Apelação Cível Nº 5001198-45.2019.4.02.5006/ES
RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME COUTO DE CASTRO
APELANTE: MIGUEL BARCELOS DE JESUS (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDA MARTINS NUNES LOPES (OAB ES028742)
ADVOGADO: THAIS LELIS BARCELOS SILVA (OAB ES025521)
ADVOGADO: VINICIUS MILDEBERG SANTOS (OAB ES019094)
APELADO: BANCO DO BRASIL SA (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por MIGUEL BARCELOS DE JESUS.
O apelante combate a sentença (Evento 33) que pronunciou a prescrição de pretensão por ele formulada em face da UNIÃO FEDERAL e do BANCO DO BRASIL S/A.
Pretende o Apelante, em ação aforada em maio de 2019, a restituição dos valores desfalcados de sua conta PASEP, atualizados monetariamente, no total de R$ 130.058,66 (já deduzido o que foi recebido), e indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00.
Como causa de pedir, afirma que ingressou no serviço público em 1977, e passou para a reserva remunerada em outubro de 2006, quando constatou que o saldo de sua conta PASEP era de apenas R$ 925,53, incompatíveis com os depósitos que teriam sido realizados desde 1977, como obtido em microfilmagens do Banco do Brasil S/A, às quais teve acesso somente em 2018. Assim, com fulcro no Código de Defesa do Consumidor, requer a inversão do ônus da prova e a condenação dos Réus à recomposição de sua conta PASEP, bem como ao pagamento de indenização por danos morais.
O juízo de primeiro grau rechaçou a tese de ilegitimidade passiva ad causam do Banco do Brasil S/A, mantendo-o no pólo passivo e, ao final, extinguiu o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do Código de Processo Civil, diante da prescrição quinquenal, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, consoante o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema n.º 545 (REsp n.º 1205277/PB), pois o saque foi realizado em novembro de 2006 e esta ação ajuizada somente em 2019.
Em seu recurso, o autor reitera os argumentos da petição inicial, e ressalta que o prazo prescricional somente pode ser computado a partir do momento em que teve acesso aos extratos, em 2018, mediante microfilmagem fornecida pelo Banco do Brasil S/A, ocasião em que constatou os saques reputados indevidos, em atenção ao princípio da actio nata. Acrescenta que a pretensão não é de atualização monetária ou recomposição de juros, mas sim indenizatória, diante dos desfalques realizados em sua conta PASEP, e não se submete ao prazo quinquenal acolhido na sentença. Daí o pedido de reforma da sentença, para que sejam julgados procedentes os pedidos (Evento 41).
Contrarrazões da União (Evento 50) e do Banco do Brasil S/A (Evento 52), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal Relator
VOTO
Deve ser negado provimento ao apelo, data venia.
Não chega a ficar clara a legitimidade passiva do Banco do Brasil S/A, mas vá lá, admite-se que existam asserções a autorizá-la.
Assim, a sentença é mantida por seus próprios fundamentos, que passam a integrar o presente voto, evitando-se transcrição, e pelos fundamentos que se lhe acrescem, na forma adiante alinhada.
A legitimidade do Réu foi assentada na sentença, que, todavia, nada decidiu quanto ao prazo prescricional contra a instituição financeira, menos ainda quanto ao mérito da pretensão.
Mas, se admitida a legitimidade, a partir das asserções, como se fez, o pedido é improcedente, pois a Lei complementar nº 8/70, que instituiu o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP, delegou ao Banco do Brasil, em seu artigo 5º, competência apenas para administrar o Programa, recebendo tal instituição bancária uma comissão como contraprestação do serviço prestado, tudo na forma do estipulado pelo Conselho Monetário Nacional. Depreende-se, então que o Banco do Brasil S/A é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação.
Neste sentido é o aresto do Superior Tribunal de Justiça, abaixo colacionado
ADMINISTRATIVO. PASEP. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ILEGITIMIDADE DO BANCO DO BRASIL S.A. SÚMULA 77/STJ. LEGITIMAÇÃO DA UNIÃO. SÚMULA 77/STJ. 1. A Lei Complementar nº 8 de 3/70, que instituiu o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, em seu art. 5º, delega ao Banco do Brasil competência para operacionalizar o Programa, devendo manter contas individualizadas para cada servidor. Por essa atividade, estabelece a lei em favor do Banco uma comissão de serviço a ser fixada pelo Conselho Monetário Nacional. 2. Como a CEF é parte ilegítima para figurar no pólo passivo das ações relativas ao PIS (Súmula nº 77/STJ), também se deve reconhecer a ilegitimidade do Banco do Brasil para figurar no pólo passivo das ações relativas ao PASEP. 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 747.628/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 225).
Por isso, inclusive, no que tange aos saques reputados indevidos que poderiam ocorrer apenas à conta de tal instituição, e à alegada responsabilidade civil por danos morais, a hipótese seria de incompetência da Justiça Federal para o exame da matéria perante o Banco do Brasil S/A, como também já o disse o Superior Tribunal de Justiça:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PASEP. SAQUES INDEVIDOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BANCO DO BRASIL. INSTITUIÇÃO GESTORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DE DIREITO DA 12a. VARA CÍVEL DE RECIFE -PE. 1. A Primeira Seção desta Corte tem entendimento predominante de que compete à Justiça Estadual processar e julgar os feitos cíveis relativos ao PASEP, cujo gestor é o Banco do Brasil (sociedade de economia mista federal). 2. Incide, à espécie, a Súmula 42/STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento. 3. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 12a. Vara Cível de Recife -PE. (STJ, CC 161590 / PE, Relator(a) Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 20/02/2019 REVJUR vol. 497 p. 97).
Mas nem se separou qualquer causa de pedir e a verdade que, na prática, tudo está prescrito, seja à luz do prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, seja com base no prazo de dez anos para contestação de saque, nos termos do art. 10 do Decreto n.º 2.052/83 e art. 21 do Decreto n.º 2.397/87, como indicado pelo Banco do Brasil (Evento 14, COMP3, p. 26).
O autor sustenta, em síntese, que o valor existente em sua conta individualizada do fundo PIS/PASEP, por ocasião do saque ao passar para a inatividade, não corresponde ao valor a que faria jus, decorrente dos depósitos realizados desde 1977 (quando do ingresso no serviço público), e que, ao analisar os extratos fornecidos pelo Banco do Brasil S/A, constatou a realização de saques indevidos na referida conta.
Não obstante, a pretensão contra a União Federal também está inteiramente fulminada pelo decurso do tempo, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
De fato, o autor pretende ver reconhecido suposto direito ao pagamento de indenização por dano moral e material, em virtude de alegada subtração em sua conta de PIS/PASEP.
O prazo flui a partir do evento danoso e, seja em relação ao Banco do Brasil ou da União Federal, ele já estava esgotado. Quanto à União, e inexistindo lei especial regulando a matéria, a prescrição rege-se pelo prazo comum de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
A presente ação foi proposta em maio de 2019 e, conforme o documento do Evento 1, OUT4, o Autor passou para a reserva remunerada em outubro de 2006, ocasião em que efetuou a retirada dos valores questionados. Correta, portanto, a sentença que pronunciou a prescrição quinquenal da pretensão de obter indenização em desfavor da União Federal.
Não se sustenta a tese de que somente teve acesso aos extratos em 2018, e que este seria o marco inicial para contagem do prazo prescricional.
Inviável dizer que ele não podia ter aferido a lesão, com antecedência. O Autor admite, na inicial, que somente procurou o Banco do Brasil em setembro de 2018, “não mais resistindo ao seu inconformismo”, quando requereu a microfilmagem referente ao período de 1977 a 1999 (Evento 1, INIC1, p. 11).
Caso tivesse requerido os extratos anteriormente, logo após o saque em 2006, e o Banco tivesse injustificadamente tardado a fornecê-los (e tudo devidamente narrado e comprovado nos autos), aí sim seria possível (embora duvidoso) dizer que o prazo estaria suspenso. Mas, repise-se, o Autor admite que não procurou a instituição financeira antes de 2018, quando encerrado, há muito, o prazo prescricional.
Assim, a pretensão resta inteiramente inviabilizada pela prescrição, eis que, entre o período do saque e o ingresso do autor em juízo, decorreram treze anos.
Não se há de cogitar da aplicação da prescrição trintenária de que trata a Súmula nº 210 do STJ. O prazo ali previsto diz respeito a certas ações relativas ao FGTS e, portanto, de natureza diversa. Na hipótese, repita-se, aplica-se a regra prevista no Decreto nº 20.910/32, a chamada lei geral de prescrição contra a Fazenda Pública. Ou o Código Civil, em relação ao outro réu.
Em sessão de julgamento de 27/06/2012, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu tese no Tema 545, REsp 1.205277/PB, em sistema de recurso repetitivo, sob a relatoria do E. Ministro Teori Albino Zavascki:
“É de cinco anos o prazo prescricional da ação promovida contra a União Federal por titulares de contas vinculadas ao PIS/PASEP visando à cobrança de diferenças de correção monetária incidente sobre o saldo das referidas contas, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 20.910/32”.
Veja-se, ainda, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ATO ILÍCITO DO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE CADASTRAMENTO NO PASEP E DE EMISSÃO DA RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DE ABONOS RELATIVOS AO PASEP. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/32. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA. 1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição quinquenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou. 2. In casu, a pretensão deduzida na inicial não resultou atingida pelo decurso do prazo prescricional, uma vez que a ciência do ato ensejador de prejuízo - ausência de cadastramento do autor junto ao PASEP e de emissão da relação anual de informações sociais (RAIS) - se deu em 20.02.2002, mediante informação prestada pela instituição financeira responsável pela gerência do PASEP, e a ação indenizatória foi ajuizada em 22.09.2003, consoante se infere do excerto do voto condutor do acórdão recorrido:"(...)A parte autora, antes da informação prestada pela instituição financeira desconhecia completamente a ilicitude da conduta do acionado, bem como a existência do dano por ela experimentado. A parte suplicante, a bem da verdade, somente tomou conhecimento do dano sofrido em 20.02.2002, através de informação prestada pela instituição financeira responsável pela gerência do benefício. Ato contínuo, formou inicialmente requerimento na esfera administrativa, culminando com o ajuizamento da presente ação em 22.09.2003, portanto, dentro do prazo de três anos (...)" fl. 74. 3. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil. 4. A admissão do Recurso Especial pela alínea "c" exige a comprovação do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas. Precedente desta Corte: AgRg nos EREsp 554.402/RS, CORTE ESPECIAL, DJ 01.08.2006. 5. Recurso Especial desprovido. (STJ, REsp 1124714/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 18/11/2009).
Confiram-se também os arestos desta Eg. Corte:
ADMINISTRATIVO E CIVIL. FUNDO PIS/PASEP. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LEVANTAMENTO DE SALDO POR OCASIÃO DA RESERVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA PRETENSÃO. ARTIGO 1º DO DECRETO N. 20.910/32. Hipótese em que o autor pretende indenização por dano moral e material em face de frustração, quanto ao valor, no levantamento do Fundo PIS/PASEP. Correta a sentença que apontou a prescrição, pois incide o prazo comum de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. Ajuizada a ação mais de cinco anos após os fatos, patente é a prescrição da pretensão. Situação já dirimida, em sua essência, pelo STJ, em julgamento no sistema de recurso repetitivo (Tema 545). Apelação desprovida. (TRF 2ª Região, AC 5006262-85.2018.4.02.5001, Sexta Turma Especializada, Julgado em 27/11/2019, Relator GUILHERME COUTO DE CASTRO).
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA DAS CONTAS DE PIS/PASEP. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. SENTENÇA MANTIDA. 1. Inexistindo prazo específico a ser observado para o ajuizamento de demandas que objetivam o recebimento das diferenças relativas à incidência dos expurgos inflacionários sobre as contas de PIS/PASEP, deve ser observado o prazo geral de cinco anos previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. 2. Ajuizada a ação ordinária em 14/07/2014 e referindo-se os índices pleiteados aos meses de janeiro/89 e abril/90, restou fulminada a pretensão autoral pela prescrição, sendo o caso de se manter a sentença recorrida. 3. Apelação desprovida. (TRF 2ª Região, AC 0008987-65.2014.4.02.5101, 8ª TURMA ESPECIALIZADA, 27/09/2017, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA).
FUNDO PIS/PASEP. DIFERENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA 1. Trata-se de ação movida em face da União Federal, através da qual a autora objetiva a condenação da ré ao pagamento das diferenças referentes às quotas de participação no fundo PIS-PASEP. 2. O tema já foi objeto de Recurso Especial Repetitivo (Resp nº 1.205.277), submetido ao regime do art. 543-C do CPC/73, no qual ficou assente que "é de cinco anos o prazo prescricional da ação promovida contra a União Federal por titulares de contas vinculadas ao PIS/PASEP visando à cobrança de diferenças de correção monetária incidente sobre o saldo das referidas contas, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 20.910/32" 3. Conforme destacado pelo Juízo sentenciante, os fatos narrados na inicial que teriam provocado lesão ao patrimônio da demandante, valores não creditados no Fundo PIS/PASEP, teriam ocorrido em 1989, ao passo que a presente ação foi ajuizada em 2016, quando já ultrapassados mais de cinco anos. 4. Deve ser prestigiada a sentença recorrida. 5. Apelação conhecida e desprovida. (TRF-2 – AC 201651011248494 - 7ª TURMA ESPECIALIZADA - Data de Decisão: 25/07/2017).
Tardia, pois, a presente demanda..
Voto por negar provimento à apelação. Sem alteração de honorários, diante da suspensão da exigibilidade, por conta da gratuidade de justiça (art. 98, § 3º, do CPC).
Documento eletrônico assinado por GUILHERME COUTO DE CASTRO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000180117v2 e do código CRC 97fda0e5.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GUILHERME COUTO DE CASTRO
Data e Hora: 5/6/2020, às 17:53:54