Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0122905-67.2016.4.02.5104/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

APELADO: ESTER HAMMES NOVAES

ADVOGADO: CLAUDIO AZEVEDO IMPROTA (OAB RJ146424)

APELADO: VIRGINIA DE FATIMA NOGUEIRA PALMEIRA

ADVOGADO: BERENICE ROSA DA SILVA RIBEIRO (OAB RJ051775)

ADVOGADO: MARIO LUIZ NORRIS RIBEIRO REIS (OAB RJ206619)

ADVOGADO: ROMILDA FERGUSON CAMPOS (OAB RJ217717)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO (fls. 788/791), objetivando a reforma da sentença de fls. 778/785, proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Federal de Volta Redonda/RJ, que julgou procedente o pedido de “restabelecimento da integralidade do benefício da autora, confirmando a tutela de urgência deferida”, parcialmente procedente o pedido de “ressarcimento dos valores descontados da pensão da parte autora, determinando que a União devolva-lhe os valores suprimidos em virtude da sentença anulada, desde setembro de 2011 (em obediência ao quinquênio anterior à propositura da ação), até o restabelecimento da integralidade, em virtude da tutela de urgência deferida nos presentes autos, acrescidos de juros de mora desde a citação e correção monetária desde quando devida cada parcela, tudo conforme índices do manual de cálculos da Justiça Federal e a ser apurado em fase de liquidação”, e improcedente o pedido de indenização por danos morais, estabelecendo, diante da sucumbência recíproca, os percentuais de custas e honorários advocatícios, nas seguintes proporções: “a) a parte autora será condenada ao pagamento de 50% do valor devido a título de custas processuais, e de honorários advocatícios, os quais ora arbitro em 10% do valor do proveito econômico da parte contrária (valor referente aos danos morais e às parcelas prescritas da recomposição da pensão), até 200 salários mínimos, 8% do que sobejar desse montante e for até 2.000 salários mínimos e 5% do que for além do marco anterior. A verba em questão terá sua exigibilidade suspensa, em virtude da gratuidade de justiça de que é beneficiária; b) A segunda ré será condenada ao pagamento de 25% do valor devido a título de custas processuais, e de honorários advocatícios, os quais ora arbitro em 5% do valor do proveito econômico da parte autora, até 200 salários mínimos, 4% do que sobejar desse montante e for até 2.000 salários mínimos e 2,5% do que for além do marco anterior. A verba em questão terá sua exigibilidade suspensa, em virtude da gratuidade de justiça de que é beneficiária; c) A União não será devida ao pagamento de custas. Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios, os quais ora arbitro em 5% do valor do proveito econômico da parte autora, até 200 salários mínimos, 4% do que sobejar desse montante e for até 2.000 salários mínimos e 2,5% do que for além do marco anterior.

 

Em suas razões recursais, alegou a UNIÃO tratar-se de ação “objetivando (1) o restabelecimento do pagamento integral de sua pensão; (2) pagamento do valor descontado desde março de 2011; e (3) indenização por danos morais, no montante de R$20.000,00”, e prosseguiu afirmando que “a autora/apelada recebia 50% da pensão, em razão de decisão judicial proferida nos autos da ação 2005.5151.11.3643-9, que tramitou no 1º Juizado Federal da Capital, que reconheceu o direito de cota-parte da pensão à sra. Virgínia Fátima Nogueira Palmeira”, bem como que “a sentença proferida naqueles autos foi tornada sem efeito por força da ação anulatória 0012108-48.2014.4.02.5151, sendo certo que, a pensão da autora foi reduzida pela metade, durante o período em que vigorou a sentença proferida nos autos da ação 2005.5151.11.3643-9 (março de 2011 até julho de 2016)”, destacando que “como se depreende do certificado às fls. 316 dos autos da ação anulatória, 0012108-48.2014.4.02.5151, em anexo, a decisão que tornou sem efeito a sentença que determinava o pagamento da pensão na proporção de 50% para cada uma, transitou em julgado em 25/04/2017” (fls. 789/790, com grifos no original).

 

Sustentou que “até o trânsito em julgado da ação anulatória, a União estava cumprindo decisão judicial, perfeitamente válida, que determinava o pagamento de 50% da pensão instituída por Antônio Moscoso para Ester Hammes Novaes e 50% para Virgínia Fátima Nogueira Palmeira”, aduzindo que “apenas a partir do trânsito em julgado da ação anulatória, em 25/04/2017, a União passou a dever a integralidade do benefício à ora Apelada”(sic), concluindo que ao contrário do que determinou a r. sentença, o dies a quo para pagamento dos atrasados deve ser 26/04/2017, não sendo o caso de se considerar vencidas as parcelas relativas aos 5 anos anteriores ao ajuizamento do mandamus, em razão de a União estar efetuando o pagamento do benefício na forma do comando judicial válido” (sic), razão pela qual pugnou pela “reforma parcial da sentença, para fins de se reconhecer que eventuais atrasados são devidos a partir de 26/04/2017, tendo em vista que, até 25/04/2017, a União estava cumprindo determinação judicial, perfeitamente válida” (fls. 790/791, sic).

 

Foram apresentadas contrarrazões, requerendo a Autora/Apelada a manutenção integral da sentença (fls. 794/798).

 

A seguir, vieram os autos remetidos a este TRF2, tendo sido colhida a manifestação do Ministério Público Federal (fls. 806), que deixou de opinar por não vislumbrar interesse público a justificar sua intervenção no feito.

 

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Insurge-se a UNIÃO contra a sentença de primeiro grau por entender que somente seriam devidos atrasados em favor de ESTER HAMMES NOVAES a partir de 26/04/2017, eis que antes disso a UNIÃO vinha cumprindo determinação judicial que, antecipando a tutela pretendida por VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, ordenou o pagamento de 50% da pensão em seu favor até 25/04/2017.

 

De fato, pelo que se constata dos elementos dos autos, sob o número 2005.51.51.113643-9, tramitou perante o 1º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro uma demanda ajuizada por VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA em face da UNIÃO, através da qual pretendida a demandante obter o reconhecimento ao seu direito de habilitar-se a pensão por morte do ex-combatente ANTONIO MOSCOSO, retroativamente a julho/2005 (data do indeferimento administrativo de seu requerimento), na qualidade de ex-companheira que teria convivido em união estável com o de cujus de 1998 a 2002 (data do óbito). A demanda foi inicialmente julgada procedente, em 22/06/2007, por entender a Magistrada sentenciante que:

 

“A existência da união estável entre a autora e o militar falecido é indiscutível, porquanto reconhecida em acordo celebrado em processos de justificação e de reconhecimento de sociedade de fato, homologado pelo Juízo de Direito da Comarca de Piraí (fls. 11, 12 e 14). Ademais, os depoimentos das testemunhas colhidos às fls. 24/26 convergem no sentido da alegada convivência more uxorio, bem como da dependência econômica e assistência material da autora em face do ex-companheiro, sendo este meio de prova admissível à espécie, consoante entendimento do STJ (REsp 783697, 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 09/10/2006). Finalmente, a declaração de fl. 27, firmada por médico que prestou atendimentos ao instituidor da pensão em seu próprio domicílio, ratifica a existência da relação de companheirismo.”

 

No dispositivo da referida sentença constou o seguinte:

 

“Pelo exposto, fazendo a Autora jus à pensão militar especial de ex-combatente de seu ex-companheiro, em razão de seu caráter assistencial de manutenção, e dada a presunção legal de dependência econômica em face do de cujus, acolho o pedido constante na inicial, julgando-o PROCEDENTE, e condeno a ré à imediata implantação da pensão especial de ex-combatente por morte do militar Antônio Moscoso, em favor da autora, em razão da medida cautelar que ora defiro, em razão do caráter alimentar do benefício, nos termos do art. 4º da Lei nº 10.259/2001, bem como a pagar os atrasados, a contar do requerimento administrativo (julho de 2005), corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora à 0,5% ao mês (STF, RE 453740, julgado em 28/02/2007), pelo que extingo o processo com resolução do mérito, com base no art. 269, I, do Código de Processo Civil. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, de acordo com o art. 55 da Lei n.º 9.099/95, subsidiariamente aplicada. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive para o imediato cumprimento da medida liminar pela Ré, que deverá comprová-lo no prazo de 20 dias.

Transitada em julgado, abra-se vista à União Federal para que informe, no prazo de 60 (sessenta) dias, o valor das diferenças devidas à parte autora para que tenha expedição a requisição pertinente, na forma do art. 17 da Lei n.° 10.259/2001. Atendida essa determinação, expeça-se a RPV e intime-se a parte autora para efetuar o levantamento da quantia depositada. Após, remetam-se os autos ao arquivo, com baixa.

 

A sentença veio a ser anulada, mercê do ajuizamento, por ESTER HAMMES NOVAES, de uma querela nullitatis, no bojo da qual restou demonstrada a existência de litisconsórcio necessário, o qual não teria sido observado naqueles autos que tramitaram perante o 1º Juizado Cível Federal, haja vista não haver sido ESTER HAMMES NOVAES citada para integrar a lide, embora lhe tenha sido reconhecido administrativamente o direito à integralidade do benefício de pensão pretendido por VIRGÍNIA  FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, também na condição de ex-companheira do falecido ex-combatente. Para comprovar a sua qualidade de ex-companheira, juntou ESTER HAMMES NOVAES uma escritura declaratória de união estável datada de 22/05/1997, lavrada pelo Cartório do Ofício Único de Rio Claro.

 

Confiram-se os termos da sentença proferida pelo MM. 1º Juizado Cível Federal/RJ nos autos da querela nullitatis (proc. n. 0012108-48.2014.4.02.5151):

 

PROCESSO N. 0012108-48.2014.4.02.5151 (2014.51.51.012108-9)

AUTOR: ESTER HAMMES NOVAES

RÉU: UNIAO FEDERAL,VIRGINIA DE FATIMA NOGUEIRA PALMEIRA CONCLUSOS OS AUTOS EM 28/06/2016 17:31

SENTENÇA A - FUNDAMENTAÇÃO INDIVIDUALIZADA

Sem necessidade de relatório (Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, art. 38), passo diretamente à decisão.

Pretende a parte autora a declaração da inexistência e ineficácia da sentença exarada nos autos do processo de nº 0113643-35.2005.4.02.5151, na qual foi reconhecido o direito da segunda ré à pensão especial de ex-combatente, na qualidade de companheira, em quota parte de 50%; bem como a condenar a segunda ré a pagar-lhe pensões que se vencerem no curso da presente ação.

A ação de concessão de pensão por morte deve albergar em sua relação processual todos aqueles que serão atingidos pelo provimento judicial, de forma que, a inexistência da constituição da relação processual válida constituída por todos os litisconsortes necessários enseja fatalmente a sua nulidade absoluta.

Verificados os autos do processo originário acima mencionado, não houve a citação da parte aqui autora, que já recebia o benefício de pensão desde o ano de 2004, o que necessariamente era conhecido pela União, esta sim chamada à responder àquele pedido.

A presente ação é verdadeira ação declaratória, embora se diga anulatória, e fundada na construção doutrinária a respeito das sentenças inexistentes. J. M. DE CARVALHO SANTOS comenta o art. 798 do Código de Processo Civil de 1939 fazendo forçosa alusão a tal categoria de sentenças, categoria sempre presente no tema da rescisão de sentenças:

Costuma-se afirmar e repetir amiúde não constituírem coisa julgada as sentenças nulas. Mas a verdade é bem outra. A sentença nula só não constitui coisa julgada no sentido de poder ser rescindida, se é por este fato aquilo se possa concluir. O certo, entretanto, é que, enquanto não for rescindida tal sentença, produzirá todos os efeitos. E vencido o prazo de cinco anos, que o Código Civil estabelece para a prescrição da ação rescisória, tornar-se-á a sentença nula definitivamente imutável. As sentenças que não constituem jamais coisa julgada são as inexistentes. Estas é que não valerão, mesma que não seja intentada a ação rescisória..

Em rigor, a sentença inexistente não precisa ser rescindinda. Não produzirá efeito, em qualquer hipótese. Se intentada a ação rescisória para anulá-la, poderá o Tribunal declarar a inexistência. Tão somente isto. Aliás, superfluamente. Em todo caso, justificadamente, para pronunciar seu julgamento na ação que foi submetida a sua apreciação.

A grande questão é sobre se sentenças proferidas sem a presença no processo de todos os litisconsortes necessários são sentenças inexistentes. A este respeito responde afirmativamente LUIS EULALIO DE BUENO VIDIGAL:

Finalmente, devem ser incluídas nessa categoria das sentenças inexistentes as sentenças proferidas à revelia do réu vencido, não sendo este sido validamente citado para a ação (art. 1.010 do Código de Processo Civil). Embora de natureza completamente diferente das demais sentenças inexistentes apontadas exemplificativamente, a estas elas se equipararam por serem idênticos os seus efitos. É consequência do princípio da contrariedade que é um dos cânones fundamentais do nosso processo civil.

O que se tem a fazer, portanto, é que declarar a nulidade de sentença inexistente, com fundamento na falta de citação daquela que teria sua esfera jurídica atingida pelos efeitos da coisa julgada.

Quanto ao pedido de condenação da segunda ré em pagar montante referente à diminuição na pensão da autora no decorrer do processo, quanto a este é inadequado o instrumento utilizado, uma vez que o lastro probatório nos autos da ação que demonstra a falta de citação não é suficiente para que se aprecie o pedido dirigido contra a União, cuja culpa necessariamente deveria ser provada, já que não se pode impor condenação por ter a União prestado obediência ao ato judicial aparentemente eficaz.

Sendo assim, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO da parte autora para declarar inexistente a sentença exarada nos autos do processo de nº 0113643- 35.2005.4.02.5151 e EXTINTO SEM MÉRITO O PEDIDO de pagamento de pensão no decorrer da ação. Sem custas e honorários. Oportunamente, dê-se baixa e arquivem-se.

Rio de Janeiro, 1 de julho de 2016 JUIZ FEDERAL HUMBERTO DE VASCONCELOS SAMPAIO

 

Com a anulação da sentença de primeiro grau determinou o MM. Juízo do 1º Juizado Cível Federal fosse promovida a citação de ESTER HAMMES NOVAES mas, tendo sido negativa a diligência, assinou prazo para a emenda da inicial, com a indicação do endereço atualizado da litisconsorte passiva necessária, o que não restou cumprido pela Autora de demanda, vindo a ser extinto, sem resolução do mérito, o processo n. 2005.51.51.113643-9.

 

Por sua vez, a Autora desta ação ESTER HAMMES NOVAES logrou obter o reconhecimento administrativo de sua união estável com o falecido ex-combatente, sendo-lhe concedida a integralidade da pensão em abril de 2005, que foi reduzida pela metade de março/2011 a julho/2016 por força de decisão judicial que, nos autos da demanda ajuizada por VIRGÍNIA DE FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, reconheceu-lhe o direito ao mesmo benefício, sem que tenha havido a citação da primeira beneficiária.

 

Afirma a Autora, com razão, que, naqueles autos, em momento algum a UNIÃO se insurgiu contra a determinação judicial de pagamento do benefício a uma segunda pensionista, ainda que fundada em união estável, como se pudesse haver uniões estáveis simultâneas. Também não questionou o pagamento de diferenças do benefício, através de RPV expedida pelo 1º Juizado Federal/RJ. Muito menos se lembrou de arguir o litisconsórcio passivo necessário ao longo da tramitação da ação de conhecimento, tendo sido necessário o ajuizamento de uma querela nullitatis por ESTER HAMMES NOVAES após a formação da coisa julgada naqueles autos.

 

Em que pese a evidente desídia da UNIÃO na defesa dos cofres públicos, a verdade é que a  extinção do feito através do qual pretendia VIRGINIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA comprovar a existência de união estável para fins de obter pensão por morte de ex-combatente não permite concluir, de forma cabal, que o referido pensionamento lhe teria sido negado na esfera judicial, haja vista que, ante a inobservância do litisconsórcio necessário, não foi possível rejulgar o mérito da demanda.

 

Neste feito, a inclusão de VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA no pólo passivo foi determinada por acórdão desta 8ª Turma Especializada (fl. 388) de 25/10/2017, cuja ementa a seguir se transcreve:

 

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. COMPANHEIRA. REDUÇÃO DO BENEFÍCIO APÓS A HABILITAÇÃO DE SEGUNDA COMPANHEIRA. RESTABELECIMENTO DA COTA INTEGRAL, ATRASADOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERESSE DE AGIR.

1. Demanda proposta por pensionista de ex-combatente em face da União, sob alegação de que, em razão da habilitação de uma segunda companheira do de cujus por força de sentença - que, posteriormente, veio a ser anulada, por inobservância do litisconsórcio passivo necessário - teria passado a receber metade do valor devido a título de pensão, requerendo, assim, o restabelecimento do pagamento integral de seu benefício, bem como o pagamento dos atrasados, desde quando reduzido indevidamente o pensionamento, além de indenização por danos morais, por omissão da União em informar na ação proposta pela segunda companheira a existência da pensionista.

2. A sentença indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução do mérito, por considerar inexistir interesse de agir, na modalidade necessidade, quanto ao pedido de restabelecimento do valor integral do benefício, por se tratar de decorrência lógica da nulidade da sentença que havia reconhecido o direito da segunda companheira ao pensionamento; bem como haver inadequação da via eleita quanto aos pedidos de atrasados e indenização por danos morais, por serem fundados em sentença anulatória até então não transitada em julgado.

3. O reconhecimento, em querela nullitatis, da nulidade da sentença que havia reconhecido o direito da segunda companheira ao pensionamento não importou, necessariamente, no restabelecimento do pagamento integral do benefício da primeira pensionista, tendo tal provimento o condão, tão-somente, de restabelecer o processamento da demanda interposta pela segunda companheira, mediante integração da pensionista ao pólo passivo, inclusive, com o deferimento do pedido de tutela antecipada, determinando-se a manutenção do pagamento da pensão para as duas companheiras do de cujus. À época da prolação da sentença recorrida, poder-se-ia cogitar, no máximo, de conexão das demandas, o que, todavia, sequer se verifica, em decorrência da recente extinção sem resolução do mérito da demanda promovida pela segunda companheira. Dessa forma, presente o interesse de agir da primeira pensionista na demanda em julgamento, devendo ser observado, todavia, o litisconsórcio passivo necessário, para fins de inclusão da segunda companheira no pólo passivo desta ação.

4. Apelação provida.

 

Assim, por determinação da 8ª Turma Especializada, nos termos do voto deste Relator, foi promovida a citação de VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA nestes autos, com a subsequente juntada da contestação de fls. 405-419, no bojo da qual a referida litisconsorte passiva reafirmou suas alegações de que teria mantido união estável com o ex-combatente ANTONIO MOSCOSO. Confiram-se os fatos narrados na contestação de VIRGÍNIA:

 

“De 1994 a 1997, Ester Hammes Novaes ora autora conviveu com Antônio Moscoso, ela na época com 38 (trinta e oito) anos e ele 73 (setenta e três) não advindo nenhum filho da relação.

Virgínia, no período de 1998 a 31/07/2002, ora ré, conviveu com o ex-combatente Antônio Moscoso. Ela constava com 47 (quarenta e sete)anos e ele 77 (setenta e sete), conforme dados de nascimento juntados, ambos mantendo uma nova entidade familiar com convivência pública, contínua e duradoura até o falecimento do ex-combatente. Só não constituindo família em razão da idade avançada de ambos, e pelo fato da segunda ré já possuir duas filhas, as quais o falecido se portava com estima na condição de padrasto dando assistência como se filhas fossem. Na época, Virgínia tinha um negocio próprio, Jafra, (conforme documento anexo) onde abriu mão do negócio para se dedicar exclusivamente ao de cujus, a pedido deste.

Após o falecimento de Antônio Moscoso, a autora Ester ajuizou a ação de Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 2002.001.139496-4, na frente de Virgínia para reivindicar direitos sucessórios. Diante do fato, o Espólio que tinha como inventariante Eneida Moscoso Borges da Cruz arrolou Virgínia para testemunhar contra Ester, na condição de verdadeira e atual companheira.

No entanto, o depoimento sequer foi ouvido, pois Ester rapidamente propôs acordo conveniente aos interesses dos herdeiros. Restou acordado que Ester seria reconhecida como companheira do período de 1994 a 1997, se esta abrisse mão dos direitos sucessórios, ficando apenas com o direito sobre a pensão por morte.

Virgínia posteriormente, na condição de atual e verdadeira companheira, e indiferente ao citado acordo, propôs ação de Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 2004.043.000508-5, comprovando a união mediante prova do mesmo domicílio, fotos, cartas, convites para eventos sociais endereçados ao casal, declarações do médico que acompanhava o de cujus, nota fiscal de aquisição de uma jóia endereçada ao domicilio de Antônio Moscoso em Copacabana, em favor de Virgínia onde passavam os finais de semana juntos depoimentos registrados em cartório que comprovavam o convívio e o cuidado que Virgínia teve no momento em que o falecido mais precisou de assistência, todos os requisitos materiais mínimos do art. 22, § 3º o decreto nº 3.048/99 fora juntando naqueles autos. Inclusive, os mesmos herdeiros reconheceram a pretensão de Virginia, celebrando um novo acordo nas mesmas condições impostas ao acordo de Ester, ou seja, poderia requerer o beneficio de pensão por morte desde que renunciasse os direitos sucessórios, o qual restou homologado por sentença.

A citada sentença homologatória da união estável, porém foi anulada por requerimento do Ministério Público, que questionou que não houve a atuação obrigatória naqueles autos tampouco houve o litisconsórcio necessário de Ester. No entanto, enquanto a ação prosseguia, Ester e Virginia  chegavam a um acordo informal “proposta” por Ester: Virginia desistiria da ação declaratória e ficaria com a pensão especial de ex - combatente junto às Forças Armadas, enquanto Ester permaneceria recebendo a pensão previdenciária.

Embora aparentemente desvantajoso para Virgínia, considerando a informalidade do acordo e por deter todas as provas do convívio com o falecido, é necessário levar em consideração o fato que a época do acordado Ester estava sendo levada a júri popular pela famigerada tentativa de homicídio de Everton Messias Tagiba, e em que atualmente tem o mandado de prisão de nº 553-11.2003.8.19.0043.0001 por homicídio qualificado.

Ou seja, a autora se encontra foragida, até o presente momento das autoridades policiais. O caso não só mobilizou o município de Piraí, como também intimidou Virgínia, que temia protelar conflitos com a acusada de tal crime.

Insta esclarecer a ligação de Everton a Ester e ao caso presente. Ambos conviviam na mesma época em que Virgínia convivia com Antônio Moscoso até seu falecimento, notadamente entre 2001-2002. Isto significa dizer que se Ester convivia com Everton na época do falecimento do excombatente, então esta não poderia estar com o de cujus Antônio Moscoso no mesmo período, estando Virginia na condição de verdadeira companheira.

 

Embora na presente demanda não se discuta a união estável mantida por ANTONIO MOSCOSO no período que antecedeu seu óbito, a verdade é que a dúvida em relação a tal matéria somente poderia ser dirimida em ação própria, que contasse com ambas as interessadas na relação processual – ESTER e VIRGÍNIA – para que, submetidas ao contraditório, pudessem fazer a defesa de suas narrativas.

 

Sem que tenha havido decisão judicial sobre tal matéria, não cabe julgar procedente a presente demanda, ajuizada por ESTER HAMMES NOVAES, eis que a pretensão de compelir a UNIÃO à obrigação de restabelecer a integralidade do benefício, assim como a de lhe pagar diferenças de pensão relativas ao período em que foi reduzido o benefício a 50% do valor integral (de março/2011 a julho/2016), ou a de lhe pagar danos morais estariam todas subjugadas ao prévio reconhecimento do direito à integralidade da pensão em seu favor, o que não se pode afirmar, à luz da controvérsia revelada nos autos, e não dirimida judicialmente.

 

Aliás, em que pese a concessão administrativa do benefício integral a ESTER HAMMES NOVAES em 2005, não se pode descartar a possibilidade de inexistência de união estável tanto em relação a ESTER HAMMES NOVAES quanto em relação a VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, na medida em que ambas se dizem ex-companheiras do falecido ex-combatente, o que poderia levar ao reconhecimento de que não estaria configurada união estável em relação a nenhuma delas, já que não se pode tolerar uniões estáveis simultâneas quando um de seus requisitos é, justamente, a estabilidade da relação afetiva, o que exclui a existência de outras uniões instáveis paralelas.

 

Neste ponto, aliás, a jurisprudência firmada por esta 8ª Turma Especializada já consagrou o entendimento de que, em se tratando de benefício de pensão em favor de companheira, na hipótese de restar comprovada a existência concomitante de mais de uma união cabe perquirir se de fato houve a convivência more uxorio ou seja, se efetivamente existiu um relacionamento duradouro, público, com animus de constituição de entidade familiar entre o instituidor do benefício e sua pretensa beneficiária, cabendo à parte interessada instruir os autos com conjunto probatório suficiente para gerar um juízo de certeza acerca da união estável alegada, o que, repise-se, não é objeto desta ação mas poderá ser apreciado em ação própria. Nesse sentido, vale a pena reproduzir a seguinte ementa de acórdão anteriormente prolatado por esta eg. 8ª Turma Especializada:

 

ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO OCORRÊNCIA. CONCUBINATO. SENTENÇA MANTIDA. - Cinge-se a controvérsia ao reconhecimento do direito da autora, na qualidade de companheira, à pensão por morte de ex-servidor civil da Marinha do Brasil, a partir da data do óbito do instituidor do benefício. - A autora não demonstrou suficientemente, através das provas produzidas nos autos, a pretensa união estável mantida com o ex-servidor público federal da Marinha do Brasil, Caetano Vitor de Assis, com ânimo definitivo e até a data do óbito deste, em 24.02.2014. Como bem apontado na sentença, "No caso, as autoras dos processos nº 004811- 89.2014.4.02.5118 e 0016918-28.2015.4.02.5120, reunidos por conexão, alegam ter sido companheiras de Caetano Vitor de Assis até a data de seu óbito" (fl. 307), não obstante, " Os depoimentos prestados pelas testemunhas e pelas autoras permitem concluir que o falecido mantinha alguma espécie de relacionamento afetivo com as duas autoras, concomitantemente, mas sem a intenção de constituição de família, o que afasta a alegação de união estável" (fl. 308). - Segundo o artigo 1.723 do Código Civil, "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente". - Alinhada ao ordenamento jurídico, a jurisprudência é unânime no Eg. STJ (REsp 1628701/BA, DJe 17/11/2017; AgInt no AREsp 999189 / MS, DJe 23/05/2017; AgInt no REsp 1583241/AL, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 4/11/2016) e no Pretório Excelso (RE 665333 AgR, DJe 17/04/2012) no sentido de não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não demonstrada a separação de fato ou de direito. - Assim, diante da impossibilidade de reconhecimento de relações simultâneas, mesmo porque inexiste a comprovação de que o instituidor da pensão encontrava-se separado de fato e/ou de direito da esposa, impõe-se a manutenção da improcedência do pedido. - Ademais, o Ilmo. Juízo a quo ressaltou que "o benefício instituído por Caetano Vitor de Assis é atualmente recebido pela viúva, Dileia Nascimento de Assis, e pela ex-esposa, Isabel dos Santos, que recebia pensão alimentícia do finado, conforme contracheque e documentos de fls. 13 e 298/302, respectivamente, não tendo sido demonstrado qualquer fato que justifique a alteração do rol de beneficiários" (fl. 309). - Recurso desprovido, com a majoração dos honorários advocatícios anteriormente fixados em 1% (um por cento) sobre o valor da causa, conforme prevê o artigo 85, §11, do CPC/15, 1 observada a condição suspensiva do artigo 98, § 3º, por ser a recorrente beneficiária da gratuidade de justiça. (TRF2, AC 0016918-28.2015.4.02.5120, Rel. Des. Fed. VERA LÚCIA LIMA, Oitava Turma Especializada, E-DJF2R 16.08.2019)

 

Por outro lado, caso não venha mais a ser discutido judicialmente o direito ao pensionamento das supostas ex-companheiras, ou caso não obtenha a  Ré VIRGINIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA sucesso no reconhecimento de sua condição de ex-companheira e pensionista, compete à UNIÃO buscar o ressarcimento dos valores que lhe foram indevidamente pagos, por força de decisão judicial precária posteriormente reformada. De fato, o ressarcimento compete a quem ingressou com a ação temerária, em conformidade, inclusive, com o disposto nos arts. 520, I, e 302, III, ambos do NCPC, bem como no art. 876 do Código Civil (“Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”).

 

No mais, não se pode deixar de levar em consideração, nesta análise dos elementos dos autos, a má-fé de ambas as partes, que, declaradamente, firmaram acordos espúrios e ilegais, em detrimento dos cofres públicos, que foram inexplicavelmente homologados em juízo, através dos quais renunciaram a eventuais direitos sucessórios para que, em contrapartida, lhes fossem reconhecidos pelo espólio de ANTONIO MOSCOSO os períodos de suposta união estável capazes de gerar o direito a pensões estatutária e previdenciária deixadas pelo suposto companheiro.

 

Quanto a tais fatos, impende que a UNIÃO (Exército Brasileiro/Comando da 1ª Região Militar – Evento 67, JFRJ) providencie a revisão do processo administrativo de pensão concedida a ESTER HAMMES NOVAES, bem como seja oficiado ao Ministério Público Federal para que, à luz dos elementos destes autos, adote as providências cabíveis para apuração dos ilícitos penais possivelmente cometidos por ESTER HAMMES NOVAES, VIRGÍNIA FÁTIMA NOBUEIRA PALMEIRA e ESPÓLIO DE ANTONIO MOSCOSO.

 

Nessa perspectiva, à vista da fundamentação supra, deve ser julgado integralmente improcedente a pretensão autoral, cabendo condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, na forma do art. 85 do CPC/15, mas sob a condição suspensiva de exigibilidade do art. 98, §3º, do NCPC, eis que a parte litiga sob o pálio da gratuidade de justiça.

 

Do exposto, voto no sentido de dar provimento à remessa necessária e parcial provimento à apelação da UNIÃO para, reformando a sentença apelada, julgar improcedentes os pedidos autorais na sua totalidade, na forma do art. 487, I, do NCPC, revogando a tutela de urgência. Condeno a Autora em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, sob a condição suspensiva do art. 98, §3º, do NCPC, eis que a parte litiga sob o pálio da gratuidade de justiça. Determino a remessa de peças dos autos ao MPF para apuração de possíveis ilícitos penais, na forma do art. 40 do CPP, bem como a expedição de ofício a fim de que a União/Exército Brasileiro providencie a revisão do processo administrativo de pensão concedida à Autora.

 

 


 

Processo n. 0122905-67.2016.4.02.5104
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0122905-67.2016.4.02.5104/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

APELADO: ESTER HAMMES NOVAES

ADVOGADO: CLAUDIO AZEVEDO IMPROTA (OAB RJ146424)

APELADO: VIRGINIA DE FATIMA NOGUEIRA PALMEIRA

ADVOGADO: BERENICE ROSA DA SILVA RIBEIRO (OAB RJ051775)

ADVOGADO: MARIO LUIZ NORRIS RIBEIRO REIS (OAB RJ206619)

ADVOGADO: ROMILDA FERGUSON CAMPOS (OAB RJ217717)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. PENSÃO DE EXCOMBATENTE. RESSARCIMENTO DO MONTANTE DESCONTADO DO BENEFÍCIO TITULARIZADO PELA COMPANHEIRA A QUEM FOI RECONHECIDO ADMINISTRATIVAMENTE O DIREITO À INTEGRALIDADE DA PENSÃO. INCLUSÃO DE OUTRA BENEFICIÁRIA, TAMBÉM EX-COMPANHEIRA, POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE ANULADA POR AUSÊNCIA DE LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA. PRETENSÃO RESSARCITÓRIA E INDENIZATÓRIA INCABÍVEIS. ACORDOS JUDICIAIS ESPÚRIOS. ENVIO DE PEÇAS AO MPF.

I - A existência de uma segunda ex-companheira de falecido ex-combatente que pleiteia 50% do valor do benefício cuja integralidade foi reconhecida administrativamente pela UNIÃO a uma primeira ex-companheira não recomenda seja dada continuidade ao pagamento do benefício integral àquela primeira beneficiária, eis que, no caso concreto, embora anulada a decisão judicial que reconheceu o direito à divisão da pensão entre ambas, não se pode descartar a possibilidade de vir a ser reconhecido tal direito à segunda requerente, em nova demanda, haja vista que a anulação da ação anteriormente proposta decorreu, tão somente da inobservância da regra processual do litisconsórcio necessário, sem que tenha havido julgamento de mérito da questão. Num outro giro, também não se pode descartar a possibilidade de vir a ser proferida decisão judicial que afaste o direito de ambas as requerentes, que se dizem ex-companheiras do falecido ex-combatente, o que poderia levar ao reconhecimento de que não estaria configurada união estável em relação a nenhuma delas, já que não se pode conceber uniões estáveis paralelas e concomitantes.

II – Não se pode deixar de levar em consideração, na análise dos elementos dos autos, a má-fé de ambas as partes, que, declaradamente, firmaram acordos espúrios e ilegais, em detrimento dos cofres públicos, que foram inexplicavelmente homologados em juízo, através dos quais renunciaram a eventuais direitos sucessórios para que, em contrapartida, lhes fossem reconhecidos pelo espólio do falecido ex-combatente, os períodos de suposta união estável capazes de gerar o direito a pensões estatutária e previdenciária deixadas pelo suposto companheiro. Neste sentido, cumpre extrair peças dos autos para que sejam enviadas ao MPF para as providências cabíveis.

III - Remessa necessária provida. Apelação da UNIÃO parcialmente provida. Sentença reformada. Tutela de urgência revogada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à remessa necessária e parcial provimento à apelação da UNIÃO para, reformando a sentença apelada, julgar improcedentes os pedidos autorais na sua totalidade, na forma do art. 487, I, do NCPC, revogando a tutela de urgência e condenando a Autora em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, sob a condição suspensiva do art. 98, §3º, do NCPC, eis que a parte litiga sob o pálio da gratuidade de justiça, sendo determinada a remessa de peças dos autos ao MPF para apuração de possíveis ilícitos penais, na forma do art. 40 do CPP, bem como a expedição de ofício a fim de que a União/Exército Brasileiro providencie a revisão do processo administrativo de pensão concedida à Autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2021.

 


 

Processo n. 0122905-67.2016.4.02.5104
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0122905-67.2016.4.02.5104/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

APELADO: VIRGINIA DE FATIMA NOGUEIRA PALMEIRA

ADVOGADO: BERENICE ROSA DA SILVA RIBEIRO (OAB RJ051775)

ADVOGADO: MARIO LUIZ NORRIS RIBEIRO REIS (OAB RJ206619)

ADVOGADO: ROMILDA FERGUSON CAMPOS (OAB RJ217717)

APELADO: ESTER HAMMES NOVAES

ADVOGADO: CLAUDIO AZEVEDO IMPROTA (OAB RJ146424)

RELATÓRIO

Trata-se de julgar embargos de declaração opostos por Ester Hammes Novaes (Evento 158) contra acórdão proferido pela Eg. 8ª Turma Especializada deste Tribunal, cuja ementa a seguir se transcreve:

 

ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. PENSÃO DE EXCOMBATENTE. RESSARCIMENTO DO MONTANTE DESCONTADO DO BENEFÍCIO TITULARIZADO PELA COMPANHEIRA A QUEM FOI RECONHECIDO ADMINISTRATIVAMENTE O DIREITO À INTEGRALIDADE DA PENSÃO. INCLUSÃO DE OUTRA BENEFICIÁRIA, TAMBÉM EX-COMPANHEIRA, POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE ANULADA POR AUSÊNCIA DE LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA. PRETENSÃO RESSARCITÓRIA E INDENIZATÓRIA INCABÍVEIS. ACORDOS JUDICIAIS ESPÚRIOS. ENVIO DE PEÇAS AO MPF.

I - A existência de uma segunda ex-companheira de falecido ex-combatente que pleiteia 50% do valor do benefício cuja integralidade foi reconhecida administrativamente pela UNIÃO a uma primeira ex-companheira não recomenda seja dada continuidade ao pagamento do benefício integral àquela primeira beneficiária, eis que, no caso concreto, embora anulada a decisão judicial que reconheceu o direito à divisão da pensão entre ambas, não se pode descartar a possibilidade de vir a ser reconhecido tal direito à segunda requerente, em nova demanda, haja vista que a anulação da ação anteriormente proposta decorreu, tão somente da inobservância da regra processual do litisconsórcio necessário, sem que tenha havido julgamento de mérito da questão. Num outro giro, também não se pode descartar a possibilidade de vir a ser proferida decisão judicial que afaste o direito de ambas as requerentes, que se dizem ex-companheiras do falecido ex-combatente, o que poderia levar ao reconhecimento de que não estaria configurada união estável em relação a nenhuma delas, já que não se pode conceber uniões estáveis paralelas e concomitantes.

II – Não se pode deixar de levar em consideração, na análise dos elementos dos autos, a má-fé de ambas as partes, que, declaradamente, firmaram acordos espúrios e ilegais, em detrimento dos cofres públicos, que foram inexplicavelmente homologados em juízo, através dos quais renunciaram a eventuais direitos sucessórios para que, em contrapartida, lhes fossem reconhecidos pelo espólio do falecido ex-combatente, os períodos de suposta união estável capazes de gerar o direito a pensões estatutária e previdenciária deixadas pelo suposto companheiro. Neste sentido, cumpre extrair peças dos autos para que sejam enviadas ao MPF para as providências cabíveis.

III - Remessa necessária provida. Apelação da UNIÃO parcialmente provida. Sentença reformada. Tutela de urgência revogada.

 

Como razões recursais sustentou a parte embargante que “o V. Acordão ignorou o ato administrativo perfeito de concessão de benefício em favor da Embargante/Autora, e de forma plenamente equivocada reforma a sentença, viola expressamente o art. 6º, do Decreto-Lei 4657/42; E da mesma forma, deixa de dar vigência ao art. 5º, XXXVI, da CRFB/1988”, aduzindo que “a negativa de vigência acima apontada só não é mais grave que a negativa de vigência da coisa julgada, já que desconsiderou por completo a decisão de anulação da sentença que justifica/fundamentava o direito da Ré Virgínia em receber 50% da pensão decorrente do óbito de Antônio Moscoso”, ressaltando que “uma das mais graves violações do V. Acordão, consiste no desrespeito do princípio da não surpresa”, alegando que “se o Eminente Relator houvesse oportunizado a Embargante se manifestar sobre o referido tema, teria feito prova da incontroversa da união estável que possuía com Antônio Moscoso” (Evento 158, original grifado).

 

Aduziu que o “V. Acordão não enfrentou os argumentos articulados na inicial, que foram reconhecidos na sentença e ressaltados pelo Procuradoria da República de 2º grau, conforme parecer pela manutenção da sentença”, e prosseguiu afirmando que “o V. acordão foi omisso no enfrentamento das seguintes premissas que fizeram a ação ser julgada procedente em primeiro grau: primeira premissa para reforma do v. acordão - manutenção da sentença – fraude processual – utilizou como fundamento sentença anulada pelo TJ/RJ (...) segunda premissa – da incompetência deste juízo para análise da questão prejudicial de mérito quanto a existência de união estável (...) da terceira premissa – o titulo judicial que sustentava o recebimento pela 2ª ré foi anulado - após a anulação extinto sem resolução de mérito”, ressaltando que “o V Acordão evidentemente trata-se de decisão infra petita, já que não analizou o pedido dentro dos seus exatos termos” (...) qualquer elucubração fora da análise meritória quanto a existência de união estável em relação a Embargante/Autora, viola o princípio da congruência, viola o art. 492, do CPC” (Evento 158, com grifos no original).

 

Manifestou, ainda, a parte embargante o interesse em prequestionar as matérias e/ou dispositivos legais e constitucionais que entendeu não terem sido abordados pelo acórdão embargado.

 

Foram oferecidas contrarrazões pela UNIÃO (Evento 166).

 

A seguir, vieram os autos conclusos.

 

É o relatório.

VOTO

Os embargos declaratórios são tempestivos e, por terem sido alegados vícios do art. 1.023 do CPC/2015, deve ser conhecido o recurso, eis que preenchidos os seus requisitos de admissibilidade.

 

No mérito, todavia, não merecem ser providos os declaratórios, uma vez que as alegações da parte embargante evidenciam a sua nítida intenção de se contrapor ao entendimento adotado pelo acórdão embargado, o qual, pelo que se depreende de suas razões recursais, não teria se amoldado às teses jurídicas por ela defendidas.

 

Ora, em que pese à possibilidade, admitida por jurisprudência e doutrina, de atribuição de efeitos infringentes aos declaratórios quando a alteração do acórdão surja como consequência necessária da correção do apontado vício, não é menos certo que apenas em casos excepcionais se deve extrair do referido recurso essa finalidade anômala, sob pena de se desvirtuar, pela banalização, a sua característica precípua, que é a de prestar esclarecimentos e sanar eventuais omissões, contradições e obscuridades do julgado, assim permitindo a adequada interposição do recurso cabível.

 

Ademais, observa-se ser desnecessário pronunciamento sobre todos os argumentos e dispositivos constitucionais e legais ventilados pela parte, e bem assim, sobre os julgados favoráveis ao entendimento sustentado, já que inexiste omissão quando há decisão fundamentada sobre as questões pertinentes à resolução da controvérsia, “embora sem adentrar expressamente na análise de dispositivos de lei invocados pelo recorrente, notadamente porque o julgador não está adstrito a decidir com base em teses jurídicas predeterminadas pela parte, bastando que fundamente suas conclusões como entender de Direito” (REsp 1042208/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26.08.2008, DJe 11.09.2008).

 

Nessa perspectiva, não há que se falar no vício apontado, uma vez que o acórdão tratou com a clareza necessária as questões apontadas como omissas, com a análise da legislação aplicável e o enfrentamento das peculiaridades do caso concreto, restando expressamente asseverado no julgado ora embargado que, verbis:

 

“(...)

De fato, pelo que se constata dos elementos dos autos, sob o número 2005.51.51.113643-9, tramitou perante o 1º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro uma demanda ajuizada por VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA em face da UNIÃO, através da qual pretendida a demandante obter o reconhecimento ao seu direito de habilitar-se a pensão por morte do ex-combatente ANTONIO MOSCOSO, retroativamente a julho/2005 (data do indeferimento administrativo de seu requerimento), na qualidade de ex-companheira que teria convivido em união estável com o de cujus de 1998 a 2002 (data do óbito). A demanda foi inicialmente julgada procedente, em 22/06/2007, por entender a Magistrada sentenciante que:

“A existência da união estável entre a autora e o militar falecido é indiscutível, porquanto reconhecida em acordo celebrado em processos de justificação e de reconhecimento de sociedade de fato, homologado pelo Juízo de Direito da Comarca de Piraí (fls. 11, 12 e 14). Ademais, os depoimentos das testemunhas colhidos às fls. 24/26 convergem no sentido da alegada convivência more uxorio, bem como da dependência econômica e assistência material da autora em face do ex-companheiro, sendo este meio de prova admissível à espécie, consoante entendimento do STJ (REsp 783697, 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 09/10/2006). Finalmente, a declaração de fl. 27, firmada por médico que prestou atendimentos ao instituidor da pensão em seu próprio domicílio, ratifica a existência da relação de companheirismo.”

(...)

A sentença veio a ser anulada, mercê do ajuizamento, por ESTER HAMMES NOVAES, de uma querela nullitatis, no bojo da qual restou demonstrada a existência de litisconsórcio necessário, o qual não teria sido observado naqueles autos que tramitaram perante o 1º Juizado Cível Federal, haja vista não haver sido ESTER HAMMES NOVAES citada para integrar a lide, embora lhe tenha sido reconhecido administrativamente o direito à integralidade do benefício de pensão pretendido por VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, também na condição de ex-companheira do falecido ex-combatente. Para comprovar a sua qualidade de ex-companheira, juntou ESTER HAMMES NOVAES uma escritura declaratória de união estável datada de 22/05/1997, lavrada pelo Cartório do Ofício Único de Rio Claro.

Confiram-se os termos da sentença proferida pelo MM. 1º Juizado Cível Federal/RJ nos autos da querela nullitatis (proc. n. 0012108-48.2014.4.02.5151):

Com a anulação da sentença de primeiro grau determinou o MM. Juízo do 1º Juizado Cível Federal fosse promovida a citação de ESTER HAMMES NOVAES mas, tendo sido negativa a diligência, assinou prazo para a emenda da inicial, com a indicação do endereço atualizado da litisconsorte passiva necessária, o que não restou cumprido pela Autora de demanda, vindo a ser extinto, sem resolução do mérito, o processo n. 2005.51.51.113643-9.

Por sua vez, a Autora desta ação ESTER HAMMES NOVAES logrou obter o reconhecimento administrativo de sua união estável com o falecido ex-combatente, sendo-lhe concedida a integralidade da pensão em abril de 2005, que foi reduzida pela metade de março/2011 a julho/2016 por força de decisão judicial que, nos autos da demanda ajuizada por VIRGÍNIA DE FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, reconheceu-lhe o direito ao mesmo benefício, sem que tenha havido a citação da primeira beneficiária.

Afirma a Autora, com razão, que, naqueles autos, em momento algum a UNIÃO se insurgiu contra a determinação judicial de pagamento do benefício a uma segunda pensionista, ainda que fundada em união estável, como se pudesse haver uniões estáveis simultâneas. Também não questionou o pagamento de diferenças do benefício, através de RPV expedida pelo 1º Juizado Federal/RJ. Muito menos se lembrou de arguir o litisconsórcio passivo necessário ao longo da tramitação da ação de conhecimento, tendo sido necessário o ajuizamento de uma querela nullitatis por ESTER HAMMES NOVAES após a formação da coisa julgada naqueles autos.

Em que pese a evidente desídia da UNIÃO na defesa dos cofres públicos, a verdade é que a extinção do feito através do qual pretendia VIRGINIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA comprovar a existência de união estável para fins de obter pensão por morte de ex-combatente não permite concluir, de forma cabal, que o referido pensionamento lhe teria sido negado na esfera judicial, haja vista que, ante a inobservância do litisconsórcio necessário, não foi possível rejulgar o mérito da demanda.

Neste feito, a inclusão de VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA no pólo passivo foi determinada por acórdão desta 8ª Turma Especializada (fl. 388) de 25/10/2017, cuja ementa a seguir se transcreve:

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. COMPANHEIRA. REDUÇÃO DO BENEFÍCIO APÓS A HABILITAÇÃO DE SEGUNDA COMPANHEIRA. RESTABELECIMENTO DA COTA INTEGRAL, ATRASADOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERESSE DE AGIR.

1. Demanda proposta por pensionista de ex-combatente em face da União, sob alegação de que, em razão da habilitação de uma segunda companheira do de cujus por força de sentença - que, posteriormente, veio a ser anulada, por inobservância do litisconsórcio passivo necessário - teria passado a receber metade do valor devido a título de pensão, requerendo, assim, o restabelecimento do pagamento integral de seu benefício, bem como o pagamento dos atrasados, desde quando reduzido indevidamente o pensionamento, além de indenização por danos morais, por omissão da União em informar na ação proposta pela segunda companheira a existência da pensionista.

2. A sentença indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução do mérito, por considerar inexistir interesse de agir, na modalidade necessidade, quanto ao pedido de restabelecimento do valor integral do benefício, por se tratar de decorrência lógica da nulidade da sentença que havia reconhecido o direito da segunda companheira ao pensionamento; bem como haver inadequação da via eleita quanto aos pedidos de atrasados e indenização por danos morais, por serem fundados em sentença anulatória até então não transitada em julgado.

3. O reconhecimento, em querela nullitatis, da nulidade da sentença que havia reconhecido o direito da segunda companheira ao pensionamento não importou, necessariamente, no restabelecimento do pagamento integral do benefício da primeira pensionista, tendo tal provimento o condão, tão-somente, de restabelecer o processamento da demanda interposta pela segunda companheira, mediante integração da pensionista ao pólo passivo, inclusive, com o deferimento do pedido de tutela antecipada, determinando-se a manutenção do pagamento da pensão para as duas companheiras do de cujus. À época da prolação da sentença recorrida, poder-se-ia cogitar, no máximo, de conexão das demandas, o que, todavia, sequer se verifica, em decorrência da recente extinção sem resolução do mérito da demanda promovida pela segunda companheira. Dessa forma, presente o interesse de agir da primeira pensionista na demanda em julgamento, devendo ser observado, todavia, o litisconsórcio passivo necessário, para fins de inclusão da segunda companheira no pólo passivo desta ação.

4. Apelação provida.

Assim, por determinação da 8ª Turma Especializada, nos termos do voto deste Relator, foi promovida a citação de VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA nestes autos, com a subsequente juntada da contestação de fls. 405-419, no bojo da qual a referida litisconsorte passiva reafirmou suas alegações de que teria mantido união estável com o ex-combatente ANTONIO MOSCOSO. Confiram-se os fatos narrados na contestação de VIRGÍNIA:

“De 1994 a 1997, Ester Hammes Novaes ora autora conviveu com Antônio Moscoso, ela na época com 38 (trinta e oito) anos e ele 73 (setenta e três) não advindo nenhum filho da relação.

Virgínia, no período de 1998 a 31/07/2002, ora ré, conviveu com o ex-combatente Antônio Moscoso. Ela constava com 47 (quarenta e sete)anos e ele 77 (setenta e sete), conforme dados de nascimento juntados, ambos mantendo uma nova entidade familiar com convivência pública, contínua e duradoura até o falecimento do ex-combatente. Só não constituindo família em razão da idade avançada de ambos, e pelo fato da segunda ré já possuir duas filhas, as quais o falecido se portava com estima na condição de padrasto dando assistência como se filhas fossem. Na época, Virgínia tinha um negocio próprio, Jafra, (conforme documento anexo) onde abriu mão do negócio para se dedicar exclusivamente ao de cujus, a pedido deste.

Após o falecimento de Antônio Moscoso, a autora Ester ajuizou a ação de Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 2002.001.139496-4, na frente de Virgínia para reivindicar direitos sucessórios. Diante do fato, o Espólio que tinha como inventariante Eneida Moscoso Borges da Cruz arrolou Virgínia para testemunhar contra Ester, na condição de verdadeira e atual companheira.

No entanto, o depoimento sequer foi ouvido, pois Ester rapidamente propôs acordo conveniente aos interesses dos herdeiros. Restou acordado que Ester seria reconhecida como companheira do período de 1994 a 1997, se esta abrisse mão dos direitos sucessórios, ficando apenas com o direito sobre a pensão por morte.

Virgínia posteriormente, na condição de atual e verdadeira companheira, e indiferente ao citado acordo, propôs ação de Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 2004.043.000508-5, comprovando a união mediante prova do mesmo domicílio, fotos, cartas, convites para eventos sociais endereçados ao casal, declarações do médico que acompanhava o de cujus, nota fiscal de aquisição de uma jóia endereçada ao domicilio de Antônio Moscoso em Copacabana, em favor de Virgínia onde passavam os finais de semana juntos depoimentos registrados em cartório que comprovavam o convívio e o cuidado que Virgínia teve no momento em que o falecido mais precisou de assistência, todos os requisitos materiais mínimos do art. 22, § 3º o decreto nº 3.048/99 fora juntando naqueles autos. Inclusive, os mesmos herdeiros reconheceram a pretensão de Virginia, celebrando um novo acordo nas mesmas condições impostas ao acordo de Ester, ou seja, poderia requerer o beneficio de pensão por morte desde que renunciasse os direitos sucessórios, o qual restou homologado por sentença.

A citada sentença homologatória da união estável, porém foi anulada por requerimento do Ministério Público, que questionou que não houve a atuação obrigatória naqueles autos tampouco houve o litisconsórcio necessário de Ester. No entanto, enquanto a ação prosseguia, Ester e Virginia chegavam a um acordo informal “proposta” por Ester: Virginia desistiria da ação declaratória e ficaria com a pensão especial de ex - combatente junto às Forças Armadas, enquanto Ester permaneceria recebendo a pensão previdenciária.

Embora aparentemente desvantajoso para Virgínia, considerando a informalidade do acordo e por deter todas as provas do convívio com o falecido, é necessário levar em consideração o fato que a época do acordado Ester estava sendo levada a júri popular pela famigerada tentativa de homicídio de Everton Messias Tagiba, e em que atualmente tem o mandado de prisão de nº 553-11.2003.8.19.0043.0001 por homicídio qualificado.

Ou seja, a autora se encontra foragida, até o presente momento das autoridades policiais. O caso não só mobilizou o município de Piraí, como também intimidou Virgínia, que temia protelar conflitos com a acusada de tal crime.

Insta esclarecer a ligação de Everton a Ester e ao caso presente. Ambos conviviam na mesma época em que Virgínia convivia com Antônio Moscoso até seu falecimento, notadamente entre 2001-2002. Isto significa dizer que se Ester convivia com Everton na época do falecimento do excombatente, então esta não poderia estar com o de cujus Antônio Moscoso no mesmo período, estando Virginia na condição de verdadeira companheira.

Embora na presente demanda não se discuta a união estável mantida por ANTONIO MOSCOSO no período que antecedeu seu óbito, a verdade é que a dúvida em relação a tal matéria somente poderia ser dirimida em ação própria, que contasse com ambas as interessadas na relação processual – ESTER e VIRGÍNIA – para que, submetidas ao contraditório, pudessem fazer a defesa de suas narrativas.

Sem que tenha havido decisão judicial sobre tal matéria, não cabe julgar procedente a presente demanda, ajuizada por ESTER HAMMES NOVAES, eis que a pretensão de compelir a UNIÃO à obrigação de restabelecer a integralidade do benefício, assim como a de lhe pagar diferenças de pensão relativas ao período em que foi reduzido o benefício a 50% do valor integral (de março/2011 a julho/2016), ou a de lhe pagar danos morais estariam todas subjugadas ao prévio reconhecimento do direito à integralidade da pensão em seu favor, o que não se pode afirmar, à luz da controvérsia revelada nos autos, e não dirimida judicialmente.

Aliás, em que pese a concessão administrativa do benefício integral a ESTER HAMMES NOVAES em 2005, não se pode descartar a possibilidade de inexistência de união estável tanto em relação a ESTER HAMMES NOVAES quanto em relação a VIRGÍNIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA, na medida em que ambas se dizem ex-companheiras do falecido ex-combatente, o que poderia levar ao reconhecimento de que não estaria configurada união estável em relação a nenhuma delas, já que não se pode tolerar uniões estáveis simultâneas quando um de seus requisitos é, justamente, a estabilidade da relação afetiva, o que exclui a existência de outras uniões instáveis paralelas.

Neste ponto, aliás, a jurisprudência firmada por esta 8ª Turma Especializada já consagrou o entendimento de que, em se tratando de benefício de pensão em favor de companheira, na hipótese de restar comprovada a existência concomitante de mais de uma união cabe perquirir se de fato houve a convivência more uxorio ou seja, se efetivamente existiu um relacionamento duradouro, público, com animus de constituição de entidade familiar entre o instituidor do benefício e sua pretensa beneficiária, cabendo à parte interessada instruir os autos com conjunto probatório suficiente para gerar um juízo de certeza acerca da união estável alegada, o que, repise-se, não é objeto desta ação mas poderá ser apreciado em ação própria. Nesse sentido, vale a pena reproduzir a seguinte ementa de acórdão anteriormente prolatado por esta eg. 8ª Turma Especializada:

(...)

Por outro lado, caso não venha mais a ser discutido judicialmente o direito ao pensionamento das supostas ex-companheiras, ou caso não obtenha a Ré VIRGINIA FÁTIMA NOGUEIRA PALMEIRA sucesso no reconhecimento de sua condição de ex-companheira e pensionista, compete à UNIÃO buscar o ressarcimento dos valores que lhe foram indevidamente pagos, por força de decisão judicial precária posteriormente reformada. De fato, o ressarcimento compete a quem ingressou com a ação temerária, em conformidade, inclusive, com o disposto nos arts. 520, I, e 302, III, ambos do NCPC, bem como no art. 876 do Código Civil (“Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”).

No mais, não se pode deixar de levar em consideração, nesta análise dos elementos dos autos, a má-fé de ambas as partes, que, declaradamente, firmaram acordos espúrios e ilegais, em detrimento dos cofres públicos, que foram inexplicavelmente homologados em juízo, através dos quais renunciaram a eventuais direitos sucessórios para que, em contrapartida, lhes fossem reconhecidos pelo espólio de ANTONIO MOSCOSO os períodos de suposta união estável capazes de gerar o direito a pensões estatutária e previdenciária deixadas pelo suposto companheiro.

Quanto a tais fatos, impende que a UNIÃO (Exército Brasileiro/Comando da 1ª Região Militar – Evento 67, JFRJ) providencie a revisão do processo administrativo de pensão concedida a ESTER HAMMES NOVAES, bem como seja oficiado ao Ministério Público Federal para que, à luz dos elementos destes autos, adote as providências cabíveis para apuração dos ilícitos penais possivelmente cometidos por ESTER HAMMES NOVAES, VIRGÍNIA FÁTIMA NOBUEIRA PALMEIRA e ESPÓLIO DE ANTONIO MOSCOSO.

Nessa perspectiva, à vista da fundamentação supra, deve ser julgado integralmente improcedente a pretensão autoral, cabendo condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios (...)”

 

Com efeito, no caso dos autos, a pretexto de integração do julgado, a parte embargante ofereceu os presentes embargos declaratórios sem, contudo, apontar verdadeira lacuna no julgado, nem quaisquer dos demais vícios taxativamente elencados no art. 1.023 do CPC/2015, restando claro que os vícios alegados encobrem verdadeiro inconformismo da parte em relação ao mérito do acórdão recorrido, pretendendo que outro julgamento seja prolatado, em substituição ao primeiro, o que, à evidência, atenta contra a própria finalidade dos declaratórios. Assim, o inconformismo da Embargante deverá ser instrumentalizado mediante recurso adequado, não sendo os embargos de declaração o meio próprio para impugnação do entendimento firmado em Acórdão.

 

Quanto ao prequestionamento, afigura-se o mesmo desnecessário quando o embargante alega vício quanto a dispositivos legais ou constitucionais cujas matérias foram enfrentadas pelo acórdão embargado ou não o foram por não terem sido alegadas ou, ainda, por impertinentes para embasar a lide, como ocorre no caso dos autos.

 

De todo o exposto, voto no sentido de CONHECER, mas NEGAR PROVIMENTO aos embargos declaratórios.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000816610v2 e do código CRC b5e36185.

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Processo n. 0122905-67.2016.4.02.5104
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0122905-67.2016.4.02.5104/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

APELADO: VIRGINIA DE FATIMA NOGUEIRA PALMEIRA

ADVOGADO: BERENICE ROSA DA SILVA RIBEIRO (OAB RJ051775)

ADVOGADO: MARIO LUIZ NORRIS RIBEIRO REIS (OAB RJ206619)

ADVOGADO: ROMILDA FERGUSON CAMPOS (OAB RJ217717)

APELADO: ESTER HAMMES NOVAES

ADVOGADO: CLAUDIO AZEVEDO IMPROTA (OAB RJ146424)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS NO JULGADO. PREQUESTIONAMENTO. IRREGULARIDADES NÃO CARACTERIZADAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

I - Não merecem ser providos os embargos declaratórios quando, embora apontados supostos vícios no julgado, das alegações da embargante restar evidenciada a sua nítida intenção de meramente se contrapor ao entendimento adotado pelo acórdão embargado, sem a indicação de verdadeira lacuna ou irregularidade sanável pela via recursal eleita.

II - Desnecessário o prequestionamento quando o embargante alega omissão quanto a dispositivos legais ou constitucionais cujas matérias foram enfrentadas pelo acórdão embargado ou não o foram por não terem sido alegadas ou, ainda, por impertinentes para embasar a lide.

III - Embargos declaratórios conhecidos, mas desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer, mas negar provimento aos embargos declaratórios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 15 de março de 2022.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000816611v3 e do código CRC 6930a37c.

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