Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0150782-54.2017.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP

APELADO: BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZACAO DE PETROLEO LTDA.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pela Exequente, AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP - contra decisão monocrática proferida de evento 39, acrescentada pela decisão em sede de embargos de declaração de evento 56, que indeferiu o pedido de desistência do recurso.

Em suas razões recursais de evento 112, alegou que é assegurado ao recorrente desistir do recurso a qualquer tempo. Defendeu que tal ato pode "ser manifestado enquanto não ultimato o julgamento e, inclusive se já iniciada a sessão de julgamento e a discussão da causa pelos julgadores". Argumentou que não se discute nos autos questão de interesse público na uniformização da jurisprudência, bem como que não há má-fé processual.

Decisão de evento 65, mantendo a decisão agravada.

Embargos de Declaração no evento 68.

Contrarrazões no evento 78.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

                                                                                                                  /rqi

VOTO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME DIEFENTHAELER (RELATOR)

Conheço do recurso, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade.

A questão cinge-se a aferir a possibilidade de desistência do recurso, em que pese já iniciado o julgamento que trata da possibilidade de a multa administrativa em execução ser submetida à arbitragem pactuada ou não.

Persistem imaculados e impassíveis os argumentos nos quais o entendimento foi firmado, subsistindo em si as mesmas razões expendidas na decisão agravada, às quais me reporto.

Com efeito, o julgamento da apelação teve início em 06/10/20, que conforme certidão de evento 16, "Após o voto do Relator que deu provimento ao recurso, sendo secundado pelo Des. Fed. Marcelo Pereira, apresentou divergência a Des. Fed. Vera Lucia Lima para lhe negar provimento, sendo, então, por força do resultado não unânime do julgamento, determinado o seu prosseguimento, na forma do art. 942 do NCPC, em oportunidade próxima, conforme Regimento Interno deste Tribunal".

No entanto, em que pese a parte apelante ter requerido a desistência do recurso, em virtude de superveniência de sentença arbitral (evento 37), destaco que o mérito da presente apelação trata justamente acerca da possibilidade de a multa administrativa em tela ser submetida à arbitragem pactuada ou não.  

Assim, incabível o pedido de desistência formulado.

Pelo exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Julgo prejudicado os embargos de evento 68, devendo ser dado baixa no respectivo incidente.

 


 

Processo n. 0150782-54.2017.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0150782-54.2017.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP

APELADO: BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZACAO DE PETROLEO LTDA.

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pela AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP contra o acórdão proferido no evento 92 que, por unanimidade negou provimento ao agravo interno.

Em suas razões recursais de evento 100, a Embargante alegou que não houve enfrentamento "da questão da inexistência, no presente caso, de interesse público na uniformização da jurisprudência, uma vez que não há o impedimento para a desistência do recurso previsto no art. 998, parágrafo único, do CPC, bem como a inexistência da má-fé, posto que a apelada/agravada concordou em sua petição do evento 54 com a desistência pretendida". Argumentou que o acórdão não "trouxe interpretação em relação à violação do disposto no art. 998 do CPC e a jurisprudência do colendo STJ, deixando de aplicá-los ou afastá-los no caso concreto, incorrendo, por tal omissão, em ofensa direta ao art. 93, inciso IX da Constituição Federal".

Contrarrazões no evento 105.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

                                                                                                                                /rqi

VOTO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME DIEFENTHAELER (RELATOR)

Conheço dos embargos de declaração, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Ao proferir o acórdão, o Tribunal cumpre o seu ofício jurisdicional, só podendo alterá-lo nas hipóteses de embargos de declaração ou de correção de erros materiais, conforme art. 494 do Código de Processo Civil - CPC.

Examinada a petição dos embargos de declaração, constato que nela não se contempla nenhuma das hipóteses de seu cabimento, insertas nos incisos do art. 1.022 do CPC.

Com efeito, as questões ali suscitadas revelam que a parte Embargante visa tão somente rediscutir a decisão desta Egrégia Turma, expediente para o qual não se prestam os aclaratórios.

Conforme consignado no acórdão, "em que pese a parte apelante ter requerido a desistência do recurso, em virtude de superveniência de sentença arbitral (evento 37), destaco que o mérito da presente apelação trata justamente acerca da possibilidade de a multa administrativa em tela ser submetida à arbitragem pactuada ou não".  

Desse modo, deve-se aguardar o voto-vista do Excelentíssimo Senhor Des. Fed. Ferreira Neves, conforme extrato de ata de evento 60.

Ademais, destaco que na decisão recorrida há menção aos preceitos constitucionais e legais necessários para resolução da presente lide, sendo que "o julgador não se encontra obrigado a responder todas as questões suscitadas pelas partes quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão(STJ, AgInt no AREsp 1634087 / SE, SEGUNDA TURMA, Ministro FRANCISCO FALCÃO, POR UNANIMIDADE, DJe 22/10/2020).

Outrossim, o art. 1.025 do CPC dispõe que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”.

Por fim, friso que, por se tratar de embargos de declaração opostos para rediscutir tese já afastada, e inexistindo vício a ser sanado, impõe-se a advertência de que a oposição de novos embargos de declaração de cunho protelatório ensejará a aplicação de multa prevista no §3º do art. 1.026 do CPC.

Pelo exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO aos embargos de declaração.

 


 

Processo n. 0150782-54.2017.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0150782-54.2017.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP

APELADO: BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZACAO DE PETROLEO LTDA.

VOTO-VISTA

Conforme relatado pelo Eminente Desembargador Federal Guilherme Diefenthaeler, trata-se de Apelação interposta pela AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP contra sentença que acolheu a exceção de pré-executividade e julgou extinta a Execução Fiscal ajuizada em face de BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO LTDA., reconhecendo a inexigibilidade da CDA exequenda, por entender que o débito deveria ser submetido a prévia arbitragem, antes da sua execução forçada.

Na sessão do dia 06/10/2020, após o voto do Relator, que deu provimento ao recurso, sendo secundado pelo Des. Fed. Marcelo Pereira, apresentou divergência a Des. Fed. Vera Lucia Lima para lhe negar provimento (evento 20, OUT13), sendo, então, por força do resultado não unânime do julgamento, determinado o seu prosseguimento, na forma do art. 942 do CPC.

Na sessão de julgamento do quórum ampliado, realizada em 26 de maio de 2022, após o voto da Juíza Federal Marcella Araújo da Nova Brandão acompanhando a divergência, pedi vista dos autos com a finalidade de melhor examinar o caso concreto e refletir acerca da questão trazida a julgamento.

Divirjo, concessa venia,  do douto Relator. 

A presente execução fiscal, ajuizada em 20/07/2017, objetiva a cobrança de multa decorrente de auto de infração decorrente do descumprimento da cláusula 20, parágrafo 20.7, do Contrato de Concessão para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural nº 48610.001396/2008-16 (evento 28, DOC16, fl. 60) firmado entre as partes.

A aludida cláusula dispunha sobre (i) garantias “amplas e equânimes de concorrência” para contratação de empresas nacionais com relação às estrangeiras; e (ii) cumprimento de aquisição de bens e serviços de fornecedores nacionais em proporção estipulada em contrato, específica para cada fase e local da execução. A comprovação do cumprimento desta cláusula, conforme os itens 20.3 e 20.5 do Contrato de Concessão, se daria pela apresentação de “certificados de Conteúdo Local” emitidos por entidades devidamente qualificadas e credenciadas pela ANP, com base em critérios previamente definidos pela própria Agência.

Diante da ausência de comprovação do cumprimento da referida cláusula, em 11/08/2010, a ANP instaurou o Processo Administrativo n.º 48610.011556/2014-83 para análise da observância da obrigação de conteúdo local. Ao final do processo, concluiu-se pelo seu descumprimento, pois a ora apelada não teria entregado os certificados locais exigidos no ano de 2010, tendo sido considerados como investimentos estrangeiros todos aqueles não comprovados como nacionais, alcançando-se, ao final, multa fixada no valor de R$ 3.199.387,65 (três milhões, cento e noventa e nove mil, trezentos e oitenta e sete reais e sessenta e cinco centavos). Ato contínuo, pela ANP foi instaurado o Processo Administrativo nº 48610.010487/2015-71, que implicou na lavratura do auto de infração para a cobrança da multa aplicada (evento 28, OUT17 – fls. 6/11), e o débito exequendo foi encaminhado para inscrição em dívida ativa, culminando no ajuizamento da presente execução fiscal.

Ocorre que, no Contrato de concessão havia a cláusula compromissória n. 31.5 (evento 28, OUT16- fls.75/76), dispondo, expressamente, que “31.5 Se a qualquer momento uma parte considerar que inexistem condições para uma solução amigável de disputa ou controvérsia a que se refere o parágrafo 31.2, deverá submeter essa disputa ou controvérsia a processo arbitral ‘ad hoc’, utilizando como parâmetro as regras estabelecidas no regulamento da Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional”, ou seja, as partes se comprometeram a levar eventual discordância relativa à execução do contrato, primeiramente, ao Tribunal Arbitral.

Por outro lado, a cláusula 31.6  (evento 28, OUT16- fl. 76), previa a competência do foro da Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro apenas para as questões que não versassem sobre direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, questões relativas a direitos patrimoniais indisponíveis.

Dessa forma, após a análise da natureza do direito patrimonial em discussão, o douto Relator deu provimento ao recurso da ANP, para determinar o prosseguimento da execução fiscal, após concluir que “a multa que torna efetiva a medida decorrente do Poder de Polícia não se situa entre os direitos patrimoniais disponíveis da ANP”, tratando-se de matéria que refoge aos limites da cláusula de compromisso arbitral, sendo, portanto, impossível submeter o ato sancionatório à arbitragem (evento 18, OUT12).

Por outro lado, o voto divergente, sem adentrar no mérito da natureza do direito, se patrimonial disponível ou indisponível, negou provimento ao recurso da ANP, com fundamento na jurisprudência do Col. STJ, no sentido da “competência exclusiva do Juízo convencional na fase inicial do procedimento arbitral", havendo a "possibilidade de exame pelo Judiciário somente após a sentença arbitral" (evento 18, OUT12).

Pois bem. No que se refere à disponibilidade ou indisponibilidade do direito patrimonial objeto da cláusula 20, parágrafo 20.7, do Contrato de Concessão nº 48610.001396/2008-16, peço vênia para integrar a este voto, excertos do douto voto-vista proferido pela Exma. Ministra Regina Helena Costa, no julgamento do Conflito de Competência nº 139.519/RJ, no qual discorre sobre o tema da convivência de direito patrimonial disponível da Administração Pública com o princípio da indisponibilidade do interesse público:

 

“(...)

O interesse público é sempre indisponível porque é de titularidade da coletividade, e não do Poder Público, consoante a sempre lembrada doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis.(Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2015, p. 76).

 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, apresenta lapidar lição acerca da indisponibilidade do interesse público e da existência de direito disponível da Administração:

 

Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração tem o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão. (...) Fica muito claro no dispositivo que o interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa.

(...)

O princípio da indisponibilidade do interesse público não se confunde com a ideia de direitos patrimoniais indisponíveis; o interesse público é sempre indisponível; os direitos patrimoniais podem ser disponíveis ou indisponíveis.

(...)

Portanto, é correto afirmar que o interesse público é indisponível. Mas isto não significa que todos os direitos patrimoniais, no âmbito do direito público, sejam indisponíveis. Por vezes, a disponibilidade de um patrimônio público pode ser de mais interesse da coletividade do que a sua preservação.

(...)

Mas pode decidir sobre os efeitos patrimoniais decorrentes de uso de prerrogativas próprias do poder público, como as de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, que podem provocar o desequilíbrio econômico-financeiro. São aspectos que se incluem no conceito de direitos patrimoniais disponíveis, não porque a Administração possa abrir mão de seus direitos, mas porque se trata de direitos passíveis de valoração econômica.

(Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense. 29ª ed. 2016. pp. 1019/1029 - destaques meus).

 

Acresça-se a clássica doutrina de Eros Roberto Grau, que distingue duas formas de atividade econômica do Estado – atividade econômica em sentido estrito e serviço público, como segue:

 

Qualquer forma de atuação ou de translação da titularidade de bens pode ser economicamente mensurável, do que qualquer atuação do Estado de forma direta e participativa acaba por ser uma atividade econômica em sentido amplo" e, portanto, disponível.

(A ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, 14ª ed., pp. 99/101).

 

Em consequência, sempre que a Administração contrata há disponibilidade do direito patrimonial, podendo, desse modo, ser objeto de cláusula arbitral, sem que isso importe em disponibilidade do interesse público.

Nessa linha de raciocínio, a advertência de Marçal Justem Filho:

 

O argumento de que a arbitragem nos contratos administrativos é inadmissível porque o interesse público é indisponível conduz a um impasse insuperável. Se o interesse público é indisponível ao ponto de excluir a arbitragem, então seria indisponível igualmente para o efeito de produzir contratação administrativa. Assim como a Administração Pública não disporia de competência para criar a obrigação vinculante relativamente ao modo de composição do litígio, também não seria investida do poder para criar qualquer obrigação vinculante por meio contratual. Ou seja, seriam inválidas não apenas as cláusulas de arbitragem, mas também e igualmente todos os contratos administrativos. (Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11. ed., 2015, p. 824/825 - destaques meus).

 

De todo o exposto, conclui-se que a Administração Pública, ao recorrer à arbitragem para solucionar litígios que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, não desatende ao interesse público, nem renuncia ao seu atendimento.

Diversamente, ao assim agir, prestigia o princípio da indisponibilidade do interesse público, desdobramento que é do sobreprincípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Assim orienta-se a jurisprudência estampada nos julgados assim ementados:

 

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.

(...)

5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

7. A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame.

8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável.

9. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato - é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

10. A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia.

12. Recurso especial não provido.

(REsp 904.813/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 28/02/2012 - destaques meus).

 

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4. Recurso especial provido.

(REsp 606.345/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julg julgado em 17/05/2007, DJ 08/06/2007, p. 240 - destaque meu).

(...)”

 

Acrescente-se que, tanto a Lei n. 8.987/95, denominada Lei Geral das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, quanto a Lei n. 9.478/97, que regula a política energética nacional, estabelecem que os contratos de concessão devem trazer regras de solução de controvérsia, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional.

Por outro lado, em que pese o entendimento da jurisprudência do STJ no sentido da precedência do Juízo arbitral em relação ao Juízo estatal (princípio da Kompetenz-Kompetenz), não se pode olvidar que, excepcionalmente, é admissível a análise prévia da cláusula compromissória pelo Poder Judiciário, seja para reconhecer a sua invalidade, em razão da ausência de seus requisitos essenciais, seja pela impossibilidade de fazer valer uma convenção arbitral relativa a uma questão de direito indisponível.

No sentido da possibilidade, excepcional, de análise anterior pelo Poder Judiciário para reconhecer a inexistência, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem “sempre que o vício que a inquina revelar-se, em princípio, clarividente (encerrando, assim, verdadeira cláusula compromissória arbitral patológica)”, cito os seguintes precedentes do STJ: REsp 1278852/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 19/06/2013; REsp 1803752/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 24/04/2020.

Diante dessas considerações, sempre que houver arguição da existência de convenção de arbitragem, é importante verificar, caso a caso, a natureza do direito patrimonial discutido, se disponível ou indisponível; se a cláusula compromissória arbitral é “vazia” ou “patológica” (incompleta, ante a ausência de elementos capazes de dar início a uma arbitragem); bem como se a questão controvertida ultrapassa os limites da cláusula compromissória, a fim de se concluir pela precedência do Juízo arbitral ou da Justiça Estatal para a análise da questão levantada.

Com efeito, para exemplificar, no julgamento ampliado das apelações nos autos do processo n. 0005966-81.2014.4.02.5101 (ação anulatória de procedimento arbitral, ajuizada pela ANP, postulando a declaração da indisponibilidade do direito objeto da arbitragem e a consequente inaplicabilidade da cláusula de arbitragem) acompanhei o voto do douto Relator, Desembargador Guilherme Diefenthaeler, no sentido de que "a pretensão levada ao conhecimento do tribunal arbitral refugiria aos limites da cláusula de compromisso arbitral, eis que tratar-se-ia a decisão questionada de atividade fiscalizadora decorrente do poder de polícia da agência reguladora, logo um direito indisponível, e não uma controvérsia na execução do contrato de concessão celebrado".

Contudo, na presente hipótese, não se trata de ação que busca a anulação de cláusula compromissória ou a instituição da arbitragem resistida por uma das partes (art. 7º da Lei n. 9.703/96), mas sim, de execução fiscal ajuizada pela ANP para a cobrança de multa administrativa, aplicada pelo descumprimento de cláusula prevista no Contrato de Concessão celebrado entre as partes - relativa à execução do contrato (obrigação de conteúdo local),sem a observância da cláusula compromissória, livremente pactuada entre as partes.

De fato, diferentemente do caso outrora mencionado, a questão que ora se discute não refoge aos limites da cláusula de compromisso arbitral, tratando-se de direito patrimonial disponível, uma vez que não se pretende submeter ao Juízo arbitral o ato sancionatório (a multa aplicada pela ANP ou seu poder de polícia), mas sim, uma questão que antecede a aplicação da sanção, qual seja, o descumprimento da cláusula 20.7 do contrato de concessão, que guarda estrita relação com a execução do contrato, na medida em que a questão a ser dirimida pelo Tribunal arbitral se resumiria em analisar se a aquisição de bens e serviços de fornecedores nacionais ocorreu na proporção estipulada no contrato, específica para cada fase e local da execução. Portanto, eventual multa decorreria do descumprimento da aludida cláusula e naturalmente do poder de polícia da ANP para tanto, desde que fosse reconhecido o descumprimento do contrato.

Contudo, estou em que não há mais utilidade-necessidade da jurisdição nesse caso, haja vista que, logo após o ajuizamento da presente execução fiscal (20/07/2017), a ANP firmou Compromisso Arbitral (submissão à arbitragem), em 08/05/2018 (evento 37, ANEXO2, fl. 08 - item 8), tendo sido proferida a sentença arbitral em 04/10/2021(evento 37, ANEXO2)

Assim, a submissão da matéria ao juízo arbitral, mediante o compromisso arbitral foi um ato voluntário da ANP, de modo que sua atitude posterior (interposição do recurso de apelação) visando o prosseguimento da execução fiscal, soa, no mínimo contraditório ("venire contra factum proprium"). Ressalte-se, inclusive, que a apelante requereu a desistência do recurso, o que ratifica a falta de interesse superveniente no julgamento pela Justiça Federal (evento 37, PET1).

Por tais razões, estou em que, no caso, deve ser mantida a extinção do processo, sem resolução do mérito, vez que adotada a via alternativa da arbitragem, com a formação de um novo título executivo, com a mesma eficácia da sentença judicial (art. 31 da Lei n. 9.703/96), que poderá ser executada posteriormente, caso não cumprida, voluntariamente, pela apelada.

Nos exatos termos do art. 485, inciso VII, do CPC “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VII-acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer a sua competência”, impondo ao Poder Judiciário a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do aludido art. 485, inciso VII do CPC.

Diante do exposto, peço venia ao eminente Relator, para dele divergir, e voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso. Majoro os honorários advocatícios em 10% sobre o valor fixado na sentença.



Documento eletrônico assinado por FERREIRA NEVES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001024503v34 e do código CRC 7a311654.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FERREIRA NEVES
Data e Hora: 26/7/2022, às 16:2:26

 


 

Processo n. 0150782-54.2017.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0150782-54.2017.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP

APELADO: BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZACAO DE PETROLEO LTDA.

EMENTA

Direito processual civil. Direito administrativo. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. CONVENÇÃO ARBITRAL. recurso não provido.

1 - Como já exposto pelo ilustrado Relator, “Trata-se de Apelação Cível interposta pela Exequente, AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP -, contra Sentença de fls. 484/490 que acolheu a exceção de pré-executividade de fls. 29/41 e julgou extinta a Execução Fiscal ajuizada em face de BRAZALTA BRASIL NORTE COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO LTDA., reconhecendo a inexigibilidade da CDA exequenda, por entender que o débito deveria ser submetido à prévia arbitragem antes da sua execução forçada”. 

2 - No caso, em que pesem os argumentos expostos pelo Douto Relator, peço vênia para dissentir do entendimento professado. Com  efeito, a  despeito  de  se  tratar  ou  não,  no  caso  concreto,  de  direitos indisponíveis, impende salientar que o Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando entendimento de "competência exclusiva do Juízo convencional na fase inicial do procedimento arbitral", havendo a "possibilidade de exame pelo Judiciário somente após a sentença arbitral". 

3.Ademais, como bem ressaltado na sentença, cujos fundamentos adoto, também, como razões de decidir: “(...) a presente execução fiscal, embasada pela CDA nº 30217000772 (fls.3/4) visa à cobrança de multa decorrente de auto de infração pelo descumprimento de cláusula prevista no contrato de concessão nº 48610.001396/2008-16 (BT-ES-39), trazido aos autos a fls. 58 e seguintes. Depois de findo o processo administrativo, em junho de 2016 a parte Executada foi notificada do resultado que lhe foi desfavorável, sendo instada a pagar a dívida, conforme fls. 401. Não paga a dívida no prazo legal, esta foi inscrita em DAU em 14/02/2017 (fls. 417). Após ajuizada a presente execução fiscal para a cobrança da dívida, a parte executada requereu administrativamente, em 02/03/2018, a constituição do tribunal arbitral ad hoc para solucionar a disputa decorrente da aplicação da multa.(...) submissa à arbitragem pactuada ou não. A parte executada sustenta que se trata de direito patrimonial disponível, enquanto a parte exequente sustenta que a aplicação de multa, decorrente do direito administrativo sancionador seria indisponível. Embora não haja controvérsia acerca de a possibilidade de a Administração Pública Federal direta e indireta se submeter contratualmente à arbitragem, cabe trazer aos autos a norma legal que atualmente prevê tal faculdade, condicionando o compromisso arbitral a direitos patrimoniais disponíveis; confira-se o art. 1º, §1º da Lei nº 9.307/96, incluído pela Lei nº 13.129/2015: § 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.(...) Todavia, entendo que o caso revela-se análogo, podendo-se invocar tal jurisprudência como reforço da fundamentação já expendida, uma vez que os dados relevantes são iguais: (i) existência de CDA que embasa a execução fiscal, cuja inexigibilidade é invocada pela inobservância do compromisso arbitral previsto em contrato de concessão e (ii) natureza da dívida ativa ser não tributária, o que a caracterizaria como direito patrimonial disponível ou indisponível transigível, o que autoriza a submissão da controvérsia à esfera da arbitragem.

4. Diante do exposto, pedindo vênia ao ilustre Relator, voto no sentido de negar provimento ao recurso, majorando a verba honoraria em 1% (um por cento), sobre o valor fixado na sentença, na forma do disposto no art. 85, §11 do CPC/2015.

5. 3. Recurso conhecido e desprovido. Honorários majorados em 1% sobre o valor atualizado da causa.

ACÓRDÃO

 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, em sua composição ampliada, por maioria, vencidos o RELATOR, vencidos o DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO PEREIRA DA SILVA, negar provimento ao recurso.

 

Rio de Janeiro, 22 de junho de 2023.



Documento eletrônico assinado por MARCELO DA FONSECA GUERREIRO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001605299v6 e do código CRC 3e87a756.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO DA FONSECA GUERREIRO
Data e Hora: 8/11/2023, às 12:56:17