da decisão recorrida.
Parecer do Parquet pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.
É o relatório.
VOTO
O presente agravo de instrumento mostra-se tempestivo e devidamente instruído. O agravo interno, por sua vez, fica prejudicado por perda de interesse superveniente, diante do julgamento definitivo do mérito do agravo de instrumento.
A recorrente defende que a inclusão da contribuição ao PIS e da COFINS nas suas próprias bases de cálculo é manifestamente inconstitucional e viola o entendimento do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706, no qual restou decidido que o ICMS não compõe a base de cálculo das aludidas contribuições.
Na decisão agravada, proferida em 11/12/2019, o juízo a quo indeferiu o pedido liminar por não verificar a amplitude do julgamento do STF, pretendida pela impetrante, de modo a estender o referido raciocínio para fins de exclusão do PIS e da COFINS das suas próprias bases de cálculo. No mencionado provimento restou consignado que:
“Destarte, nesta análise preliminar, embora o STF tenha decidido pela não inclusão do ICMS, não verifico a amplitude do julgamento pretendida pela impetrante, de molde a estender o referido raciocínio para fins de exclusão do PIS e da COFINS da sua própria base de cálculo, afastando a previsão contida no art.12 da lei nº 19.973/2014.
Por oportuno, confira-se posicionamento externado pelo E. TRF2 sobre a questão:
TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. INCIDÊNCIA NAS SUAS PRÓPRIAS BASES DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. 1. A base de cálculo da contribuição para o PIS e COFINS é o valor total do faturamento ou da receita da pessoa jurídica, no qual incluem-se os tributos sobre elas incidentes, nos termos do art. 12, § 5º, do Decreto-Lei nº 1.598/77. 2. O precedente firmado pelo STF, ao julgar o RE nº 574.706/PR, não se aplica nos casos em que as próprias contribuições ao PIS e à COFINS são incluídas nas suas bases de cálculo. Precedentes desta 3ª Turma Especializada e dos Tribunais Regionais Federais. 3. Não há, no sistema tributário brasileiro, vedação à incidência de tributo sobre tributo, existindo apenas a exceção do inciso XI do parágrafo 2º do art. 155 da CRFB/88, que dispõe que o ICMS não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do IPI, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no RE nº 585.461, em repercussão geral, e do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.144.469. 4. Apelação da União Federal e remessa necessária conhecidas e providas. (TRF2 2017.51.01.213179-7; Relatora: Des. Federal CLAUDIA NEIVA; 02/07/2019)
Pelo exposto, INDEFIRO a tutela provisória requerida.”.
A concessão da tutela provisória de urgência, nos termos do art. 1.019, I, c/c o art. 1.012, §4º, do CPC/2015, requer o preenchimento de dois requisitos positivos, a saber: i) fundamento relevante, caracterizado, no âmbito recursal, pela probabilidade do provimento da impugnação; e ii) risco de lesão grave ou de difícil reparação, se a medida não for concedida ab initio. Em outros termos, a concessão de medida de urgência requer a presença de dois requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora.
Registre-se, outrossim, que, revelando-se o direito alegado em consonância com o entendimento firmado em súmula ou tese firmada em recursos repetitivos, será possível conceder a tutela provisória recursal com base na denominada tutela de evidência.
Ainda para fins da tutela de urgência, acrescente-se o seguinte requisito negativo: ausência da irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Acerca dos requisitos da medida de urgência em exame, revela-se pertinente trazer a lição do Professor Teori Albino Zavascki (ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, Ed. Saraiva, 3ª ed., págs. 76 e 77): “O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. (...) O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja antecipação assecuratória é o risco concreto (e não o hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (vale dizer, o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte)”.
De fato, ao analisar os argumentos apresentados pela recorrente, é possível constatar a defesa de que a probabilidade do direito é caracterizada pela necessária aplicação da ratio decidendi fixada no RE 574.706 ao caso. Nesse sentido, argumenta que a única distinção entre o ICMS, PIS e COFINS, para fins de inclusão na base de cálculo do PIS/COFINS, diz respeito ao ente público responsável por sua instituição e cobrança, uma vez que os referidos valores não representam receita dos contribuintes, e sim ônus fiscal.
No que se refere ao periculum in mora, argumenta residir na possibilidade de sujeição do contribuinte a eventual execução fiscal, com todos os ônus a ela inerentes, ou ao complexo e demorado procedimento de repetição de indébito.
Sobre o tema, importante tecer as seguintes considerações:
O art. 195 da Constituição Cidadã, na sua redação original, outorgava competência tributária à União para instituir contribuição dos empregadores sobre o “faturamento”. Atualmente, com a redação da EC n. 20/98, o inciso I, alínea b, possibilita a instituição de contribuição dos empregadores, empresas ou equiparados sobre “a receita ou faturamento”.
Desde então, o constituinte tornou viável instituir as contribuições ao PIS e COFINS sobre a receita ou faturamento, ampliando, assim, a base econômica das exações em questão.
Com a ampliação da base econômica para permitir a tributação não só do faturamento, mas também da “receita”, que tem conceito mais amplo, passaram a ser tributáveis tanto as receitas oriundas do objeto social da empresa (faturamento) como as receitas não operacionais, complementares, acessórias ou eventuais. Ou seja, com a Emenda Constitucional n. 20/98, quaisquer receitas do contribuinte, desde que reveladoras de capacidade contributiva, podem ser colocadas, por lei, como integrantes da base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS.
Nos termos da legislação de regência, a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS é o faturamento, compreendido como a totalidade das “receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”, ou seja: a receita bruta da venda de bens e serviços, nas operações em conta própria ou alheia, e todas as demais receitas auferidas (artigo 1º, caput e § 1º, das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, aplicáveis ao regime não-cumulativo e editadas já sob a égide da Emenda Constitucional nº 20/98). Nesse aspecto, ainda, acerca da base econômica das exações em comento, no regime cumulativo, veja-se a Lei 9.718/98 (art. 3º): “O faturamento a que se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977”, conforme redação dada pela Lei 12.973/14.
Em que pese a inexistência de comando normativo legal que exclua o PIS e a COFINS de sua própria base econômica, a vedação se extrai do disposto no art. 195, I, “b”, CRFB, que previu como base de cálculo das aludidas contribuições a receita ou faturamento, sendo esse o alcance que pode ser conferido à legislação tributária mencionada acima, vez que, nos termos do art. 110 do CTN: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal (...)”.
Com efeito, o conceito de receita ou faturamento não pode ser alargado ou modificado, sob pena de desprezar-se o modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o patrimônio do contribuinte e que, portanto, não está abarcado pelo conceito de receita, não sendo possível, portanto, interpretar a Lei n. 12.973/14 no sentido de que o PIS e a COFINS podem compor a sua própria base de cálculo, mediante “cálculo por dentro”.
Insta destacar, ainda, que, como noticiado em 15/03/2017, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), quando da apreciação do Recurso Extraordinário (RE) 574706, decidiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não integra a base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706, com repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da seguridade social.
Prevaleceu o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, no sentido de que a arrecadação do ICMS não se enquadra entre as fontes de financiamento da seguridade social previstas na Constituição Cidadã, pois não representa faturamento ou receita, representando apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser totalmente repassado ao fisco estadual.
A tese de repercussão geral fixada pelo STF, conforme o tema 069, foi a de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”, já tendo sido publicada, inclusive, a súmula da decisão que constou da ata, no DJE n° 52, divulgado em 16/03/2017, a qual vale como acórdão, nos termos do art. 1.035, §11, do CPC/2015, o que revela a ausência de óbice para aplicação do entendimento firmado pela Corte Suprema desde logo.
O mesmo raciocínio do STF, no julgamento do RE n. 574706, que se posicionou pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, por não se inserir o aludido imposto no conceito de receita, aplica-se para o PIS e a COFINS em sua própria base de cálculo, ou seja, não podem as aludidas contribuições servirem como base econômica delas próprias, pois não integram o conceito de receita, sendo esse o parâmetro previsto na regra de competência tributária inserta no art. 195, I, “b”, da Constituição Cidadã. Aplica-se no caso, portanto, o brocardo ubi eadem ratio ibi idem jus.
Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento interposto por ORAFI COMÉRCIO DE ADORNOS LTDA para suspender a exigibilidade de inclusão dos valores referentes ao PIS/COFINS nas bases de cálculos das próprias contribuições, e declaro prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado por THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000143154v2 e do código CRC bc32b1d3.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO
Data e Hora: 11/5/2020, às 9:55:23