Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 0131148-14.2013.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES

PARTE AUTORA: LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES (AUTOR)

PARTE AUTORA: CRISTIANO BARRETTO FIGUEIREDO (AUTOR)

PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

PARTE RÉ: INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E ENSINO SUPERIOR S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária da sentença (evento 221), proferida nos autos de Ação Popular, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI do CPC.

Na origem, cuida-se de Ação Popular, proposta por LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES e CRISTIANO BARRETTO FIGUEIREDO, em face da UNIÃO FEDERAL e da ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DO LITORAL SANTISTA – AELIS (posteriormente transformada em sociedade anônima denominada INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E CULTURA UNIMONTE S/A) para fins de anular  o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) concedido à AELIS, com validade entre o período de 20/10/05 a 19/10/08, com fundamento no artigo 37 da MP 446, e nos termos da Resolução CNAS nº 3, de 23/01/09, publicada no DOU de 26/01/09, “item 1.159”, no âmbito do processo nº 71010.002121/2005-38.

Na inicial, os autores informam que em  07/11/08, o Poder Executivo editou a MP 446, que em seu art.37 permitiu a renovação dos pedidos de CEBAS pendentes de apreciação no CNAS quando da data da sua publicação, sem a necessidade de qualquer análise. Diante dos graves vícios de ordem formal e, principalmente, material, de que padecia a MP 446, a Câmara dos Deputados arquivou a famigerada Medida Provisória.

Mesmo perdendo a competência para deferir CEBAS – que passou para os Ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social e Combate à Fome – mas ao fundamento de que apenas tornava público os processos atingidos pela MP 446, foram editadas resoluções deferindo mais de 7.100 (sete mil e cem) CEBAS sem qualquer análise (art. 37 da MP), muitos deles anteriormente indeferidos (art. 39), e vários com recomendação de indeferimento (parágrafo único do art. 37), entre as quais foi editada a Resolução CNAS nº 3, de 23/01/09, publicada no DOU de 26/01/09 (doc. 2), que contemplou a AELIS (leia-se, UNIMONTE S/A) com um CEBAS com validade para o período de 20/10/05 a 19/10/08.

Alegam que mesmo após a MP 446 ter sido rejeitada pelo Congresso Nacional por vício de inconstitucionalidade formal, o CNAS continuou considerando como válidos os CEBAS deferidos pelos art. 37 e 39 da MP 446, ao fundamento da ausência de edição de decreto legislativo (art. 62, § 3º, CF/88).

Afirmam que a ilegalidade do CEBAS impugnado pode ser demonstrada em 7 (SETE) causas de pedir, quaisquer delas suficiente para anulá-lo: (i) o art. 37 da MP 446 não beneficiou o processo administrativo nº 71010.002121/2005-38, consequentemente, restando incompetente o presidente do CNAS para deferir o CEBAS; (ii) inconstitucionalidade formal e/ou material do art. 37 da MP 446; (iii) inconstitucionalidade de se manter como válido o CEBAS após a rejeição da MP 446; (iv) ilegalidade da concessão de CEBAS pelo presidente da República; (v) a AELIS não era “entidade beneficente de assistência social”, e não podia portar CEBAS; (vi) ausência de prévia inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social de Santos; (vii) a AELIS não atendeu, cumulativamente, os requisitos do CEBAS no triênio anterior ao requerimento.

Atribuem à causa o valor de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), que é uma estimativa do montante de contribuições da seguridade social (cota patronal, SAT, COFINS, CPMF, CSLL e PIS) e terceiros (SESC, SENAC, SEBRAE, FNDE, etc.), além dos consectários legais, equivalente a três anos de isenção/imunidade desses tributos devido inquestionavelmente pela AELIS, atual UNIMONTE S/A, caso o CEBAS impugnado seja anulado.

Após a apresentação de contestações pelas rés e manifestação do MPF a favor da extinção do feito sem resolução do mérito, o juízo de origem proferiu sentença, em 21/05/2020, julgando extinta a ação popular por perda superveniente do interesse de agir (art.485, VI do CPC/15), em razão da ausência da necessidade da tutela jurisdicional, eis que a declaração de nulidade não tem o condão de afastar a imunidade das contribuições sociais eventualmente concedida.

As partes deixaram de apelar da sentença, que se sujeita à remessa necessária (art. 19 da Lei nº 4.717/65).

Em parecer (evento 5), a Procuradoria Regional da República fundamentou que, ainda que a luz do referido julgado RE 566622 do STF, expressamente referido na sentença, não se sustenta a tese de inconstitucionalidade do art. 55, II, da Lei 8.212/91, na redação original e nas redações que lhe foram dadas pelo art. 5º da Lei nº 9.429/1996 e pelo art. 3º da Medida Provisória n. 2.187-13/2001, restando presente o interesse de agir dos autores populares, demonstrada a lesão ao erário, com o consequente e necessário julgamento de procedência da ação popular, aplicado o art. 1. 013,§3º do CPC, opinando, portanto, a favor da anulação/reforma da sentença e da devolução da matéria de mérito propriamente dito a este TRF2.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Os autores pretendem que seja declarada a nulidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) concedido à segunda ré, com validade para o período de 20/10/05 a 19/10/08, com base no art. 37 da MP 446/08, tornado público pela Res. CNAS nº 3, de 23/01/2009, publicada no DOU de 26/01/2009.

Acerca da alegada inconstitucionalidade formal e/ou material da MP nº 446/2008, sabe-se que a mencionada MP foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que as relações jurídicas dela decorrentes não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional, conforme prevê o § 3º do art. 62 da Constituição Federal de 1988.

Todavia, conquanto tenha perdido sua eficácia desde o momento de sua edição (efeito ex tunc), seus efeitos foram convalidados e, assim, continuou regulando, com força de lei, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados na sua vigência, na forma do § 11 do art. 62, da Carta Maior (STF, RE nº 924.668/RS, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 4.12.2017; STF, RE 1.152.200/RS, Relator Ministro EDSON FACHIN, julgado em 29.08.2018, DJe 03.09.2018; RE 1.151.894/RS, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 14.08.2018, DJe 20/08/2018).

Por outro lado, sobre os pressupostos constitucionais de relevância e urgência de medida provisória, importa ressaltar que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que descabe o exame de mérito de tais requisitos pelo Poder Judiciário, tendo em conta tratar-se de questão revestida de caráter eminentemente político, afeta à discricionariedade do Poder Executivo, cuja análise, pelo Judiciário, deve ocorrer, tão somente, em hipóteses excepcionais, quais sejam, nos casos em que a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva, ou quando restar caracterizado o manifesto abuso na utilização dos mencionados pressupostos. Nesse sentido, também em situação análoga ao caso sub judice, decidiu o C. STF, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DE CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CEBAS. MEDIDA PROVISÓRIA 446/2008. REQUISITOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO APENAS EM CARÁTER EXCEPCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A verificação pelo Poder Judiciário da presença dos requisitos de relevância e urgência para a adoção de medida provisória apenas pode ser realizada em hipóteses excepcionais, nas quais seja constatado evidente abuso do Poder Executivo. II – A concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS no período de vigência da Medida Provisória 446/2008 não exime a entidade beneficiária de implementar os demais requisitos legais para fruição da imunidade prevista no art. 195, § 7°, da Constituição Federal. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AgR no RE 994.739/RS, Segunda Turma, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 29.6.2018, DJe 6.8.2018).

Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Tributário e Constitucional. 3. Imunidade tributária. Renovação automática de certificado de entidade beneficente de assistência social CEBAS. 4. Art. 37 da Medida Provisória 446/2008. Suposta inconstitucionalidade formal e material. Ausência de abuso do poder discricionário. 5. Inexistência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 909.718/RS, Segunda Turma, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 9.4.2018).

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DE CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - CEBAS. ARTIGO 37 DA MEDIDA PROVISÓRIA 446/2008. SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. URGÊNCIA E RELEVÂNCIA. MATÉRIA QUE SÓ PODE SER EXAMINADA PELO PODER JUDICIÁRIO QUANDO A AUSÊNCIA DE REFERIDOS PRESSUPOSTOS FOR INQUESTIONÁVEL. HIPÓTESE QUE NÃO SE VISLUMBRA NOS AUTOS. SUPOSTO DANO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DO FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF. AGRAVO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STF, AgR no RE 954.301/RS, Primeira Turma, Relator Ministro LUIZ FUX, julgado em 30.6.2017, DJe 2 4.8.2017).

Portanto, descabe, nesta seara, o debate acerca da conveniência e oportunidade em relação à Medida Provisória nº 446/2008, salvo se demonstrada, vale repisar, a ocorrência de desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, ônus do qual não se desincumbiu o autor. De mais a mais, não compete ao Poder Judiciário definir tal ou qual conduta a Administração Pública deve adotar para alcançar específica finalidade pública, vez que as questões de natureza político-administrativa cabem exclusivamente, como dito, ao Chefe do Poder Executivo. Neste ponto, aliás, caberia ao Poder Legislativo, a quem incumbe a fiscalização permanente do Poder Executivo, ao rejeitar a referida Medida Provisória, ter regulado as relações jurídicas dela decorrentes, o que não ocorreu (TRF4, AC 5001894- 26.2014.4.04.7100/RS, 4ª Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, julgado em 29.6.2016).

Logo, as relações jurídicas surgidas no período de vigência da rejeitada Medida Provisória permanecem por ela regidas, bem assim pelas Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social, adotadas com fundamento no art. 37 da MP nº 446/2008.

Por outro lado, observo, também, que, na hipótese, não restou comprovada a efetiva lesão ao patrimônio público. É que, a despeito das renovações autorizadas não só pela Resolução CNAS nº 03/2009, mas por outras resoluções que se seguiram, inexiste, para as entidades assistenciais, o direito adquirido ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), ou tampouco a posse de tal documento constitui o único requisito para a concessão da imunidade das contribuições sociais prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88.

Atualmente, como cediço, as entidades beneficentes devem se adequar aos ditames da Lei nº 12.101/2009, que estabelece os procedimentos para a obtenção da referida certificação e para gozo da isenção de contribuições para a seguridade social e de terceiros, conforme se depreende dos artigos 31, 32 e 36 do mencionado diploma legal, in verbis: “Art. 31. O direito à isenção das contribuições sociais poderá ser exercido pela entidade a contar da data da publicação da concessão de sua certificação, desde que atendido o disposto na Seção I deste Capítulo. Art. 32. Constatado o descumprimento pela entidade dos requisitos indicados na Seção I deste Capítulo, a fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil lavrará o auto de infração relativo ao período correspondente e relatará os fatos que demonstram o não atendimento de tais requisitos para o gozo da isenção. § 1º Considerar-se-á automaticamente suspenso o direito à isenção das contribuições referidas no art. 31 durante o período em que se constatar o descumprimento de requisito na forma deste artigo, devendo o lançamento correspondente ter como termo inicial a data da ocorrência da infração que lhe deu causa. § 2º O disposto neste artigo obedecerá ao rito do processo administrativo fiscal vigente. (...) Art. 36. Constatada a qualquer tempo alguma irregularidade, considerar-se-á cancelada a certificação da entidade desde a data de lavratura da ocorrência da infração, sem prejuízo da exigibilidade do crédito tributário e das demais sanções previstas em lei.”

Ainda sobre o tema, decidiu a Segunda Turma do C. STF, ao julgar o RMS nº 26932/DF (Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, julgado em 1.12.2009, DJe 5.2.2010), no sentido de que “ nenhuma imunidade tributária é absoluta”, pois “não há direito adquirido a regime jurídico relativo à imunidade tributária. A concessão de Certificado de Entidade Beneficente – CEBAS não imuniza a instituição contra novas verificações ou exigências, nos termos do regime jurídico aplicável no momento em que o controle é efetuado”. Tal entendimento restou cristalizado no verbete da Súmula n. 352 do STJ, verbis:

“A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”.

Seguindo o entendimento do Tribunal Pleno, e analisando caso semelhante ao veiculado nos presentes autos, decidiu no RE 1.038.307/RS (Relator Ministro ROBERTO BARROSO, em 10.5.2017), a Suprema Corte, verbis:

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim ementado:

‘ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CABIMENTO. CEBAS. MP Nº 446/2008. 1. Cabe à Administração Pública e não ao Judiciário verificar o efetivo cumprimento dos requisitos para obtenção do CEBAS, sob pena de trazer para o Poder Judiciário esta análise. 2. Os requisitos de relevância e urgência para edição de medida provisória são de apreciação discricionária do Chefe do Poder Executivo, não cabendo, salvo os casos de excesso de poder, seu exame pelo Poder Judiciário. 3. As relações jurídicas estabelecidas sob a vigência da MP nº 446/08 permanecem por ela regidas, sendo certo que a renovação automática do certificado de entidade beneficente de assistência social não tem o condão de eximir a entidade beneficiária de implementar os demais requisitos legais para fruição da imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal.’ O recurso busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação aos arts. 5º; 37; 62, §§ 3º e 11; 170; 195, caput, e § 7º, todos da Carta. Sustenta que: (i) há inconstitucionalidade formal e material do posteriormente rejeitado artigo 37 da Medida Provisória nº 446/2008; (ii) não é possível a manutenção da validade dos Certificados de entidade beneficente de assistência social (CEBAS) deferidos com amparo na Medida Provisória nº 446/2008, após a sua rejeição pelo congresso Nacional.

O recurso está prejudicado. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 566.622-RS, decidiu que somente Lei  Complementar pode estabelecer requisitos para a concessão de imunidade tributária. Naquela assentada, foi fixada a seguinte tese, para fins de repercussão geral: ‘Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar’. Dessa forma, com o julgamento do mencionado recurso, realizado sob a sistemática da repercussão geral, os requisitos necessários para a fruição da imunidade são aqueles previstos no art. 14, do Código Tributário Nacional. Em consequência, todos os requisitos elencados em lei ordinária, a exemplo da exigência do CEBAS, são inválidos, em razão de inconstitucionalidade formal”.

Na mesma linha, julgados das duas Turmas Especializadas em matéria Tributária desta Corte Regional, in verbis:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO POPULAR. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. OBTENÇÃO DE CEBAS NOS TERMOS DA MP N. 446/2008. AUSÊNCIA DE ATO LESIVO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. IMUNIDADE PRECONIZADA NO ART. 195, §7º, DA CF/88. DECORRÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI COMPLEMENTAR (ART. 14, CTN), E NÃO DA ALUDIDA MP. 1. À luz do atual entendimento sufragado pelo STF, os requisitos previstos no art. 55, incisos II (ser portador de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) e IV (não perceber seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruir vantagens ou benefícios a qualquer título), da Lei 8.212/91, extrapolam aqueles estampados no art. 14 do CTN, em flagrante ofensa ao art. 146, II, da Lex Mater, tendo sido a inconstitucionalidade do dispositivo reconhecida pela Corte Suprema quando do julgamento do RE n. 566.622. 2. A teor do entendimento firmado na Corte Maior, no RE n. 566.622, o CEBAS não se revela requisito prévio para que a entidade beneficente de assistência social venha fazer jus à imunidade contemplada no art. 195, §7º, da Lex Mater, sendo necessário atender, previamente, ao revés, como visto alhures, os requisitos estabelecidos em lei complementar (atualmente o art. 14 do CTN, aplicável por analogia), a serem analisados pela Administração Tributária, razão pela qual o art. 37 da Medida Provisória n. 446/2008 não goza de inconstitucionalidade. 3. A renovação automática do CEBAS por Medida Provisória n. 446/2008, por si só, não garante às entidades beneficentes o gozo da imunidade das contribuições sociais, porquanto esta não se confunde com aquela. 4. Os deferimentos dos pedidos de renovação dos CEBAS estabelecidos pela Medida Provisória em tela não tiveram o condão de estender às entidades beneficentes de assistência social o direito constitucional à imunidade tributária, a que se refere o art. 195, §7º, da Carta Magna, vez que, conforme já exposto, a mera concessão do CEBAS não confere o direito ao gozo da imunidade. 5. Inexiste, portanto, lesão ao erário, porquanto a concessão do CEBAS não  é sequer requisito prévio exigido para a imunidade tributária assegurada no art. 195, §7º, da Constituição da República. 6. O art. 1º da Lei n. 4.717/65 confere ao cidadão a possibilidade de se insurgir contra atos lesivos ao patrimônio público, o que, efetivamente, não se vislumbra nos autos, como delineado acima, impondo-se julgar improcedente o pedido na presente ação popular. 7. Remessa oficial não conhecida, porquanto a sentença foi de procedência da ação popular, e não de improcedência (art. 19, caput, da Lei 4.717/65). 8. Apelos interpostos pela ASSOCIAÇÃO CIVIL DAS SERVAS DE MARIA DO BRASIL e pela UNIÃO FEDERAL providos, para julgar improcedente o pedido deduzido na ação popular. Recurso de apelação interposto por LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES a que se nega provimento. (AC 0140584-94.2013.4.02.5101, Terceira Turma Especializada, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, julgado em 21.6.2018, e-DJF2R 25.6.2018).

 

AÇÃO POPULAR. MEDIDA CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS). DIREITO ADQUIRIDO À RENOVAÇÃO DO CEBAS CONFERIDO EM ACÓRDÃO DO STJ. COISA JULGADA. (...) 2 – Como a apelante possui o CEBAS desde 1971, e considerando que o MS nº 9.476-DF que lhe conferiu esse direito à manutenção ou renovação do aludido certificado transitou em julgado em 05/07/2007, resta configurada a coisa julgada, não importando o período a que se refere o CEBAS. 3 – Por outro lado, os requisitos legais necessários à caracterização de entidade beneficente de assistência social, a fim de usufruir da imunidade do recolhimento de contribuições destinadas à Seguridade Social estão insculpidos no artigo 195, parágrafo 7º da Constituição Federal, nos arts. 9º e 14 do CTN e no artigo 55 da Lei nº 8.212/91 (este último declarado inconstitucional recentemente pelo STF). 4 – O certificado de filantropia constitui apenas um dos requisitos exigidos pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91 (que foi declarado inconstitucional pelo STF) para a concessão da imunidade. 5 – O fato de a apelante ter o direito à renovação do CEBAS, por si só, não causa nenhuma lesão ao erário, haja vista a obrigatoriedade da Fazenda Pública em apreciar o cumprimento dos outros requisitos para a concessão da imunidade. 6 – Apelações [da UNIÃO FEDERAL e da entidade beneficente ré] providas. Recurso adesivo [do autor popular] prejudicado. (AC 0003421- 40.2011.4.02.5102, Quarta Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, julgado em 13.6.2017, eDJF2R 21.6.2017).

Importa esclarecer, por oportuno, que não se reconhece, no caso vertente, qualquer imunidade e/ou isenção da entidade assistencial ré, em relação a qualquer tributo e/ou contribuição social. Como destacado, cabe à entidade assistencial, para o gozo da imunidade constitucional, cumprir a exigências dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional e/ou outros que venham a ser exigidos por Lei Complementar, bem assim os ditames da Lei nº 12.101/2009, que “dispõe sobre a certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e regula os procedimentos para a isenção de contribuições para a seguridade social”.

Posto isso, voto por negar provimento à remessa necessária.



Documento eletrônico assinado por LUIZ ANTONIO SOARES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000689908v2 e do código CRC 1bd70255.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO SOARES
Data e Hora: 29/10/2021, às 7:56:16

 


 

Processo n. 0131148-14.2013.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 0131148-14.2013.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES

PARTE AUTORA: LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES (AUTOR)

PARTE AUTORA: CRISTIANO BARRETTO FIGUEIREDO (AUTOR)

PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

PARTE RÉ: INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E ENSINO SUPERIOR S/A (RÉU)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO POPULAR. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. CEBAS. RENOVAÇÃO. MP Nº 446/2008. PERDA DA EFICÁCIA. RELAÇÕES JURÍDICAS CONVALIDADAS DURANTE SUA VIGÊNCIA. PRECEDENTES DO STF. MEDIDA PROVISÓRIA. RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO. ANÁLISE JURISDICIONAL EXCEPCIONAL.

1. Os autores pretendem que seja declarada a nulidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) concedido à segunda ré, com validade para o período de 20/10/05 a 19/10/08, com base no art. 37 da MP 446/08, tornado público pela Res. CNAS nº 3, de 23/01/2009, publicada no DOU de 26/01/2009.

2. Acerca da alegada inconstitucionalidade formal e/ou material da MP nº 446/2008, sabe-se que a mencionada MP foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que as relações jurídicas dela decorrentes não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional, conforme prevê o § 3º do art. 62 da Constituição Federal de 1988.

3. Todavia, conquanto tenha perdido sua eficácia desde o momento de sua edição (efeito ex tunc), seus efeitos foram convalidados e, assim, continuou regulando, com força de lei, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados na sua vigência, na forma do § 11 do art. 62, da Carta Maior (STF, RE nº 924.668/RS, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 4.12.2017; STF, RE 1.152.200/RS, Relator Ministro EDSON FACHIN, julgado em 29.08.2018, DJe 03.09.2018; RE 1.151.894/RS, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 14.08.2018, DJe 20.08.2018).

4. Por outro lado, sobre os pressupostos constitucionais de relevância e urgência de medida provisória, importa ressaltar que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que descabe o exame de mérito de tais requisitos pelo Poder Judiciário, tendo em conta tratar-se de questão revestida de caráter eminentemente político, afeta à discricionariedade do Poder Executivo, cuja análise, pelo Judiciário, deve ocorrer, tão somente, em hipóteses excepcionais, quais sejam, nos casos em que a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva, ou quando restar caracterizado o manifesto abuso na utilização dos mencionados pressupostos. Nesse sentido, em situação análoga, decidiu o C. STF: AgR no RE 994.739/RS, Segunda Turma, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 29.6.2018, DJe 6.8.2018; RE 909.718/RS, Segunda Turma, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 9.4.2018; AgR no RE 954.301/RS, Primeira Turma, Relator Ministro LUIZ FUX, julgado em 30.6.2017, DJe 4.8.2017.

5. Descabe, nesta seara, o debate acerca da conveniência e oportunidade em relação à Medida Provisória nº 446/2008, salvo se demonstrada, vale repisar, a ocorrência de desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, ônus do qual não se desincumbiu o autor.

6. Não compete ao Poder Judiciário definir tal ou qual conduta a Administração Pública deve adotar para alcançar específica finalidade pública, vez que as questões de natureza político administrativa cabem exclusivamente, como dito, ao Chefe do Poder Executivo. Neste ponto, aliás, caberia ao Poder Legislativo, a quem incumbe a fiscalização permanente do Poder Executivo, ao rejeitar a referida Medida Provisória, ter regulado as relações jurídicas dela decorrentes, o que não ocorreu (TRF4, AC 5001894- 26.2014.4.04.7100/RS, 4ª Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, julgado em 29.6.2016).

7. As relações jurídicas surgidas no período de vigência da rejeitada Medida Provisória permaneceram por ela regidas, bem assim pelas Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social, adotadas com fundamento no art. 37 da MP nº 446/2008.

8. Na hipótese, não restou comprovado a efetiva lesão ao patrimônio público. A despeito das renovações autorizadas não só pela Resolução CNAS nº 03/2009, mas por outras resoluções que se seguiram, inexiste, para as entidades assistenciais, o direito adquirido ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), ou tampouco a posse de tal documento constitui o único requisito para a concessão da imunidade das contribuições sociais prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88.

9. Atualmente, como cediço, as entidades beneficentes devem se adequar os ditames da Lei nº 12.101/2009, que estabelece os procedimentos para a obtenção da referida certificação e para o gozo da isenção de contribuições para a seguridade social e de terceiros, conforme se depreende dos artigos 31, 32 e 36 do mencionado diploma legal.

10. Ainda sobre o tema, decidiu a Segunda Turma do C. STF, ao julgar o RMS nº 26932/DF (Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, julgado em 1.12.2009, DJe 5.2.2010), no sentido de que “nenhuma imunidade tributária é absoluta”, pois “não há direito adquirido a regime jurídico relativo à imunidade tributária. A concessão de Certificado de Entidade Beneficente – CEBAS não imuniza a instituição contra novas verificações ou exigências, nos termos do regime jurídico aplicável no momento em que o controle é efetuado”. Tal entendimento restou cristalizado no verbete da Súmula n. 352 do STJ, verbis: “A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”. No mesmo sentido, julgando casos semelhantes, decidiram as duas Turmas Especializadas em matéria Tributária desta Corte Regional: AC 0140584- 94.2013.4.02.5101, Terceira Turma Especializada, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, julgado em 21.6.2018, e-DJF2R 25.6.2018; AC 0003421-40.2011.4.02.5102, Quarta Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, julgado em 13.6.2017, e-DJF2R 21.6.2017).

11. Importa esclarecer, por oportuno, que não se reconhece, no caso vertente, qualquer imunidade e/ou isenção da entidade assistencial ré em relação a qualquer tributo e/ou contribuição social. Como destacado, cabe à entidade assistencial, para o gozo da imunidade constitucional, cumprir as exigências dos artigos 9º e 14, do Código Tributário Nacional e/ou outros que venham a ser exigidos por Lei Complementar, bem assim os ditames da Lei nº 12.101/2009, que “dispõe sobre a certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e regula os procedimentos para a isenção de contribuições para a seguridade social”.

12. Remessa necessária não provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2021.



Documento eletrônico assinado por LUIZ ANTONIO SOARES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000689909v3 e do código CRC c5caed8c.

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Processo n. 0131148-14.2013.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 0131148-14.2013.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES

PARTE AUTORA: LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES (AUTOR)

PARTE AUTORA: CRISTIANO BARRETTO FIGUEIREDO (AUTOR)

PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

PARTE RÉ: INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E ENSINO SUPERIOR S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do acórdão que deixou de reconhecer da remessa necessária, nos termos da ementa a seguir:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO POPULAR. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. CEBAS. RENOVAÇÃO. MP Nº 446/2008. PERDA DA EFICÁCIA. RELAÇÕES JURÍDICAS CONVALIDADAS DURANTE SUA VIGÊNCIA. PRECEDENTES DO STF. MEDIDA PROVISÓRIA. RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO. ANÁLISE JURISDICIONAL EXCEPCIONAL.

1. Os autores pretendem que seja declarada a nulidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) concedido à segunda ré, com validade para o período de 20/10/05 a 19/10/08, com base no art. 37 da MP 446/08, tornado público pela Res. CNAS nº 3, de 23/01/2009, publicada no DOU de 26/01/2009.

2. Acerca da alegada inconstitucionalidade formal e/ou material da MP nº 446/2008, sabe-se que a mencionada MP foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que as relações jurídicas dela decorrentes não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional, conforme prevê o § 3º do art. 62 da Constituição Federal de 1988.

3. Todavia, conquanto tenha perdido sua eficácia desde o momento de sua edição (efeito ex tunc), seus efeitos foram convalidados e, assim, continuou regulando, com força de lei, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados na sua vigência, na forma do § 11 do art. 62, da Carta Maior (STF, RE nº 924.668/RS, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 4.12.2017; STF, RE 1.152.200/RS, Relator Ministro EDSON FACHIN, julgado em 29.08.2018, DJe 03.09.2018; RE 1.151.894/RS, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 14.08.2018, DJe 20.08.2018).

4. Por outro lado, sobre os pressupostos constitucionais de relevância e urgência de medida provisória, importa ressaltar que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que descabe o exame de mérito de tais requisitos pelo Poder Judiciário, tendo em conta tratar-se de questão revestida de caráter eminentemente político, afeta à discricionariedade do Poder Executivo, cuja análise, pelo Judiciário, deve ocorrer, tão somente, em hipóteses excepcionais, quais sejam, nos casos em que a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva, ou quando restar caracterizado o manifesto abuso na utilização dos mencionados pressupostos. Nesse sentido, em situação análoga, decidiu o C. STF: AgR no RE 994.739/RS, Segunda Turma, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 29.6.2018, DJe 6.8.2018; RE 909.718/RS, Segunda Turma, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 9.4.2018; AgR no RE 954.301/RS, Primeira Turma, Relator Ministro LUIZ FUX, julgado em 30.6.2017, DJe 4.8.2017.

5. Descabe, nesta seara, o debate acerca da conveniência e oportunidade em relação à Medida Provisória nº 446/2008, salvo se demonstrada, vale repisar, a ocorrência de desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, ônus do qual não se desincumbiu o autor.

6. Não compete ao Poder Judiciário definir tal ou qual conduta a Administração Pública deve adotar para alcançar específica finalidade pública, vez que as questões de natureza político administrativa cabem exclusivamente, como dito, ao Chefe do Poder Executivo. Neste ponto, aliás, caberia ao Poder Legislativo, a quem incumbe a fiscalização permanente do Poder Executivo, ao rejeitar a referida Medida Provisória, ter regulado as relações jurídicas dela decorrentes, o que não ocorreu (TRF4, AC 5001894- 26.2014.4.04.7100/RS, 4ª Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, julgado em 29.6.2016).

7. As relações jurídicas surgidas no período de vigência da rejeitada Medida Provisória permaneceram por ela regidas, bem assim pelas Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social, adotadas com fundamento no art. 37 da MP nº 446/2008.

8. Na hipótese, não restou comprovado a efetiva lesão ao patrimônio público. A despeito das renovações autorizadas não só pela Resolução CNAS nº 03/2009, mas por outras resoluções que se seguiram, inexiste, para as entidades assistenciais, o direito adquirido ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), ou tampouco a posse de tal documento constitui o único requisito para a concessão da imunidade das contribuições sociais prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88.

9. Atualmente, como cediço, as entidades beneficentes devem se adequar os ditames da Lei nº 12.101/2009, que estabelece os procedimentos para a obtenção da referida certificação e para o gozo da isenção de contribuições para a seguridade social e de terceiros, conforme se depreende dos artigos 31, 32 e 36 do mencionado diploma legal.

10. Ainda sobre o tema, decidiu a Segunda Turma do C. STF, ao julgar o RMS nº 26932/DF (Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, julgado em 1.12.2009, DJe 5.2.2010), no sentido de que “nenhuma imunidade tributária é absoluta”, pois “não há direito adquirido a regime jurídico relativo à imunidade tributária. A concessão de Certificado de Entidade Beneficente – CEBAS não imuniza a instituição contra novas verificações ou exigências, nos termos do regime jurídico aplicável no momento em que o controle é efetuado”. Tal entendimento restou cristalizado no verbete da Súmula n. 352 do STJ, verbis: “A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”. No mesmo sentido, julgando casos semelhantes, decidiram as duas Turmas Especializadas em matéria Tributária desta Corte Regional: AC 0140584- 94.2013.4.02.5101, Terceira Turma Especializada, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, julgado em 21.6.2018, e-DJF2R 25.6.2018; AC 0003421-40.2011.4.02.5102, Quarta Turma Especializada, Relator Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, julgado em 13.6.2017, e-DJF2R 21.6.2017).

11. Importa esclarecer, por oportuno, que não se reconhece, no caso vertente, qualquer imunidade e/ou isenção da entidade assistencial ré em relação a qualquer tributo e/ou contribuição social. Como destacado, cabe à entidade assistencial, para o gozo da imunidade constitucional, cumprir as exigências dos artigos 9º e 14, do Código Tributário Nacional e/ou outros que venham a ser exigidos por Lei Complementar, bem assim os ditames da Lei nº 12.101/2009, que “dispõe sobre a certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e regula os procedimentos para a isenção de contribuições para a seguridade social”.

12. Remessa necessária não provida.

Preliminarmente, o Ministério Público Federal alega a necessidade da oposição dos presentes embargos para fins de prequestionamento da matéria, e posterior interposição dos recursos extraordinário e especial.

Aduz que o acórdão incorreu em contradição, pois se ateve ao equívoco fundamento de que não há que se falar em ato lesivo ao patrimônio público com a concessão do CEBAS com fundamento no art. 37 da MP 446, uma vez que o certificado não é o único documento a ser analisado para fins de reconhecimento da imunidade tributária, devendo para tanto, ser observado o cumprimento dos demais requisitos legais (art.14, CTN).

Sustenta que “para fazer jus ao reconhecimento como entidade beneficente de assistência social, à luz do conceito exposto na legislação pertinente, especialmente pela caracterização dos requisitos de ordem material expostos no art. 14 do CTN e repisados no art. 55 da Lei 8.212/91, então vigente (antes de ser revogada pela Lei 12.101/09), no que tange aos aspectos formais de verificação da imunidade, há de se ter CEBAS regular e cumprir com as exigências ali constantes”.

Afirma que, “conquanto o art. 37 da MP em questão não conceda automaticamente a imunidade tributária, ele atribui às entidades um de seus requisitos e o faz sem análise alguma de mérito porquanto o defere indistintamente a todas aquelas que o requereram. E, diante da própria rejeição da MP em tela pela sua inconstitucionalidade, a renovação automática do CEBAS da ora recorrida é, em si, um ato nulo de pleno direito pois praticado com base em norma manifestamente inconstitucional, não podendo o Certificado produzir efeito jurídico algum, configurando-se a lesão ao patrimônio público com a sua manutenção, ex vi dos arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65, igualmente violados pelo acórdão recorrido”.

Dispõe que o acórdão não mencionou, nem tampouco enfrentou os dispositivos legais acima transcritos, que são base de regência da ação popular, bem como se omitiu quanto ao dispositivo do art. 14 do CTN, que é base legal de acórdãos de outros Tribunais e do STJ.

Requer, portanto, seja dado provimento aos presentes embargos, esclarecendo a Turma as omissões e contradição apontadas, pronunciando-se expressamente sobre a aplicação do art. 14 do CTN, bem como do art. 55, II, da Lei 8.212/91 diante do julgamento do RE 566.622/RS, MP 446/08 (ao tempo da sua vigência), assim como os arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), para fins de prequestionamento.

Em contrarrazões (evento 52), a União Federal requer seja negado provimento aos embargos, tendo em vista a ausência de omissões/contradições a serem sanadas.

Em suas contrarrazões (evento 53), os autores da Ação Popular informaram não ter interesse em contrarrazoar o recurso interposto pelo Ministério Público Federal.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Como é sabido, os embargos de declaração não comportam qualquer outra discussão, senão a correção das apontadas imperfeições verificadas no acórdão, de modo que nem mesmo se prestam, em regra, a imprimir efeito infringente ao julgado e, por via da consequência, alterar o resultado da parte dispositiva, a não ser que ao se sanar os vícios existentes seja propiciada a incidência desse efeito modificativo à decisão atacada.

É de se destacar, portanto, que os embargos de declaração não se prestam a corrigir possíveis erros de julgamento (STF, RE nº 194.662, Min. MARCO AURÉLIO, Pleno, julgado em 14/05/2015, Info-785). O efeito modificativo ou infringente dos embargos de declaração é medida excepcional, porquanto sua função típica não é a de modificar o resultado da decisão, mas sim a de esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material.

Conforme relatado, trata-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL em face do acórdão que negou provimento à remessa necessária de sentença, que julgou extinta a Ação Popular, sem resolução do mérito, por ausência de legitimidade/interesse processual (art. 485, VI do CPC/15).

Sustenta, em síntese, que o acórdão não mencionou, nem tampouco enfrentou, os arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65, que são base de regência da ação popular, bem como se omitiu quanto ao dispositivo do art. 14 do CTN, que é base legal de acórdãos de outros Tribunais e do STJ.

Afirma, ainda, que o acórdão foi contraditório ao considerar que a renovação do CEBAS com fundamento no art.37 da MP 446 não causou efetivo dano ao patrimônio público a justificar o ajuizamento da Ação Popular, mas, em contrapartida, reconheceu que o certificado deve ser analisado juntamente com os demais requisitos legais (art. 14, CTN) para fins de reconhecimento da imunidade tributária.

Pois bem.

Primeiramente, importante destacar que o juiz, ao proferir a decisão, não está obrigado a examinar todos os fundamentos de fato e de direito trazidos para discussão, podendo conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da atribuída, seja pelo autor, seja pelo réu, não se encontrando, portanto, obrigado a responder a todas as alegações das partes nem a mencionar o dispositivo legal em que fundamentou sua decisão, indicando tão só o fundamento de sua convicção no decidir.

No caso do acórdão em questão, convém considerar que houve a devida apreciação dos pontos atinentes à solução da lide, inexistindo, portanto, omissão, obscuridade, contradição ou erro material no julgado embargado.  Vejamos a seguir trechos do voto que comprovam a devida fundamentação conforme entendimento desta Turma Especializada:

[...]

Acerca da alegada inconstitucionalidade formal e/ou material da MP nº 446/2008, sabe-se que a mencionada MP foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que as relações jurídicas dela decorrentes não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional, conforme prevê o § 3º do art. 62 da Constituição Federal de 1988.

Todavia, conquanto tenha perdido sua eficácia desde o momento de sua edição (efeito ex tunc), seus efeitos foram convalidados e, assim, continuou regulando, com força de lei, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados na sua vigência, na forma do § 11 do art. 62, da Carta Maior (STF, RE nº 924.668/RS, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 4.12.2017; STF, RE 1.152.200/RS, Relator Ministro EDSON FACHIN, julgado em 29.08.2018, DJe 03.09.2018; RE 1.151.894/RS, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 14.08.2018, DJe 20/08/2018)

[...]

Logo, as relações jurídicas surgidas no período de vigência da rejeitada Medida Provisória permanecem por ela regidas, bem assim pelas Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social, adotadas com fundamento no art. 37 da MP nº 446/2008.

Por outro lado, observo, também, que, na hipótese, não restou comprovada a efetiva lesão ao patrimônio público. É que, a despeito das renovações autorizadas não só pela Resolução CNAS nº 03/2009, mas por outras resoluções que se seguiram, inexiste, para as entidades assistenciais, o direito adquirido ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), ou tampouco a posse de tal documento constitui o único requisito para a concessão da imunidade das contribuições sociais prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88.

[...]

Importa esclarecer, por oportuno, que não se reconhece, no caso vertente, qualquer imunidade e/ou isenção da entidade assistencial ré, em relação a qualquer tributo e/ou contribuição social. Como destacado, cabe à entidade assistencial, para o gozo da imunidade constitucional, cumprir a exigências dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional e/ou outros que venham a ser exigidos por Lei Complementar, bem assim os ditames da Lei nº 12.101/2009, que “dispõe sobre a certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e regula os procedimentos para a isenção de contribuições para a seguridade social”.

Diante do exposto, não há qualquer omissão ou contradição do acórdão a ser sanada mediante os presentes embargos, sendo possível constatar que o verdadeiro objetivo do embargante é modificar o que foi decidido na sentença, caracterizando uso inapropriado dos aclaratórios com a finalidade de obter o rejulgamento da causa, circunstância que impõe a rejeição do recurso.

Ora, não é demais lembrar que, quando há discordância da parte com o julgamento proferido, os embargos de declaração não consistem na via adequada para reapreciação da matéria, devendo o embargante buscar, neste caso, o instrumento processual adequado para tal fim.

Cumpre assinalar, finalmente, que o art. 1.025 do CPC/2015, esclarece que os elementos suscitados pelo embargante serão considerados incluídos no acórdão “para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Pelo exposto, ausente qualquer omissão ou contradição, voto por negar provimento aos embargos de declaração.



Documento eletrônico assinado por LUIZ ANTONIO SOARES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001095250v2 e do código CRC d20aaca0.

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Processo n. 0131148-14.2013.4.02.5101
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 0131148-14.2013.4.02.5101/RJ

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES

PARTE AUTORA: LUIZ CLAUDIO DE LEMOS TAVARES (AUTOR)

PARTE AUTORA: CRISTIANO BARRETTO FIGUEIREDO (AUTOR)

PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

PARTE RÉ: INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E ENSINO SUPERIOR S/A (RÉU)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. VOTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. OBJETIVO DE REDISCUTIR O MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Trata-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL em face do acórdão que negou provimento à remessa necessária de sentença, que julgou extinta a Ação Popular, sem resolução do mérito, por ausência de legitimidade/interesse processual (art. 485, VI do CPC/15).

2. A embargante sustenta que o acórdão não mencionou, nem tampouco enfrentou, os arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65, que são base de regência da ação popular, bem como se omitiu quanto ao dispositivo do art. 14 do CTN, que é base legal de acórdãos de outros Tribunais e do STJ. Afirma, ainda, que o acórdão foi contraditório ao considerar que a renovação do CEBAS com fundamento no art.37 da MP 446 não causou efetivo dano ao patrimônio público a justificar o ajuizamento da Ação Popular, mas, em contrapartida, reconheceu que o certificado deve ser analisado juntamente com os demais requisitos legais (art. 14, CTN) para fins de reconhecimento da imunidade tributária.

3. Não há qualquer omissão ou contradição do acórdão a ser sanada mediante os presentes embargos, sendo possível constatar que o verdadeiro objetivo do embargante é modificar o que foi decidido na sentença, caracterizando uso inapropriado dos aclaratórios com a finalidade de obter o rejulgamento da causa, circunstância que impõe a rejeição do recurso.

4. Quando há discordância da parte com o julgamento proferido, os embargos de declaração não consistem na via adequada para reapreciação da matéria, devendo o embargante buscar, neste caso, o instrumento processual adequado para tal fim.

5. Cumpre assinalar, finalmente, que o art. 1.025 do CPC/2015, esclarece que os elementos suscitados pelo embargante serão considerados incluídos no acórdão “para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

6. Embargos de declaração improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por LUIZ ANTONIO SOARES, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001095251v3 e do código CRC ee3c8398.

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