Apelação Cível Nº 0062030-77.2015.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargadora Federal LETICIA DE SANTIS MELLO
APELANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - INFRAERO
APELADO: MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela EMPRESA BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - INFRAERO contra a sentença proferida no evento 9, integrada pela decisão dos embargos de declaração do evento 20, em que o Juízo da 9ª Vara Federal de Execução Fiscal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nestes embargos à execução fiscal, para declarar a nulidade da cobrança relativa ao IPTU.
O Juízo de origem determinou o prosseguimento da execução fiscal para cobrança dos débitos relativos à TCDL e deixou de impor condenação ao pagamento de honorários advocatícios, em razão da sucumbência recíproca.
Em suas razões de apelação (evento 24), a INFRAERO sustenta que: (i) não possui legitimidade passiva para figurar no polo passivo da execução fiscal ajuizada para cobrança de TCDL e IPTU, por não ser proprietária ou titular do domínio do imóvel em relação ao qual os tributos estão sendo exigidos; (ii) na forma da a Lei Municipal nº 3.273/2001 que define as categorias dos resíduos sólidos e disciplina a sua coleta, os resíduos sólidos especiais “são de responsabilidade exclusiva de seus geradores, que devem providenciar a contratação de empresa especializada, cadastrada junto ao poder público”; (iii) não há que se falar em fato gerador de TCDL, pois o Município sequer disponibiliza o serviço de coleta do lixo extraordinário produzido no aeroporto; e (iv) “quando o STF sumulou serem constitucionais as taxas de coleta em imóveis, indicou a possibilidade de definição de seus beneficiários, mas se o imóvel é um bem público de uso comum do povo, o povo (beneficiário da coleta) é ente indivisível, fazendo impossível esta taxar tais logradouros. O precedente representativo da Súmula, que contém o debate da mesma, excepciona expressamente a taxação nos casos de logradouros e bens públicos (RE 576321 RG-QO, Pleno, DJe de 13.2.2009), devendo ser ressaltado que um Aeroporto é um bem público pela própria definição legal (art. 38 do CBA)”.
Em contrarrazões (evento 32), o Município do Rio de Janeiro alega, em síntese, que (i) a sentença deve ser anulada no que diz respeito ao IPTU, pois a execução fiscal embargada foi ajuizada exclusivamente para cobrança de débitos de TCDL; (ii) também não há que se falar em sucumbência recíproca, já que o Município não sucumbiu em relação a qualquer pedido.
O Ministério Público Federal manifestou a desnecessidade de sua intervenção no feito (evento 6).
É o relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade, recebo a apelação.
A questão a ser dirimida por esta Quarta Turma é a possibilidade de cobrança de créditos de TCDL relativos ao imóvel em que situado o Aeroporto do Galeão, referentes ao ano de 2010, no valor originário de R$1.237,20 (mil duzentos e trinta e sete reais e vinte centavos), conforme cópia da CDA que instrui a execução.
Nulidade da sentença
Conforme se verifica da cópia da CDA que a instrui, a execução fiscal embargada foi ajuizada exclusivamente para cobrança de créditos tributário de TCDL, não havendo qualquer referência a débitos de IPTU.
Assim, tem razão o Município do Rio de Janeiro, pois a sentença não é congruente com o pedido e a causa de pedir desenvolvidos nos embargos à execução, devendo ser anulada nesse particular, inclusive no que diz respeito à menção à sucumbência recíproca.
Da exigência da Taxa de Coleta Domiciliar de Lixo
Instituída pela Lei do Município do Rio de Janeiro nº 2.687, de 26/11/1998, e cobrada em substituição à Taxa de Coleta de Lixo e Limpeza Pública (TCLLP) - declarada inconstitucional pelo STF -, a Taxa de Coleta Domiciliar de Lixo (TCDL) diferencia-se daquela por apresentar como fato gerador apenas a utilização efetiva ou potencial do serviço público, prestado ou posto à disposição, de coleta domiciliar de lixo ordinário, a qual reúne o conjunto das atividades de recolhimento do lixo relativo ao imóvel, do transporte do lixo e de sua descarga.
Ou seja, a TCDL destina-se a custear serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou a ele disponibilizados, atendendo o disposto no art. 145, II, da CRFB/88 e no art. 77 do CTN.
No caso, em que pese o alegado pela INFRAERO, não há qualquer demonstração de ausência de disponibilização do serviço de coleta de lixo pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana - COMLURB.
A Lei do Município do Rio de Janeiro nº 3.273, de 06/09/2001, que dispõe sobre a gestão do Sistema de Limpeza Urbana no Município do Rio de Janeiro, estabelece algumas situações onde a remoção do lixo é atribuída a quem o gerou, como é o caso do chamado lixo extraordinário, assim considerado aquele que exceda determinado volume.
Mas, mesmo nessa hipótese, bem como de outros resíduos sólidos especiais, a coleta comum pela COMLURB continua assegurada, transferindo-se ao gerador do lixo somente a responsabilidade pelo excedente. Veja-se:
Art. 7° Os resíduos sólidos urbanos, identificados pela sigla RSU, abrangem:
IX - o lixo que possa ser tipificado como domiciliar produzido em estabelecimentos comerciais, de serviços ou unidades industriais ou instituições/entidades públicas ou privadas ou unidades de trato de saúde humana ou animal ou mesmo em imóveis não residenciais, cuja natureza ou composição sejam similares àquelas do lixo domiciliar e cuja produção esteja limitada ao volume diário, por contribuinte, de cento e vinte litros ou sessenta quilogramas.
Art. 8° Os resíduos sólidos especiais, identificados pela sigla RSE, abrangem:
I - o lixo extraordinário, consistindo na parcela dos resíduos definidos no art. 7º, incisos III, IV e IX que exceda os limites definidos nesta Lei ou estipulados pelo órgão ou entidade municipal competente; (grifei)
Por sua vez, a Resolução do CONAMA que dispõe sobre o gerenciamento de resíduos sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários (nº 05/1993), prevê, expressamente, que os resíduos comuns serão coletados pelo órgão municipal de limpeza urbana:
Anexo I
(...)
GRUPO A: resíduos que apresentam risco potencial à saúde pública e ao meio ambiente devido a presença de agentes biológicos.
Enquadram-se neste grupo, dentre outros: sangue e hemoderivados; animais usados em experimentação, bem como os materiais que tenham entrado em contato com os mesmos; excreções, secreções e líquidos orgânicos; meios de cultura; tecidos, órgãos, fetos e peças anatômicas; filtros de gases aspirados de área contaminada; resíduos advindos de área de isolamento; restos alimentares de unidade de isolamento; resíduos de laboratórios de análises clínicas; resíduos de unidades de atendimento ambulatorial; resíduos de sanitários de unidade de internação e de enfermaria e animais mortos a bordo dos meios de transporte, objeto desta Resolução. Neste grupo incluem-se, dentre outros, os objetos perfurantes ou cortantes, capazes de causar punctura ou corte, tais como lâminas de barbear, bisturi, agulhas, escalpes, vidros quebrados, etc, provenientes de estabelecimentos prestadores de serviços de saúde.
GRUPO B: resíduos que apresentam risco potencial à saúde pública e ao meio ambiente devido às suas características químicas.
Enquadram-se neste grupo, dentre outros: a) drogas quimioterápicas e produtos por elas contaminados; b) resíduos farmacêuticos (medicamentos vencidos, contaminados, interditados ou não-utilizados); e, c) demais produtos considerados perigosos, conforme classificação da NBR-10004 da ABNT (tóxicos, corrosivos, inflamáveis e reativos).
GRUPO C: rejeitos radioativos: enquadram-se neste grupo os materiais radioativos ou contaminados com radionuclídeos, provenientes de laboratórios de análises clínicas, serviços de medicina nuclear e radioterapia, segundo Resolução CNEN 6.05.
GRUPO D: resíduos comuns são todos os demais que não se enquadram nos grupos descritos anteriormente.
Art. 14. Os resíduos sólidos pertencentes ao grupo “D” serão coletados pelo órgão municipal de limpeza urbana e receberão tratamento e disposição final semelhante aos determinados para os resíduos domiciliares, desde que resguardadas as condições de proteção ao meio ambiente e à saúde pública. (grifei)
Já a RDC da ANVISA sobre o tema (RDC nº 56/08) limita-se a estabelecer diretrizes para o gerenciamento de determinados resíduos aeroportuários (como, por exemplo, o produzido “por viajantes ou animais a bordo de meios de transporte que apresentem anormalidades clínicas, com sinais e sintomas compatíveis com doenças transmissíveis”), sem nada dispor sobre o lixo produzido por aeroportos que não se enquadre na mesma categoria.
Assim, e na medida em que o fato gerador da taxa é a disponibilização dos serviços públicos, e não a sua efetiva utilização, nem mesmo a comprovação da contratação de empresa especializada para a coleta de todo lixo produzido (ordinário e extraordinário), seria capaz de afastar a cobrança da TCDL.
A presunção de que os serviços estejam sendo regularmente disponibilizados milita em favor do Município. Cabe ao contribuinte comprovar, de forma inequívoca, a ausência dessa disponibilização, nos termos do disposto no art. 333, I, do CPC/73, reproduzido no art. 373, I, do NCPC).
No mesmo sentido, o seguinte julgado desta 4ª Turma Especializada em caso idêntico:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INFRAERO. LIXO EXTRAORDINÁRIO. TCLD. LEGALIDADE DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE.
1. Os embargos de declaração, mesmo com fins de prequestionamento, devem observar aos requisitos traçados no artigo 1.022 do CPC/15 (obscuridade, contradição, erro e omissão), não sendo esse recurso meio hábil ao reexame da causa, consoante o que pretende o embargante.
2. O objeto dos presentes embargos é afastar a cobrança da TCLD, uma vez que a embargada não disponibilizou o serviço de coleta de lixo especial aeroportuário.
3. O fato de a INFRAERO possuir sistema próprio de tratamento de lixo, não afasta a atuação do Município e a incidência da TCDL, considerando que os resíduos sólidos comuns são coletados pelo serviço municipal de limpeza, nos termos do artigo 14 da Resolução CONAMA nº 5/93 (dispõe sobre o gerenciamento de resíduos sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários).
4. Em que pese haja a súmula 237, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não existe nenhum impedimento legal à cobrança do TCLD.
5. A cobrança da Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar (TCDL) pelo Município do Rio de Janeiro/RJ, com fundamento na Lei Municipal nº 2.687/98, é constitucional, visto que possui base de cálculo diversa de imposto, não afrontando ao disposto no § 2º do artigo 145 da Constituição Federal.
6- A simples colocação do serviço municipal à disposição do contribuinte já constitui o fato gerador do tributo em comento, não havendo que se questionar a efetiva utilização de coleta de lixo ou não, seja o lixo classificado como comum ou especial (em razão de seu substrato e descarte).
7. Embargos de declaração improvidos.
(4ª Turma Especializada, Apelação Cível nº 0043893-47.2015.4.02.5101, Relator Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, julgado em 10/10/2017)
Por fim, a alegação da INFRAERO de que o aeroporto seria um logradouro público e que, por isso, no caso concreto, o serviço de coleta de lixo seria indivisível e inespecífico não se sustenta, pois não se trata de espaço destinado pela municipalidade à livre circulação. Ao contrário, com exceção da área de acesso, as instalações aeroportuárias são de circulação restrita aos usuários dos serviços de transporte aéreo.
Ou seja, a natureza jurídica do aeroporto não é de bem de uso comum do povo, mas sim de bem afetado à prestação do serviço público de infraestrutura aeroportuária.
Portanto, nesse particular, deve ser mantida a sentença recorrida.
Dos honorários advocatícios
Como visto, a apelação da INFRAERO será totalmente desprovida, de modo que, ao final, tem-se que os pedidos formulados nos embargos à execução serão julgados totalmente improcedentes, reconhecendo-se a exigibilidade dos débitos de TCDL, com consequente prosseguimento da execução fiscal embargada.
Dessa forma, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios deve necessariamente ser revista e alterada.
O art. 85, §2º, do CPC/15 prevê que os honorários devem ser fixados sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos os critérios ali especificados (idênticos aos previstos no CPC/73):
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
O § 3º prevê os percentuais específicos que devem ser observados nas causas em que a Fazenda Pública é parte:
§ 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
Por sua vez, o art. 85, §5º, assim determina:
§ 5o Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3o, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
Assim como ocorre quanto à fixação da pena na esfera penal, a fixação do percentual a ser adotado para arbitramento dos honorários não é tarefa que dependa da adoção, pelo juiz, de regras matemáticas precisas e preestabelecidas, mediante as quais todos os critérios acima possam ser valorados na sua devida proporção. Aliás, tampouco há, na legislação, definição precisa quanto ao que significaria cada uma das expressões referidas acima.
No entanto, para atender o princípio da fundamentação das decisões judiciais, passo a descrever o que entendo em relação a cada um dos critérios estabelecidos em lei, valendo-me, em grande parte, das lições de Youssef Said Cahali (in Honorários Advocatícios, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, págs. 459 a 473).
O grau de zelo do profissional traduz-se no cuidado, dedicação e atenção em relação ao processo, com a utilização de todos os meios necessários ao resultado pretendido pelo mandatário. O lugar de prestação de serviços relaciona-se com os eventuais deslocamentos do advogado para realização e acompanhamento de diligências, mesmo administrativas necessárias à melhor instrução do recurso e ao acompanhamento do julgamento de recursos fora do âmbito desta 2ª Região da Justiça Federal. A natureza e importância da causa relacionam-se, não com os valores econômicos envolvidos, mas com a complexidade e relevância das teses jurídicas em discussão e, por fim, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido relacionam-se com os incidentes ocorridos no processo, e eventuais atividades realizadas fora dos autos, mas que se relacionem com o mandato.
Os Procuradores do Município atuaram com grau de zelo no processo, dedicando-se à defesa da causa com utilização de todos os meios que eram cabíveis. Sob outro prisma, (i) trata-se de processo que tramitou o tempo todo nos limites territoriais da 2ª Região, sem exigir dos advogados a atuação em outros locais; (ii) a matéria discutida nos autos é bastante simples e (iii) não foi necessária a produção de prova pericial.
Assim, fixo os honorários devidos pela INFRAERO ao Município do Rio de Janeiro no percentual mínimo previsto no art. 85, §3º, I, do CPC/15.
Ante o exposto, voto no sentido de (i) anular, de ofício, a parte da sentença que tratou de IPTU, por ser extra petita; (ii) negar provimento à apelação da INFRAERO; e (iii) condenar a INFRAERO ao pagamento de honorários advocatícios fixados no percentual mínimo do art. 85, §3º, I, do CPC/15, sobre o valor do débito cobrado na execução embargada.
Documento eletrônico assinado por LETICIA DE SANTIS MELLO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000805226v3 e do código CRC 9de8dc64.
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