Apelação Cível Nº 0015816-91.2016.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES
APELANTE: OCEANPACT NAVEGACAO LTDA.
ADVOGADO: EDUARDO BOTELHO KIRALYHEGY (OAB RJ114461)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS E COFINS. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS. COMPENSAÇÃO. REGIME NÃO CUMULATIVO. BENS DO ATIVO IMOBILIZADO. EMBARCAÇÃO. DENOMINAÇÃO NÃO SUBENTENDIDA NO CONCEITO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ART. 3º, § 14, da LEI N. 10.833/2003. LEI N. 11.774/2008. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
1. Trata-se de apelação interposta pelo impetrante em face de sentença que julgou improcedente o pedido formulado no mandado de segurança, denegando a ordem vindicada. O Juízo a quo entendeu que o aproveitamento de um benefício fiscal, de forma acelerada, é uma exceção à regra geral de aproveitamento limitado e, como tal, deve ser interpretada estrita ou restritivamente. Pontuou, ainda, que não se pode pretender interpretar a regra de exceção, do § 14 do art. 3º da Lei 10.833/2003 (aproveitamento acelerado), a partir da regra geral, que prevê a possibilidade de aproveitamento comum, previsto no inciso VI do mesmo artigo 3º. Por fim, ressaltou que, nada obstante, quando se instituiu a possibilidade de aproveitamento acelerado, a escolha do legislador foi, nitidamente, de restringir o benefício a apenas “máquinas e equipamentos”. Não estão incluídos móveis ou imóveis, navios, helicópteros, aviões, ou qualquer outro veículo ou bem que não sejam contidos no senso comum da expressão legal.
2. A questão controvertida nos autos cinge-se em definir se “embarcações” podem ser abrangidas pela expressão “máquinas e equipamentos”, permitindo a apropriação dos créditos de PIS e COFINS de forma acelerada, ou seja, em 48 meses, ou de forma imediata, a teor do § 14 do artigo 3º da Lei nº 10.833/2003 e do artigo 1º da Lei nº 11.774/2008.
3. O regime não-cumulativo foi originariamente previsto na Constituição da República para o IPI (art. 153, § 3º, II) e ICMS (art. 155, § 2º, II), por se tratarem de tributos cujo destinatário final da cadeia é o consumidor, e consiste em técnica de tributação que visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica. Ou seja, autoriza-se ao sujeito passivo, ao longo da cadeia tributária de produção ou comercialização de um mesmo bem ou serviço, o abatimento do tributo recolhido na operação anterior da base de cálculo do tributo devido na operação seguinte.
4. Em relação ao PIS e à COFINS, por se tratarem de contribuições que incidem sobre o faturamento mensal da pessoa jurídica, a Constituição não assegurou, originariamente, o regime não cumulativo. E mesmo após ter sido acrescentado o § 122 ao art. 195 da CF/88 pela EC nº 42/2003, a possibilidade de aplicação desse sistema não-cumulativo do PIS e da COFINS devidos por determinados setores de atividades econômicas, sua instituição e delimitação foi deixada a critério de legislação ordinária, o que demonstra não se tratar de direito constitucional do sujeito passivo a tal regime, mas de faculdade conferida ao poder público, dentro de critérios legítimos de discriminação, de adoção de sistema diverso daquele originariamente previsto para atendimento de política fiscal.
5. Consoante previsão do art. 3º, § 1º, III, da Lei nº 10.637/02, a qual, dentre outras providências, dispõe sobre a não-cumulatividade na cobrança do (PIS), a pessoa jurídica poderia descontar créditos calculados em relação aos encargos de depreciação e amortização dos bens relacionados no inciso VI do "caput" do mencionado artigo. Por seu turno, a Lei nº 10.833/2003, em seu art. 3º, § 1º, III, previa igual possibilidade com relação à COFINS, no inciso VI do" caput "do referido artigo. Em 2005, com advento da Lei nº 11.196, foi alterada a redação do aludido dispositivo legal, passando a admitir o aproveitamento das contribuições recolhidas na aquisição de tais bens, quando os mesmos fossem utilizados na locação para terceiros.
6. Relativamente a COFINS, o aproveitamento desse crédito deveria ser realizado ao longo de 4 (quatro) anos, isto é, a cada mês poderia ser utilizado 1/48 do valor para descontar da base de cálculo da contribuição devida naquele mês, por força do art. 3º, § 14, da Lei nº 10.833/03.
7. Com a edição da Lei nº 11.724/2008, foi reduzido para 12 (doze) meses o prazo para que o sujeito passivo se "restituísse", através do regime não cumulativo, das contribuições recolhidas sobre bens destinados a produção de bens. Todavia, o referido diploma legal restringiu as hipóteses de aproveitamento de tais créditos para os casos de aquisição de máquinas e equipamentos destinados à produção de bens e serviços, tal como ocorria durante a vigência da redação originária das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, antes da modificação implementada pela Lei nº 11.196/05.
8. Tratando-se de benefício tributário que não dispensa a observância ao princípio da legalidade, somente o legislador ordinário, por meio de política legislativa que lhe convém, observados os parâmetros constitucionais, pode estabelecer as hipóteses de aproveitamento de crédito para dedução da base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS no regime não cumulativo de que tratam as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03. Nesse sentido: TRF2, 4ª Turma Especializada, AC 00048900720094025001 Rel. Des. Fed. SANDRA CHALU BARBOSA, E-DJF2R 17.02.2016.
9. Não se pode, portanto, interpretar extensivamente o § 14 do art. 3º da Lei nº 10.833/2003, para autorizar que a opção de apurar créditos de PIS/COFINS à taxa de 1/48 sobre o valor de aquisição abrangeria, além de máquinas e equipamentos incorporados ao ativo imobilizado e utilizado para locação a terceiros, para a produção de bens destinados à venda ou para a prestação de serviços, também veículos automotores e, no caso específico, embarcações.
10. A lei, como já foi transcrito nesse voto, refere-se ou elege apenas “máquinas e equipamentos”, enquanto bens assim adquiridos que forem empregados ou para utilização na produção de bens ou na prestação de serviços. Os bens produzidos pela pessoa jurídica devem ser destinados à venda. No caso, trata-se de aproveitamento cuja natureza é a de benefício fiscal. Com efeito, é preciso observar, na compreensão desta regra, que do intérprete se exige interpretação restritiva, uma vez que se trata de exceção à regra que somente a lei pode enumerar os bens que permitem o aproveitamento de tal benefício fiscal. Desse modo, compreender a expressão “outros bens incorporados ao ativo imobilizado”, é algo que demanda analogia, naquilo que abrange apenas máquinas e equipamentos adquiridos para serem utilizados na produção de bens ou na prestação de serviços, sob pena de se transformar a interpretação em instrumento de ampliação do âmbito de abrangência estabelecida em lei, o que não se defere ao intérprete da lei na interpretação restritiva.
11. Nessa linha de argumentação, com fundamento na ideia de evidência, fica claro que embarcações não estão abrangidas na expressão de “máquinas e equipamentos”, pois a embarcação não é algo a ser utilizada na produção de bens pela pessoa jurídica e que sejam destinadas à venda. Se a embarcação não se enquadra no conceito de máquinas e equipamentos, evidentemente que também não se enquadram na regra estipulada que prevê “máquinas, equipamentos e outros bens incorporados no ativo imobilizado”, justamente, no plano teleológico, para utilização de bens destinados à venda, ou na prestação de serviços.
12. A teleologia, o destino dos bens, a questão de seu emprego na produção dos bens, impede a aplicação da analogia que quer incluir as embarcações como “máquinas e equipamentos”. De outra parte, se a lei, a quem se deferiu a regulação do benefício fiscal em comento, não utiliza termos precisos, nem termos técnicos, a conclusão a que se chega é que não está presente, mas sim encontra-se ausente, no caso, o preceito que venha a definir a maior amplitude da abrangência dessa lei. Se ausente essa amplitude, o que se tem é lacuna, no caso não superável pela subjetividade do intérprete. A regra que indica a coexistência de presença e ausência em determinado fenômeno deve sempre ser encarada de modo objetivo. O certo é que no caso a conclusão objetiva que se chega é a de que o texto legal não tem a abrangência para que se diga que o mesmo se refere a embarcação.
13. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por maioria, em quórum ampliado, vencida a Desembargadora Federal LETICIA DE SANTIS MELLO, negar provimento à Apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por LUIZ ANTONIO SOARES, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000782669v6 e do código CRC 77fd2aa1.
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Signatário (a): LUIZ ANTONIO SOARES
Data e Hora: 17/12/2021, às 12:44:30