Apelação Cível Nº 0004883-98.2012.4.02.5101/RJ
RELATOR: Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELANTE: MARIANA TOURAO PRADO
APELANTE: MARLY DE FATIMA MODESTO TOURAO
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA DA SILVA (Relatora): Trata-se de embargos declaratórios opostos pela UNIÃO FEDERAL, com base no artigo 1.022, inciso II, do CPC/2015, em face de acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO. UNIÃO FEDERAL. PAGAMENTO DE PROVENTOS DEVIDOS A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. NÃO CABIMENTO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. ENTENDIMENTO DO STJ. DIFERENÇAS ALEGADAS PELAS AUTORAS. IMPROCEDÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.
-Conforme já exposto, “Trata-se de Remessa Necessária e Apelações Cíveis interpostas pelas Ré, UNIÃO FEDERAL, e pelas Autoras, MARLY DE FÁTIMA MODESTO TOURÃO e MARIANA TOURÃO PRADO, contra Sentença de fls. 446/449, que julgou parcialmente procedente demanda nos seguintes termos: “Diante do exposto, confirmo a antecipação de tutela anteriormente deferida e JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a UNIÃO FEDERAL a promover o pagamento dos proventos devidos à 1ª autora a título de pensão por morte de servidor público federal, observando-se a regra do art. 2º, II da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, nos seguintes termos: totalidade da remuneração devida a um auditor fiscal da receita federal, classe especial, padrão IV até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, acrescida de 70% da totalidade da remuneração sobre a parcela excedente a esse limite. Determino, ainda, que a União se abstenha de promover por qualquer meio, inclusive desconto em folha de pagamento, a cobrança como reposição ao erário dos valores que entende indevidamente pagos às autoras Marly de Fátima Modesto Tourão e Mariana Tourão Prado a título de pensão por morte de servidor público federal. Condeno, por fim, a União ao pagamento às autoras Marly de Fátima Modesto Tourão e Mariana Tourão Prado referente à pensão (na cota parte de 50% para cada uma) dos meses de setembro e outubro de 2004, tudo corrigido monetariamente desde a data em que cada pensão deveria ter sido paga, com base nos índices utilizados para atualização dos precatórios na Justiça Federal, e acrescidos de juros de 6% (seis por cento) ao ano, a partir da data da citação, excluídos estes valores se já foram recebidos administrativamente a este título. Custas ex lege. Condeno a União ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, de acordo com o art. 86, § único do CPC/15” (fls. 506/507).
-Com efeito, em se tratando de possibilidade de restituição ao erário, em caso como o dos autos, em que está presente a boa-fé do administrado, aplica-se o entendimento do STJ, em sede de Recurso Repetitivo, no sentido de que "o art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé", e de que "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público" (REsp 1244182/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/10/2012).
-Ademais, importa considerar que a linha do entendimento que, atualmente, vigora no âmbito do STJ, e que passo, também, a adotar é no sentido de que “a determinação de restituição dos valores eventualmente já descontados do Servidor Público é decorrência lógica do acatamento do pedido inicial. Precedentes: REsp. 1.707.241/DF, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 18.9.2018; REsp. 935.358/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 31.5.2010” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1298151/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 19/11/2018).
-De outro lado, como bem destacado pelo Ministério Público Federal, cujo parecer se adota, também, como razões de decidir: “No caso em tela, restou evidenciada a boa-fé das Autoras, e que os valores percebidos a maior a título de pensão por morte, decorreram de má interpretação da lei e de erros de cálculos perpetrados exclusivamente pela Administração. Dessarte, não há que se falar em reposição ao erário. Por outro lado, não merece prosperar o pedido das Autoras no sentido de que a UNIÃO seja condenada “ao pagamento das diferenças encontradas entre os valores pagos a partir de janeiro de 2012 (jan, fev, e mar-distribuição da ação em abril de 2012) até o restabelecimento da pensão no valor de R$19.451,00, tudo com juros e correção monetária atualizadora.” Com efeito, não há respaldo legal para tanto, eis que o pagamento a maior foi realizado equivocadamente, em detrimento ao disposto na Carta Magna. Em outro giro, verifica-se que a Administração, ao detectar que o instituidor da pensão faleceu em 02/09/2004, procedeu à retificação do montante do benefício da 1ª Autora, com fulcro no art. 40, §7º, II, da CF/88 - com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003 -, que assim estabelece, verbis: Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) (…) § 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será: (...) II - ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. (g.n). De fato, assiste razão à UNIÃO ao afirmar que o pagamento do benefício da 1ª Autora nos termos fixados na sentença, já vem sendo efetuado pela Administração. Aliás, na decisão proferida às fls. 343/344, o juízo de piso consignou que “O demonstrativo de fls. 305 indica que a União está promovendo adequadamente, no que diz respeito ao valor, o pagamento do benefício devido à 1ª autora”, bem como que “Não favorece a 1ª autora a paridade entre os proventos de pensão dos dependentes do servidor e os subsídios dos servidores em atividade” . No entanto, não é por esta questão, que a parte autora deva ser condenada em honorários advocatícios de sucumbência calculados entre 10% e 20% do valor da causa, com fulcro no art. 85, 3º, I, do CPC, como requer a UNIÃO. 12. Afinal, mostra-se escorreita a decisão do juízo de piso que, ao considerar que as Autoras sucumbiram em parte mínima do pedido, condenou a UNIÃO ao pagamento dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 86, parágrafo único do CPC” (fls. 498/503).
-Remessa necessária e recursos de apelação desprovidos.
Alega a parte embargante, em síntese, a ocorrência de omissão no acórdão embargado, quanto à questão relativa à prescrição, à legalidade da cobrança de valores recebidos indevidamente, além da negativa de vigência e contrariedade ao art. 46 da Lei 8.112/1990 e aos artigos 876, 884 e 885 do Código Civil, considerando que se tratou de erro operacional (TRF2, evento 29).
Contrarrazões ofertadas no evento 40 deste TRF2.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA DA SILVA (Relatora): Tenho que os presentes embargos declaratórios merecem parcial provimento.
Registre-se que os embargos de declaração possuem o seu alcance precisamente definido no artigo 1.022 do Código de Processo Civil/2015, sendo necessária, para seu acolhimento, a presença dos vícios ali elencados, quais sejam: obscuridade ou contradição (inciso I), omissão (inciso II) ou, ainda, para sanar erro material (inciso III).
No caso, o acórdão embargado foi proferido em sede de remessa necessária e de apelações interpostas pelas partes em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, “para condenar a UNIÃO FEDERAL a promover o pagamento dos proventos devidos à 1ª autora a título de pensão por morte de servidor público federal, observando-se a regra do art. 2º, II da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, nos seguintes termos: totalidade da remuneração devida a um auditor fiscal da receita federal, classe especial, padrão IV até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, acrescida de 70% da totalidade da remuneração sobre a parcela excedente a esse limite. Determino, ainda, que a União se abstenha de promover por qualquer meio, inclusive desconto em folha de pagamento, a cobrança como reposição ao erário dos valores que entende indevidamente pagos às autoras Marly de Fátima Modesto Tourão e Mariana Tourão Prado a título de pensão por morte de servidor público federal”, bem como “ao pagamento às autoras Marly de Fátima Modesto Tourão e Mariana Tourão Prado referente à pensão (na cota parte de 50% para cada uma) dos meses de setembro e outubro de 2004, tudo corrigido monetariamente desde a data em que cada pensão deveria ter sido paga, com base nos índices utilizados para atualização dos precatórios na Justiça Federal, e acrescidos de juros de 6% (seis por cento) ao ano, a partir da data da citação, excluídos estes valores se já foram recebidos administrativamente a este título”.
Destaque-se que o acórdão embargado manteve, in totum, a sentença vergastada que, como visto, não se manifestou quanto à eventual prescrição da pretensão autoral relativa à condenação no pagamento das pensões atrasadas, destinadas a cada uma das Autoras, relativamente aos meses de setembro e outubro de 2004.
Assim, conclui-se que, na hipótese, de fato, ocorreu o mencionado vício de omissão no acórdão embargado.
Em se tratando de ação ajuizada no ano de 2012, é certo que os atrasados relativos aos meses de setembro e outubro de 2004 se encontram fulminados pela prescrição, considerando o transcurso do lustro prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.
No mais, constata-se que os demais fundamentos que se apresentaram nucleares para decisão da causa foram apreciados, inexistindo outras omissões capazes de comprometerem a integridade do julgado.
Com efeito, no caso, restou expressamente consignado no voto condutor que: "Com efeito, em se tratando de possibilidade de restituição ao erário, em caso como o dos autos, em que está presente a boa-fé do administrado, aplica-se o entendimento do STJ, em sede de Recurso Repetitivo, no sentido de que "o art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé", e que "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público" (REsp 1244182/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/10/2012). Ademais, importa considerar que a linha do entendimento que, atualmente, vigora no âmbito do STJ, e que passo, também, a adotar é no sentido de que “a determinação de restituição dos valores eventualmente já descontados do Servidor Público é decorrência lógica do acatamento do pedido inicial. Precedentes: REsp. 1.707.241/DF, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 18.9.2018; REsp. 935.358/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 31.5.2010” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1298151/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 19/11/2018)”.
Por fim, cumpre consignar que o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 1025, dispõe que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.
Destarte, afigura-se desnecessário o enfrentamento de todos os dispositivos legais suscitados pelas partes para fins de acesso aos Tribunais Superiores.
Diante do exposto, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração, atribuindo-lhes efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao recurso de apelação da União e à remessa necessária, apenas para consignar a prescrição dos atrasados, destinados a cada autora, relativamente aos meses de setembro e outubro de 2004.
Documento eletrônico assinado por VERA LUCIA LIMA DA SILVA, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000906903v4 e do código CRC a6027d80.
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Signatário (a): VERA LUCIA LIMA DA SILVA
Data e Hora: 8/4/2022, às 23:34:31