Apelação Cível Nº 0001212-69.2014.4.02.5110/RJ
RELATOR: Desembargador Federal ALCIDES MARTINS
APELANTE: ROSENGE CONSTRUCOES E SERVICOS LTDA (RÉU)
APELANTE: LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE JAPERI (AUTOR)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por ROSENGE CONSTRUCOES E SERVICOS LTDA e LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS em face da sentença do evento 310 – 1º grau, complementada pelo decisum do evento 337 – 1º grau que, nos autos da ação por ato de improbidade administrativa ajuizada inicialmente, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em razão de irregularidades na gestão de recursos repassados e incorporados ao patrimônio municipal através do Convênio n° 1562/99, celebrado entre o Município de Japeri e o Fundo Nacional de Saúde (FNS), para a liberação de verbas no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), objetivando a reforma e ampliação do Posto de Saúde de Japeri, julgou procedente os pedidos para condenar os réus ao cumprimento das seguintes sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.492/92:
a) ressarcimento integral do dano causado ao erário, no total de R$ 194.744,98 (cento e noventa e quatro mil setecentos e quarenta e quatro reais e noventa e oito centavos), conforme demonstrativo de débito contido no Evento 1 – PROCADM13, págs. 56/57, o qual deverá ser atualizado monetariamente até a data do pagamento e acrescido de juros de mora, a partir da citação, tudo nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal;
b) pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em favor da União Federal, valor a ser atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, a contar da condenação, tudo de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal;
c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;
Ao réu Luiz Barcelos de Vasconcelos, imponho também a perda da função pública ou de qualquer cargo que, porventura, esteja ocupando na Administração Pública e a suspensão dos direitos políticos do réu, pelo prazo de 05 (cinco) anos.
Em suas razões recursais, no evento 347 – 1º grau, ROSENGE CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. sustenta, de início, a ocorrência da prescrição. Alega, também, a nulidade do inquérito civil, uma vez que os apelantes jamais foram intimados e/ou notificados para promover suas defesas.
Acresce que não foi demonstrada a existência de dano, além de que nem toda irregularidade cometida no âmbito do Poder Público pode ser confundida com ato de improbidade.
Argumenta ser notório que em qualquer obra, muitas modificações podem ser realizadas no projeto inicial, por motivos que fogem à vontade das partes, e por tal motivo, a própria lei licitatória permite que sejam feitas as devidas correções em casos de modificações, sem qualquer burla ao Poder Público
Por fim, sustenta que no caso em tela, há de se ressaltar que mesmo as modificações que porventura possam ter ocorrido NÃO ONERARAM o valor do serviço, e ainda, atenderam à finalidade do contrato, tanto é que o Município de Japeri aceitou a obra.
Em suas razões do evento 348 – 1º grau, LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS sustenta não haver identificação precisa de conduta ímproba incutida de má fé, enriquecimento ilícito, muito menos evidencia-se prejuízo causado ao erário público, situação tida por essencial para incidência da lei de improbidade administrativa.
Destaca que as alterações ocorridas foram necessárias à medida que a obra quando desenvolvida, percebeu-se que pela idade da construção que era necessária intervenções estruturais, haja vista, a construção com mais de 20 anos ainda pelo Município de Nova Iguaçu e cujo primeiro projeto da construção não havia sido passado ao Município de Japeri, por conta da emancipação. Terminada a obra da restauração e da ampliação foram instalados os equipamentos pertinentes ao convênio e instalados os instrumentos do laboratório de análises clínicas e, também os aparelhos da unidade de fisioterapia, ocorreu a aceitação da obra por parte do Município.
Esclarece que a inauguração ocorreu no dia 17 de junho de 2000, quando foi entregue a população de Japeri mais um posto de saúde reformado já com a ampliação dos serviços médicos: unidade de Fisioterapia, laboratório de análises clínicas e ainda um refeitório público municipal (o primeiro refeitório público do Rio de Janeiro) com atendimento para 300 (trezentas refeições diárias)
Discorre que em 2001 foi eleita uma nova administração para o quadriênio 2001/2004, daí em diante a responsabilidade pela conservação do patrimônio municipal e guarda de documentos relativos aos processos licitatórios e pagamentos já passa para esta nova administração.
Pontua que quanto às modificações de layout e disposição das salas de atendimento que o PARQUET relata como alterações físicas, inadequação e má qualidade do espaço físico disponibilizado para atendimento à população, este não levou em consideração as anotações e interferências estruturais que ocorreram durante a reforma, conforme constava no diário da obra, a qual acompanhou a prestação de contas, documento fundamental para elucidar as dúvidas e justificar as necessidades de alterações primordiais para a conclusão dos serviços. Aduz que as modificações não alteraram o objeto final da obra, mantendo assim o escopo do fornecimento e o equilíbrio do contrato, lembrando que, tais alterações foram executadas em comum acordo com o corpo técnico da Prefeitura, fiscalização da obra e técnicos da Secretaria de saúde.
Por fim, argumenta que, tendo em vista a efetiva prestação dos serviços, consoante assentado pelo Juiz a quo à luz do contexto fático encartado nos autos, revelam a desproporcionalidade da sanção imposta à parte, ora Apelante, máxime porque não restou assentada a má-fé do agente público.
Contrarrazões da UNIÃO, no evento 355 – 1º grau.
O MUNICÍPIO DE JAPERI, no evento 359 – 1º grau, ratifica os termos das contrarrazões apresentadas pela UNIÃO.
Contrarrazões do MPF, no evento 361 – 1º grau.
O MPF, oficiando nesta Corte como custos legis, em seu parecer do evento 9 – 2º grau, opinou pelo desprovimento dos recursos dos réus.
É o relatório.
VOTO
Conheço dos recursos de apelação diante da presença de seus pressupostos de admissibilidade.
Trata-se de apelações interpostas por ROSENGE CONSTRUCOES E SERVICOS LTDA e LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS em face da sentença do evento 347 – 1º grau, complementada pelo decisum do evento 337 – 1º grau que, nos autos da ação por ato de improbidade administrativa ajuizada inicialmente, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em razão de irregularidades na gestão de recursos repassados e incorporados ao patrimônio municipal através do Convênio n° 1562/99, celebrado entre o Município de Japeri e o Fundo Nacional de Saúde (FNS) para a liberação de verbas no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), objetivando a reforma e ampliação do Posto de Saúde de Japeri, julgou procedente os pedidos para condenar os réus ao cumprimento das seguintes sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.492/92:
a) ressarcimento integral do dano causado ao erário, no total de R$ 194.744,98 (cento e noventa e quatro mil setecentos e quarenta e quatro reais e noventa e oito centavos), conforme demonstrativo de débito contido no Evento 1 – PROCADM13, págs. 56/57, o qual deverá ser atualizado monetariamente até a data do pagamento e acrescido de juros de mora, a partir da citação, tudo nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal;
b) pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em favor da União Federal, valor a ser atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, a contar da condenação, tudo de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal;
c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;
Ao réu Luiz Barcelos de Vasconcelos, imponho também a perda da função pública ou de qualquer cargo que, porventura, esteja ocupando na Administração Pública e a suspensão dos direitos políticos do réu, pelo prazo de 05 (cinco) anos.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a presente ação foi ajuizada antes do advento das modificações introduzidas à Lei n. 8429/92 pela Lei n. 14.230/2021.
A Constituição da República de 1988 reconhece a defesa da probidade administrativa como corolário do Estado Democrático de Direito, estabelecendo em seu art. 37, §4º, in verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
A finalidade da lei de improbidade é penalizar é aquele ato (ou omissão) dotado de efetiva má-fé, baseado na desonestidade, na corrupção, comprometedor da moralidade, e suscetível de abalar as instituições, aplicando sanções àquele agente público no exercício de suas funções, ou por quem concorra para tal prática, ou ainda dela se beneficie, que, de forma dolosa cause efetivo prejuízo ao erário e promova o enriquecimento ilícito, viole os princípios da administração pública conforme as condutas especificadas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8429/92, com alterações trazidas pela Lei n. 14.230/2021.
A distinção entre conduta ilegal e conduta ímproba imputada a agente público ou privado é muito antiga. A ilegalidade e a improbidade tem cada uma delas a sua peculiar conformação estrita. Assim, nem todo ato administrativo irregular, inclusive que ofenda a legalidade pode ser enquadrado na Lei de Improbidade. Ao contrário, a probidade está relacionada a honradez, boa-fé, honestidade.
Com a nova exigência do dolo específico para a configuração da conduta ímproba, restou superada a jurisprudência até então sedimentada no sentido de que o dolo genérico era suficiente para a configuração do ato de improbidade.
Com efeito, a nova redação do parágrafo segundo do art. 1º da LIA pela Lei 14.230/2021 expressamente considera o dolo como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, não bastando a voluntariedade do agente.
Sob este panorama, é de fácil constatação que as alterações perpetradas pela Lei n. 14.230/2021 surgiram para restringir a aplicação das sanções por ato de improbidade às condutas dolosas, não mais abrangendo as condutas culposas antes tidas por ímprobas, nas hipóteses antes permitidas e estabelecidas na redação original do artigo 10 da Lei n. 8.429/92.
Nesse sentido, dentre as alterações promovidas pela referida lei, encontram-se mudanças ocorridas em relação à aplicação do instituto da prescrição, como também, o fato de que certos atos praticados pelos réus não mais se compatibilizam com os tipos previstos na nova redação dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.249/92, destacando-se que para a configuração de ato de improbidade a presença do dolo na conduta do agente agora se faz imprescindível para todas as condutas previstas como ímprobas.
De outro modo, vários dos incisos do artigo 11 da referida lei foram revogados e, o que antes se tratava de um tipo aberto, uma vez que o caput remetia aos seus incisos de forma meramente exemplificativa, agora é taxativo. Portanto, para além do que já foi acima registrado são diversas as hipóteses em que condutas antes tidas como ímprobas agora se tornaram fatos atípicos por não se amoldarem a nenhuma das situações previstas no rol, agora taxativo, previsto pela nova redação do art. 11 da LIA.
Dentro deste contexto, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o artigo 11 da Lei de Improbidade não mais ostenta rol exemplificativo de condutas, configurando violação de princípios, para a Lei 8.429/92, apenas os casos elencados em seus incisos e que a reforma do referido artigo consubstancia “ausência de tipicidade legal entre a conduta praticada e a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, diante da perda do caráter exemplificativo do caput. (TJ-SP; AC/Remessa Necessária n. 1000924-82.2015.8.26.0417; 3ª Câmara de Direito Público, Rel: Des. Kleber Leyser de Aquino; DJe: 15/02/2022).
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região concluiu que "a partir da vigência da Lei 14.230/21, o ato de improbidade previsto no artigo11 deve se enquadrar em uma das condutas previstas nos seus incisos, não sendo mais possível a condenação por meio de tipos abertos de violação aos princípios da administração" (TRF5, AC n. 00012068620154058103, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. THIAGO BATISTA DE ATAIDE, DJe: 23/11/2021)
Portanto, a partir da nova lei, não mais se admite a configuração de uma conduta ímproba baseada apenas no caput do artigo 11, devendo ela se amoldar a uma das hipóteses taxativamente expressas em um de seus incisos.
Também, a partir da nova redação do art. 3º, caput, da Lei n. 8429/92, não basta que o terceiro se beneficie da conduta tida por ímproba, restringindo-se a norma a alcançar aquele que, mesmo não sendo agente público, “induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”.
Por outro lado, não se pode olvidar que as sanções constantes do artigo 12 da LIA, também sofreram alterações, de forma que caso as condutas praticadas se coadunem com aquelas especificadas nos artigos 9º, 10 e 11, da mesma lei, ainda assim, devem ser ajustadas aos novos termos.
No que se refere à aplicação retroativa de norma posterior mais benéfica, na seara administrativa, a regra é a aplicação do diploma em vigor à época dos fatos, conforme o princípio do tempus regit actum, sendo certo que, sob a ótica do direito intertemporal, a retroatividade das leis é hipótese excepcional no ordenamento jurídico.
Conforme lecionam Flávio Tartuce1 e Carlos Roberto Gonçalves2, a retroatividade da norma para atingir fatos pretéritos se trata de exceção que deve estar prevista pela nova legislação.
O art. 5º, XXXVI, da CRFB/88 e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) determinam que as alterações perpetradas por diploma normativo superveniente não alcançam o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Nesse sentido, entende-se como ato jurídico perfeito aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, § 1º, LINDB), consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer (art. 6º, § 2º, LINDB), bem como se tem por coisa julgada a decisão judicial de que já não caiba recurso (art. 6º, § 3º, LINDB).
Diante do que dispõe o artigo 1º, §4º, da Lei 8.429/1992 (na redação da Lei 14.230/2021): “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”, e também, por força do artigo 5º, caput, XL, da CRFB, poder-se-ia entender que o novo sistema normativo deveria ser aplicado aos atos praticados antes de sua vigência, caso beneficie o réu, de forma que incidam até às ações anteriores.
Isto porque, em se tratando de atos de improbidade administrativa, existe o entendimento de que as sanções daí decorrentes não tem cunho administrativo, propriamente dito (decorrente do exercício do Poder de Polícia), mais se afeiçoando, por suas características, às penalidades de natureza penal, atraindo, em princípio, a aplicação da norma posterior mais benéfica.
Não se desconhece que no que toca ao direito administrativo sancionador, o STJ ainda sob a égide da redação da Lei 8.429/1992 antes, portanto, da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021 já havia decidido que se aplica o princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (RMS 37.031/SP), a vedação da analogia in malam partem (REsp 1.216.190/RS) e o estado de necessidade como excludente de ilicitude (REsp 1.123.876/DF).
Não se pode olvidar, também, que conforme o princípio da legalidade (artigos 5º, II e XXXIX, e 37, caput, da CRFB/88) "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
Todavia, no âmbito do STF, foi afetado o ARE 843.988 representativo de repercussão geral descrita no Tema 1199 cuja finalidade era definir-se se as alterações promovidas pela referida lei se aplicam de forma retroativa, sobretudo em relação à exigência do dolo na prática da conduta para a configuração do ato de improbidade administrativa, bem como acerca da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
Dito isso, foi proferida a seguinte decisão pelo Relator, Min. Alexandre de Moraes. Confira-se:
O Plenário desta CORTE definiu que a suspensão nacional dos processos não é automática, cabendo ao Relator ponderar a conveniência da medida (RE 966177 RG-QO, Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe 01- 02-2019). Na presente hipótese, não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias, haja vista que (a) a instrução processual e a produção de provas poderiam ser severamente comprometidas e (b) eventuais medidas de constrição patrimonial devem ser prontamente examinadas em dois graus de jurisdição. Não obstante, simples pesquisa na base de dados do Superior Tribunal de Justiça revela que proliferam os pedidos de aplicação da Lei 14.230/2021 em processos na fase de Recurso Especial, já remetidos ao Tribunal da Cidadania pelos Tribunais de origem. Assim, considerando que tais pleitos tem como fundamentos a controvérsia reconhecida na repercussão geral por essa SUPREMA CORTE, recomenda-se, também, o sobrestamento dos processos em que tenha havido tal postulação, com a finalidade de prevenir juízos conflitantes. Por todo o exposto, além da aplicação do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, DECRETO a SUSPENSÃO do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021.
Por fim, no dia 18/08/2022, o STF definiu a seguinte tese para o tema 1199:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Assim sendo, de acordo com o recente entendimento do STF, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo o condão de modificar a coisa julgada, ou seja, não incide em relação à eficácia da coisa julgada, tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Desta forma, enquanto o processo de conhecimento iniciado sob a égide da Lei n. 8429/92, estiver em curso, a conduta considerada culposa, desde que assim constatada, estará sujeita à incidência da nova lei, não podendo ser considerada como ímproba. Por outro lado, restou decidido, também, que o novo regime prescricional é irretroativo, apenas aplicando-se a partir da publicação da lei.
Destarte, a lei se aplica imediatamente aos casos em curso apenas nas hipóteses de atos culposos (não dolosos), praticados na vigência do texto anterior da lei e que ainda não possuam condenação transitada em julgado.
Desde que presentes esses requisitos, é permitida a aplicação da nova lei para beneficiar os processos atualmente em trâmite, num evidente intuito de corrigir possíveis distorções decorrentes de condenações por atos meramente irregulares facilmente confundidos como conduta culposa.
A tese abarcada pelo STF assegura a proteção contra o retrocesso legislativo, nos termos do artigo 65, n.º 2, da Convenção da ONU de Combate à Corrupção (Convenção de Mérida), inclusive agora expressamente mencionada no art. 11, §1º, da LIA:
§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o STF ao julgar o tema 1199 reconhece “uma espécie de retroatividade relativa” da norma no que tange às condutas culposas, compatibiliza-a com a Convenção de Mérida, de caráter cogente, desde que foi ratificada por meio do Decreto Federal n. 5.687/2006, uma vez que manteve, para as condutas dolosas, a aplicação da lei anterior, comportamentos estes baseados na corrupção, na fraude e que devem ser tutelados minimamente, em defesa do direitos fundamentais, dentre os quais o direito à probidade administrativa.
Observe-se, então, que a tese do tema 1199 não abarcou as condutas dolosas, de modo que se aplica para estas hipóteses a Lei n. 8.429/92 eis que a lei nova só alcança os agentes públicos que cometem condutas de improbidade de natureza culposa.
Sob este panorama, os atos de improbidade dolosos praticados anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021 permanecem sob a tutela da lei vigente à época dos fatos, ainda que se trate daqueles que tenham sido revogados pela referida norma.
Inicialmente, deve ser analisada a ocorrência da prescrição, tal qual aventada pela apelante ROSENGE CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. Segundo alega a fundamentação da sentença ora recorrida a respeito do tema apoia-se numa premissa equivocada, consubstanciada no fato de que a citação teria sido válida, ainda que ordenada por juízo incompetente.
Seguem os seus argumentos:
“2. Entretanto, nestes autos não se discute exatamente a incompetência do juízo que ordenou a citação. O que se traz à baila, com relevantíssima importância e que foi ignorado pelo Sentenciante, é que a citação não foi válida, porque a ação foi movida por quem não tinha legitimidade para fazê-la.
3. Com efeito, valeu-se o Ministério Público DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, do exercício do direito de ação fundamentado na Lei Especial nº 8.429, de 2 de Junho de 1992, por haver deslumbrado o cometimento de atos de improbidade praticado pelos réus, a ensejar-lhes enriquecimento ilícito em detrimento do Município de Japeri.
4. Posteriormente, já no curso da demanda, mais precisamente às fls. 282/288, o ilustre Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro chegou à conclusão que o suposto prejuízo causado pelos réus deve ser ressarcido aos cofres da UNIÃO, razão pelo qual requereu que o presente feito, inicialmente distribuído à Justiça Estadual, fosse declinada a esta Seção Judiciária.
5. Sendo assim, o que se observa é que o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro demandou por matéria cuja legitimidade é exclusiva do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, qual seja, o ressarcimento de verbas públicas da União. E se a parte é ilegítima, não se pode dizer em citação válida, até porque o art. 18 do Código de Processo Civil define expressamente que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.
6. Por outro giro, não está se dizendo que o MPE é impedido de atuar na esfera da Justiça Federal. Mas sua atuação é restrita aos interesses de seus representados, algo que a União Federal definitivamente não o é. Em outras palavras, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro demandou pelo ressarcimento de verbas que não lhe competia fazer, uma vez que esta prerrogativa é do Ministério Público Federal.
7. Sendo assim, considerando que a obra e o pagamento que deram ensejo a esta demanda se deram em 2000; que a prestação de contas há muito também foi realizada (2005); e o ingresso do Ministério Público Federal só se deu em 2014 (fls. 670/673), é evidente que o prazo prescricional em muito já ocorreu, razão pelo qual a ação deve ser julgada improcedente, com resolução de mérito, na forma do art. 487, II, do Código de Processo Civil.”
Não procedem suas alegações uma vez que nos termos do artigo 240 do CC:
Art. 240. (...) § 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.
Desta forma, como bem colocado pelo MPF em contrarrazões “O fato de a investigação das irregularidades e a propositura da demanda terem ocorrido na esfera estadual é indiferente”, circunstância que abarca, por óbvio o fato de que a ação foi inicialmente ajuizada pelo Ministério Público estadual, pouco importando que apenas em 2014 o Ministério Público Federal ingressou no feito.
Afasta-se, também, a alegação de nulidade do inquérito civil, eis que por força de sua natureza apenas investigativa, não se faz necessário o contraditório e ampla defesa, uma vez que não haverá ao final, qualquer aplicação de sanção, mas tão somente a coleta de informações.
Nesse sentido, Excelso Supremo Tribunal Federal, já decidiu que as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório não são aplicáveis na fase do inquérito civil, pois este tem natureza administrativa, de caráter pré-processual, que se destina à colheita de informações para propositura da ação civil pública (RE 481.955-ED, Rel. Ministra Carmen Lúcia, DJe 26.5.2011).
Nesse sentido aponto julgado desta 5ª Turma Especializada:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PETIÇÃO INICIAL. RECEBIMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INQUERITO CIVIL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
I – A constatação da existência de indícios da prática de atos de improbidade legitima o recebimento da petição inicial. Neste momento processual há o resguardo do interesse público a vigorar o princípio do in dubio pro societate.
II - O principal legitimado para a propositura da ação pública de improbidade é o Ministério Público Federal, inteligência do artigo 17, da Lei 8.429/92.
III – A suposta existência de atos de improbidade em Empresa Pública Federal atrai a competência para o julgamento da causa para a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I da Constituição Federal.
IV - A Lei de Improbidade Administrativa tem natureza cível e não exclui de seu alcance qualquer categoria de agente público.
V- O princípio do contraditório não prevalece no curso do Inquérito Civil ante a sua natureza administrativa e pré-processual.
VI - Ações de improbidade administrativa que abarcam a sanção de ressarcimento são imprescritíveis.
VII – Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
(TRF/2, AG nº 0108091-07.2014.4.02.0000, 5ª Turma Especializada, Relator Des. Fed. MARCELO GRANADO, julgado em 14/06/2016) (g.n.)
Desta feita, resta definir se, na hipótese dos autos, a conduta praticada pelos réus, ora apelantes, decorreu de dolo ou culpa para o fim de se estabelecer qual o diploma aplicável à questão posta a deslinde.
A presente ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Luiz Barcelos de Vasconcelos e Rosenge Construções e Serviços Ltda, objetivando a condenação dos requeridos às penalidades previstas no artigo 12 da Lei n° 8.429/92.
Conforme relatado na sentença, as Promotorias de Justiça e Tutela Coletiva do Núcleo de Nova Iguaçu instauraram, em 25 de novembro de 2005, o Inquérito Civil n° 1332/2005, com a finalidade de apurar eventuais irregularidades na gestão de recursos repassados e incorporados ao patrimônio municipal através do Convênio n° 1562/99, celebrado entre o Município de Japeri e o Fundo Nacional de Saúde (FNS) (Evento 1- OFIC6, págs., 44/53).
Aduziu, ainda, que os valores repassados tratam de “verba carimbada”, ou seja, destinada especificamente à execução das obras e serviços mencionados na avença, as quais deveriam seguir estritamente os planos e memoriais anteriormente apresentados pelo Município de Japeri. Para a execução de tais obras, foi vencedora na licitação a empresa Rosenge Construções e Serviços Ltda (Evento 1 – ATA 12, págs. 1/2).
Alegou também que a razão de se exigir fidelidade aos projetos e memoriais apresentados por ocasião do pleito da liberação de verbas repassadas seria a de possibilitar a verificação da efetiva aplicação e, assim, evitar que o Município postulante desvie os recursos, deixe de empregá-lo na finalidade antes declarada ou o empregue em materiais e serviços de qualidade inferior aos que foram previamente avençados, malbaratando o dinheiro público e lesando os legítimos interesses da parcela da população que seria beneficiada.
Em razão de tais irregularidades, expõe que foi apresentado, em sede de fiscalização da gestão dos recursos, um parecer preliminar - Relatório do Roteiro de Análise - (Evento 1 – EXTR7, págs. 36, 45/46, 49/53), no qual já se detectava que o Município de Japeri não apresentara documentos essenciais ao controle dos gastos dos recursos repassados.
Essas desconformidades, segundo o autor, acabaram confirmadas em novo parecer (Evento 1 – EXTR7, págs. 68/71), de sorte que, face à probabilidade de que a ausência de tais documentos estivesse a indicar fraude na gestão do recurso, foi determinada uma inspeção in loco (Evento 1 – EXTR7, pág. 73).
Asseverou também que a inspeção in loco acabou por confirmar a existência de sérias irregularidades na gestão dos recursos repassados ao Município de Japeri.
Argumentou que restou evidente que os recursos repassados foram malbaratados, resultando em uma obra cujo resultado final divorcia-se radicalmente do que fora previamente pactuado, seja pela inexecução de serviços que foram planejados, seja pela utilização de materiais de qualidade inferior, diversos dos que constavam no projeto anteriormente apresentado, causando prejuízo a toda sociedade.
Afirmou o autor que, por ocasião do parecer antes mencionado, foi também salientada a responsabilidade dos gestores pela insuficiência de documentos que permitissem avaliar se, a despeito de efetivamente gastos os recursos repassados, uma série de medidas previstas no “plano de Trabalho” originalmente apresentado haviam sido realmente executadas.
Detalhou que, em virtude das irregularidades perpetradas pelo gestor dos recursos, o Município foi inscrito no CADIN (Cadastro Público de Devedores Inadimplentes), o que resultou em perda efetiva de repasses de verbas públicas para o ente público em questão até que sejam sanadas as irregularidades, gerando perceptíveis transtornos ao desenvolvimento da cidade, bem como causando reais prejuízos aos interesses da população.
Requereu, ao fim, o reconhecimento da procedência do pedido, acolhendo-se a pretensão deduzida para o fim de reconhecer a prática dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, caput, e inciso XI e no art. 11, caput, e inciso I, ambos da Lei n° 8.429/92, aplicando-se aos demandados Luiz Vasconcelos e Rosenge Construções e Serviços Ltda as sanções cabíveis, nos termos do art. 12, inciso II, III e parágrafo único do mesmo Estatuto Legal.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requereu que fosse declinado o processo à Justiça Federal, sendo deferido pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Japeri, em 06/05/2014 (Evento 4).
Intimado, o MPF, no evento 12 – 1º grau, requereu o ingresso no polo ativo da demanda.
Com efeito, o Juízo a quo verificou, pela leitura dos autos, que Luiz Barcelos de Vasconcelos, na qualidade de Prefeito do Município de Japeri, solicitou ao Fundo Nacional de Saúde a liberação de verba no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), justificando o requerimento mediante apresentação de um Plano de Trabalho consistente na reforma e ampliação do Posto de Saúde de Japeri (evento 1- OFIC6, págs. 3/11).
Foram anexados o cronograma de execução e o plano de aplicação e uma minuciosa planilha orçamentária, descrevendo em detalhes os materiais que seriam utilizados nas obras de reforma e ampliação do Posto de Saúde Municipal, denominado “Especificações Básicas dos Materiais de Acabamento”, bem com planilha com memorial descritivo das obras a serem realizadas (Evento 1-OFIC6, págs. 12/31), os quais são exigidos pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), a fim de viabilizar o futuro controle das verbas repassadas ao Município postulante.
Assim, referiu o Juízo que “Com a anuência do Fundo Nacional de Saúde na liberação da verba pretendida pelo Município de Japeri, foram os recursos repassados através da Nota de Empenho cuja cópia encontra-se acostada (Evento 1 - OFIC6, pág. 40), celebrando-se, desta forma, o Convênio n° 1562/99 (Evento 1 - OFIC6, pág. 45/52), comprometendo-se o Município a seguir expressamente com o Plano e Trabalho Aprovado.” (evento 1 - OFIC6, pág. 53 – 1º grau).
Diante da prestação de contas pelo Município de Japeri ao Fundo Nacional de Saúde - Ofício n° 31/2000, de 27/12/2000 (evento 1 - OFIC6, págs. 55/60 e EXTR7, págs. 1/35 – 1º grau), o mesmo constatou irregularidades, eis que não teriam sido encaminhados “o Relatório do cumprimento do objeto, cópia dos despachos adjudicatórios e de homologação das licitações realizadas, termo de aceitação da obra, comprovante de recolhimento do saldo não aplicado e prestação de contas, conforme Ofício/MS/SE/FNS N° 0851, de 27/03/2001 (evento 1-EXTR7, pág. 36 – 1º grau).
Desde que encaminhada nova Prestação de Contas ao Fundo Nacional de Saúde (Ofício n° 1234/2001 – G.S., de 29/10/2001 - evento 1-EXTR7, págs. 38/41 – 1º grau), observou o FNS que não foi acompanhada do termo de aceitação da obra, nos moldes do Ofício/MS/SE/FNS N° 3862, de 17/12/2001 (evento 1-EXTR7, pág. 45 – 1º grau), tampouco da cópia do termo de aceitação da obra e dos despachos adjudicatórios e homologação das licitações, de acordo com o Ofício n° 0264/MS/SE/FNS, de 04/02/2002 (evento 1-EXTR7, pág. 46 – 1º grau).
Constatou o Juízo que “posteriormente, por meio dos itens 010207 e 010209 do Relatório do Roteiro de Análise e Relatório do Roteiro de Reanálise, datados de 12/09/2002 e 17/03/2003, (Evento 1-EXTR7, págs. 49/53 e 63/67), respectivamente, identificaram-se, mais uma vez, a ausência da cópia do Termo de Aceitação da Obra e dos despachos adjudicatórios e homologação das licitações, bem como pelos Pareceres GESCON N° 7110 e 491, de 19/11/2002 e 18/03/2003. (evento 1-EXTR7, págs. 49/53 e 68/70 – 1º grau).
Em virtude da ausência dos referidos documentos, foi realizada uma inspeção in loco (evento 1 – EXTR7, pág. 73 – 1º grau), que apontou irregularidades na gestão dos recursos repassados ao Município de Japeri, conforme destacado pelo Juízo:
“Relatório de Verificação “in loco” N° 32-1/2003
DA LICITAÇÃO
Segundo informações colhidas “in loco”, houve desaparecimento de documentos. Não tendo como analisá-los.
Não foi possível a avaliação das despesas com relação às especificações do Plano de Trabalho através da documentação, pois esta não foi apresentada.
(...)
CONSTATAMOS QUE AS ESPECIFICAÇÕES DOS MATERIAIS APRESENTADOS ORIGINALMENTE NÃO FORAM SEGUIDAS, MAS NÃO HÁ DOCUMENTO DO MS AUTORIZANDO A REFORMULAÇÃO DO PLANO QUANTO A ISSO NEM QUANTO A QUALQUER OUTRA NOTIFICAÇÃO.
(...)
A obra foi concluída mas não há como verificar a data de sua conclusão. Não há termo de recebimento definitivo nem provisório. A data da nota fiscal referente ao último pagamento é 24/08/2000.
A execução da obra não atendeu aos requisitos técnicos legais previstos...”
As “considerações finais” do relatório de verificação in loco (fls. 145 do anexo do IC 1332) são eloquentes no que concerne à caracterização da má gestão do recurso público:
“DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que tange à avaliação da execução do objeto do convênio, pode-se afirmar que:
O resultado alcançado pelo convenente deixa a desejar em virtude das falhas apresentadas neste relatório que RESULTAM NA INADEQUAÇÃO E MÁ QUALIDADE DO ESPAÇO FÍSICO DISPONIBILIZADO PARA O ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO.
(...)
A unidade está em funcionamento, ainda que de FORMA INSATISFATÓRIA DO PONTO DE VISTA DE SUAS QUALIDADES FÍSICAS.” (evento 1-EXTR7, págs. 77/80 e Evento 1-RELT8, págs. 1/5 – 1º grau)
Em remate ao relatório de Verificação “in loco” N° 32-1/2003, a Coordenação de Prestação de Contas Contratos e Convênio do Fundo Nacional de Saúde/MS, por intermédio do Parecer GESCON N° 2765, de 25/08/2003, recomendou ao gestor a restituição integral dos recursos repassados pelo FNS, bem como observou que as obras concluídas não guardaram consonância com o projeto original estabelecido no convênio:
“PARECER GESCON N°2765 DE 25/08/2003.
(...)
Diante da documentação analisada, consideramos que são insuficientes as justificativas e documentação apresentadas, e ainda pelo que foi constatado no Roteiro de Análise Preliminar, verificamos as seguintes ocorrências, impropriedades e/ou irregularidades, conforme demonstrada a seguir:
1 – Em razão do não atendimento das recomendações formuladas pelo Parecer supracitado, foi solicitada a realização de Verificação “in loco”, e conforme consta do Relatório n° 32-1/03, de 25.06.03, foi recomendado ao gestor restituir ao FNS/MS, a totalidade dos recursos repassados, visto que a documentação necessária não foi disponibilizada para análise. Ficou constatado que as obras foram concluídas, cuja área, em princípio, é a mesma constante do Plano de Trabalho aprovado, porém, se observou alterações físicas em relação ao projeto original, além do que, a planilha apresentada, referente aos serviços medidos e pagos não guarda correspondência com a planilha orçamentária aprovada inicialmente.
2 - Em resposta ao citado Relatório, o gestor atual encaminhou suas justificativas mediante datado de 18/07/2003, assim como formalizou nova Prestação de Contas demonstrando e comprovando a utilização dos recursos de contrapartida, porém, a Planilha ora encaminhada é a mesma já existente nos autos, a qual, segundo a verificação “in-loco”, não permite definir que serviços foram executados, medidos e pagos.
3 – Face vários itens da Planilha Orçamentária terem sido construídos em desacordo com o projeto original, e com vistas à obtenção de pronunciamento da Área Técnica de Engenharia deste Ministério, solicitamos encaminhar a Planta Baixa do projeto executado, constando as alterações introduzidas na obra, bem como as medições realizadas devem evidenciar nominal e quantitativamente os itens executados.”(...) (evento 1 - CONTRSOCIAL13, págs. 13/15 – 1º grau)
Na mesma linha, a Nota Técnica 032/MS/SE/MS, de 15/03/2005, elaborada a partir de solicitação da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde:
“(...)
Informações/Esclarecimentos
- Análise de Arquitetura:
(...)
Os projetos de Arquitetura encaminhados pelo Gestor não possuem nenhuma relação com os projetos aprovados pelo Ministério da Saúde. Portanto, não sendo possível a sua análise técnica. Lembramos que os serviços definidos nos termos do convênio são referentes apenas a serviços de “Ampliação.
(...)
- Análise de Engenharia:
1.0 Análise documental
(...)
De acordo com o relatório de verificação “in loco” n° 32-1/2003, de 25/06/2003, foi constatado que a obra encontrava-se concluída, porém, com a observação que alguns materiais e serviços teriam sido substituídos em relação às especificações originais.”
(...)
2.1 Planilha orçamentária
A Convenente encaminhou planilha de medição da Rosenge Construções e Serviços Ltda no valor global de R$ 106.041,46, referente ao serviço de reforma do poso de saúde.
Na planilha de medição encaminhada pela Prefeitura Municipal de Japeri/RJ não foi discriminado os serviços referentes à ampliação.
- Atendimento ao Parecer n° 259/2004 que solicita a esta Coordenação se a alteração do projeto teria sido aceita, se solicitada antes da execução da obra, temos a informar:
Esta coordenadoria acataria apenas aos serviços referentes à ampliação de unidade de saúde conforme previsto no Plano de Trabalho aprovado, ou seja, da maneira que a planilha de medição no valor de R$ 106.041,46 foi apresentada para análise (REFORMA DO POSTO DE SAÚDE), as alterações apresentadas não seriam aceitas, por contrariar a natureza de despesa”. (evento 1 - CONTRSOCIAL13, págs. 46/47 – 1º grau)
Considerou, ainda, o Juízo, o fato de que em virtude das irregularidades apuradas, “o Parecer n° 0118/2005, aprovado pela Coordenação de Prestação de Contas, concluiu pela não aprovação da Prestação de Contas apresentadas pelo gestor do Município de Japeri, solicitando-se, por consequência, a devolução da totalidade dos recursos repassados, estimados em julho de 2005 no valor de R$ 194.744,98 (cento e noventa e quatro mil, setecentos e quarenta e quatro reais e noventa e oito centavos), conforme demonstrativo acostado (evento 1 - CONTRSOCIAL13, págs. 53/58 – 1º grau).
Especificamente no que toca à empresa Rosenge Construções e Serviços, prosseguiu o Juízo destacando que “segundo notas fiscais acostadas (evento 1 - CONTRSOCIAL13, págs. 22 e 30), esta empresa recebeu efetivamente pelos serviços, favorecendo-se, assim, do malbaratamento dos recursos públicos, levando em conta que, inobstante haver recebido valores orçados com base no projeto original, executou uma obra de qualidade inferior, conforme relatado no Parecer N° 0118/2005 (Evento 1 – CONTRSOCIAL13, págs. 53/58, in verbis:
“(...)
Diante da documentação analisada, consideramos que não são satisfatórias as justificativas e documentação apresentadas, pelo(s) seguinte(s) motivo(s):
1 - Conforme Relatório de Verificação “in Loco” n° 32-1/2003, de 25/06/2003, ficou constatado que a obra foi concluída, porém foram observadas alterações físicas em relação ao projeto original, além de não haver correspondência entre a planilha referente aos serviços medidos e pagos e a planilha orçamentária aprovada;
Quando da Verificação, não foram apresentados os documentos comprobatórios de execução das despesas, sendo recomendado ao Gestor restituir o valor total repassado à conta do FNS/MS;
2. Em resposta o Gestor atual encaminhou justificativas mediante expediente de 18/07/03, entretanto, por meio da documentação enviada, não foi possível definir quais serviços foram executados, medidos e pagos;
(...)
5.1. “Os projetos de Arquitetura encaminhados pelo Gestor não possuem nenhuma relação com os projetos aprovados pelo Ministério da Saúde. Portanto, não sendo possível a sua análise técnica...”
5.3. “A convenente encaminhou planilha de medição da Rosenge Construções e Serviços Ltda no valor de R$106.041,46 referente a serviços de reforma de posto de saúde. Na planilha de medição encaminhada pela Prefeitura Municipal de Japeri não foi (sic) discriminado (sic) os serviços referentes à ampliação.”
5.4. “Esta coordenadoria acataria apenas os serviços referente (sic) à ampliação de unidade de saúde conforme previsto no Plano de Trabalho Aprovado, ou seja, da maneira que a planilha de medição no valor R$ 106.041,46 foi apresentada para análise (REFORMA DO POSTO DE SAÚDE), as alterações apresentadas não seriam aceitas, por contrariar a natureza de despesa.”
6. Mediante o Ofício n° 1436//MS/SE/FNS, de 19/04/2005, a citada Nota Técnica foi encaminhada ao Gestor, porém, até a presente data não houve atendimento da mesma, portanto, solicitamos a devolução da totalidade dos recursos repassados, atualizados conforme demonstrativo de débito anexo, abatido desse total o valor já devolvido.
Face ao exposto e pelo que já foi constatado no Roteiro de Análise Preliminar, opinamos pela NÃO APROVAÇÃO da Prestação de Contas, uma vez que ficou comprovado o não cumprimento do estabelecido no Termo do Convênio, devendo ser instaurado Processo de Tomada de Contas Especial, sem prejuízo de outras sanções pertinentes.
(...)
Nesse panorama, ao contrário da conclusão que chegou o Juízo de 1º. Grau, não é possível se constatar, com absoluta certeza que os valores repassados foram malbaratados, em que pese o resultado das obras tenha se afastado do que anteriormente ajustado, eis que a reforma e ampliação do Posto de Saúde foi concluída e o mesmo se encontra em funcionamento.
Na hipótese especifica, entendo que não pode ser atribuída responsabilidade ao Prefeito, nem tampouco da empresa apelante, pois não se mostra presente a existência de dolo dos mesmos para caracterização de ato de improbidade.
Embora toda a argumentação do Juízo tenha sido direcionada para a comprovação da existência de conduta ímproba por parte dos apelantes, depreende-se que na aferição do grau de reprovabilidade e sancionabilidade da conduta praticada, deve-se ter extrema cautela para o fim de não se caracterizar equivocadamente como condutas ímprobas ou até infração penal, atos meramente irregulares passiveis apenas de correção administrativa.
Sabe-se que a orientação do STJ no que se refere ao elemento subjetivo – dolo genérico, é a seguinte: "o que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas". (AgRg no REsp 1539929/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 02/08/2016)
É certo que a análise das contas por órgãos de controle interno não tem o condão de inviabilizar a apreciação judicial e a condenação por ato de improbidade administrativa em virtude da independência das esferas administrativa e judicial.
Com efeito, o caput do art. 12 da Lei nº 8.429/92 permite que um mesmo fato repercuta nas instâncias administrativa, cível e penal e que, em cada uma delas, o julgamento possa ser distinto.
In casu, concluiu-se pela não aprovação das contas, culminando com a devolução da totalidade dos recursos repassados, estimados em julho de 2005 no valor de R$ 194.744,98 (cento e noventa e quatro mil, setecentos e quarenta e quatro reais e noventa e oito centavos), conforme demonstrativo acostado (evento 1 - CONTRSOCIAL13, págs. 53/58).
Analisando-se detidamente os autos, sobretudo os documentos acima reproduzidos, que serviram de base para a condenação dos apelantes, embora seja incontroverso o fato de que foram constatadas irregularidades na condução do atos decorrentes do convênio, não se pode afirmar, com absoluta convicção, a responsabilidade dos apelantes, pois não se mostra presente a existência de dolo para caracterização de ato de improbidade não havendo comprovação suficiente de dano ao erário, tampouco favorecimento de terceiros.
De qualquer modo, na esteira do que sustenta o réu LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS em sua apelação: “Vale destacar que as alterações ocorridas foram necessárias à medida que a obra quando desenvolvida, percebeu-se que pela idade da construção que era necessária intervenções estruturais, há vista, a construção com mais de 20 anos ainda pelo Município de Nova Iguaçu e cujo projeto primeiro da construção não havia sido passado ao Município de Japeri, por conta da emancipação.” (evento 348 – 1º grau)
Nesse contexto, reputo oportuno, ainda, mencionar que o réu LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS, em sua contestação, acena com as seguintes conjecturas as quais não foram sequer ponderadas pelo Juízo ao formar seu juízo de convicção:
“Como é de praxe, obras de reformas com demolições sempre ocorrem imprevistos, e pontos de demolições são vistos pela sua superfície, estas superfícies (reboco), encobrem detalhes que se ocultam durante o levantamento técnico local ocorrentes na fase de elaboração da planilha orçamentária, o que ocorreu no ano de 2008.
Muito embora, como se vê, neste momento, se passaram mais de 15 anos (quinze anos) quando da entrega da obra, se tornando assim difícil lembrar, reunir informações e obter documentos para detalhar os pontos abordados por esta citação.
Quando da elaboração do projeto básico da reforma, o espaço disponível para o aumento da disponibilidade de serviços a ser prestado a população foi respeitado, tanto que, na oportunidade dia 17 de junho de 2000, sábado, além de outras várias inaugurações conta a reinauguração do Posto de Saúde de Japeri, que ganhou UNIDADE DE FISIOTERAPIA, LABORATÓRIO DE ANALISES CLINICA, E REFEITÓRIO COMUNITÁRIO, para atender 300 pessoas diariamente, conforme consta da matéria jornalística da época.
Conforme acima exposto o projeto atendeu rigorosamente e até superou as expectativas que ampliou a capacidade de atendimento para até 300 pessoas diariamente.
Com relação a algumas modificações do projeto que difere do projeto original, ocorreu dentro da normalidade funcional de qualquer obra e por motivos óbvios, principalmente quando esta obra é de reforma de prédio antigo, e neste caso uma construção com mais 20 anos. Cuja construção, ocorreu ainda pelo município de Nova Iguaçu. Não havendo sido repassado ao Município de Japeri os projetos estruturais da construção do prédio.
É comum ocorrer na fase de elaboração da planilha inicial da obra, e passa despercebido, que por baixo do reboco venha existir uma estrutura de concreto e ferro (colunas) que sustentam a construção (esta estrutura não pode ser demolida sob pena de comprometer a segurança do prédio), e na fase de execução da obra descobre-se que esta estrutura é essencial para sustentação do prédio, aí vem a celebre pergunta: o que fazer?
A solução técnica encontrada pela engenharia é promover imediatamente a modificação necessária para que haja a continuidade da obra, sem afetar a estrutura de contenção do prédio, e abrir um procedimento administrativo local, que é fazer constar no DIÁRIO DA OBRA a descrição do ocorrido e apresentar a solução encontrada.
De comum acordo com a engenharia as partes definem o procedimento e dão prosseguimento a construção, apuram os custos e/ou reduções dos valores e adequam o orçamento da obra; e ainda é normal que se procure compensar estes custos com a redução ou inclusão de itens que porventura não foram contemplados na planilha de preços.
Por conseguinte, para o esclarecimento definitivo para este ponto observado alteração física com relação ao projeto original, é necessário que se verifique o DIARIO DA OBRA, pois as modificações, alterações e/ou reduções que ocorreram estão esclarecidos neste documento, que acompanhou a prestação de contas enviado à concedente.
Conforme acima exposto não ocorreu o desvio da finalidade do convenio e podemos afirmar que toda a verba repassada foi efetivamente aplicada cumprindo assim o objeto do convenio.
Conforme consta na folha 07 da citação último parágrafo “A obra foi concluída, mas não há como verificar a data de sua conclusão........”. Fica claro e evidenciado que não houve desvio de recursos, pois a afirmação é clara: A obra foi concluída.
É evidente que a obra foi concluída até porque foi inaugurada, porém com relação a afirmação de houve o “desaparecimento de documentos” podemos afirmar que o Município de Japeri na gestão 1997/2000 contava com um rigoroso controle dos processos que por norma interna a Controladoria Geral não deixaria passar tal irregularidade. A partir de 01 de janeiro de 2001, já não podemos nos responsabilizar pela guarda de documentos, uma vez que a administração era de outro prefeito.
É mencionado, ainda, que o manifestante agiu de forma irregular na reforma e ampliação referente ao convênio nº1562/99, empregando o recurso na finalidade declarada ou empregando o recurso em materiais e serviços de qualidade inferior aos que foram previamente avençados. Mais uma vez, frise-se, se houve prática de fato tipificado como crime, seja com base no código penal ou no próprio estatuto licitatório, a presente ação não é veículo para a discussão sobre esse assunto.
Com relação a evidencia de que foi empregado material com qualidade inferior, podemos afirmar que a administração municipal sempre preservou a qualidade das obras, bem como o emprego de materiais de primeira.
Supondo que este fato tenha ocorrido, as avarias teriam surgido imediatamente após a conclusão das obras, pois um local com um grande fluxo de pessoas transitando, cerca de 300 atendimentos diários além dos funcionários lotados na unidade, concluímos que mensalmente estas instalações são frequentadas por aproximadamente 8000 pessoas, que utilizam todo o complexo e principalmente as instalações sanitárias que são os espaços de maior desgaste além do uso continuo de material de limpeza como alvejantes, cloro, água sanitária, soda caustica, detergentes e outros materiais corrosivos.
Ora, se os materiais utilizados na construção fossem de qualidade inferior, há de se concluir que em poucos dias a unidade de saúde estaria paralisada sem condições de atendimento.
Conforme exposto, e de acordo com as informações colhidas nos autos a inspeção realizada na unidade de saúde ocorreu em 2003, por tanto, três anos após a entrega da obra, fica claro que ao se passar três anos é normal que haja desgastes das instalações, pintura, piso, moveis, elétrica, hidráulica, etc.
Por aí já se percebe o intuito infundado do autor com a propositura da presente ação em face do manifestante.
Exa., aqui não se está dizendo que os fatos sobre a suposta irregularidade na gestão de recursos do convênio nº 1562/99, não seja verídico e nem nos cabe fazer tal afirmação na presente manifestação. Agora, o que vai se deixar estreme de dúvidas é que o manifestante em momento algum participou da suposta irregularidade e que jamais teve qualquer conduta ímproba.
No tocante ao modus operandi descrito e que seria praticado na irregularidade, o autor pretende insinuar que determinados agentes públicos agiram irregularmente na obra de reforma e ampliação do Posto de Saúde de Japeri referente ao convênio nº 1562/99.
Nessa linha de raciocínio, o autor inclui o ora manifestante na suposta irregularidade da reforma e ampliação do Posto de Saúde Municipal, alegando, inclusive, uso de materiais inferiores ao previamente avençados.
É bem verdade que houve sim o convênio entre o Município de Japeri e a União Federal, para realização da reforma e ampliação do Posto de Saúde Municipal de Japeri.
Até aí não se encontram maiores complexidades. No entanto, o autor diz que a aplicação de recursos referente ao convênio nº 1562/99 foi realizado de com irregularidade na gestão de recursos. Tal alegação é desses absurdos que clamam aos céus!
O autor quer fazer acreditar que o que levou a caracterizar a irregularidade na gestão de recursos do convênio mencionado com os imprevistos que são de praxe em qualquer obra de reforma”.
No caso em comento, a própria testemunha arrolada pelo MPF, e ouvida em Juízo, Rosemery Carvalho de Souza, em seu depoimento (evento 273, Depoimento Testemunha 3 – 1º grau) esclarece que era a engenheira responsável técnica pela empresa ROSENGE CONSTRUÇOES E SERVIÇOS LTDA e afirma ter trabalhado na obra de reforma e ampliação do Posto de Saúde Municipal de Japeri, não sabendo precisar quanto tempo durou a obra haja vista já terem se passado vinte anos.
Observe-se que as conclusões do Juízo a quo no sentido da configuração dos atos aqui praticados como sendo de improbidade repousaram, unicamente no seguinte:
“Em relação ao mérito propriamente dito, restou devidamente comprovado, no curso da instrução probatória, que os réus praticaram os atos de improbidade administrativa descritos na peça exordial.
Desta forma, o convênio n° 1562/99, objeto da presente demanda, tinha como objeto a reforma e ampliação do Posto de Saúde de Japeri a ser realizada pela empresa Rosenge Construções e Serviços Ltda, com a liberação de verba do Fundo Nacional de Saúde no montante de R$ 100.000,00, sendo que após a prestação de contas ao Fundo foram constatadas diversas irregularidades na utilização dos recursos repassados.
Apesar das irregularidades, a empresa Rosenge foi devidamente remunerada como se houvesse realizado a obra conforme o pactuado, ou seja, com a qualidade pactuada.
Neste diapasão, restou devidamente comprovado que a empresa ré se beneficiou, indevidamente, ao receber o valor total contratado, apesar de ter entregue a obra com diversas irregularidades.
Já o apelante Luiz Barcelos, ex-prefeito de Japeri, efetuou o pagamento pelos serviços realizados com qualidade inferior ao pactuado, não agindo, assim, de acordo com os princípios da Administração Pública, pois tinha conhecimento de que o montante pago não era condizente com a obra apresentada.
Destaque-se, ainda, que o apelante Luiz Barcelos deixou de apresentar documentos essenciais à prestação de contas e firmou termo de aceitação de uma obra que não atendeu aos parâmetros pactuados, com qualidade bem inferior.”
É certo que deve a autoridade administrativa zelar pela licitude e verificar a regularidade da contratação.
Todavia, na hipótese vertente, não houve atribuição ou comprovação de que o réu LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS atuou de forma dolosa, eis que a mera qualidade de Chefe do Poder Executivo Municipal não é suficiente a comprovar a sua clara sua intenção para favorecimento de terceiros.
Nesse sentido, concluo que os argumentos postos na sentença não são aptos a configurar ato improbo na hipótese.
Tendo em vista que para a comprovação da prática de ato de improbidade, deve haver a imputação específica da conduta ímproba, sendo exigido o dolo nos casos dos artigos 9º e 11, ou ao menos a culpa, na hipótese do artigo 10 (antes das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021), não há que se falar em improbidade.
Ora, diante da antiga redação o elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 10, XI, da Lei nº 8.429/92 se consuma com a mera culpa do agente. Em outras palavras, basta o comportamento voluntário do agente, imprudente, negligente ou imperito, contrário ao seu dever funcional de boa gestão administrativa e de atenção ao trato dos negócios públicos.
Portanto, nem mesmo diante da redação original do artigo 10 da Lei n. 8429/92, que permitia a caracterização de ato de improbidade mediante a prática de conduta culposa, os atos praticados pelos réus poderiam ser considerados como ímprobos, eis que no máximo poderia se falar na existência de uma culpa leve. Isso porque a culpa que se espera e permeia o ato de improbidade (isso antes das alterações feitas pela Lei n. 14.230/2021) e que se fazia encaixar nas hipóteses previstas no artigo 10 é a culpa grave, em nenhum momento verificada nos autos.
De outro lado, para que sejam imputadas aos réus a prática de ato ímprobo por violação de deveres funcionais nos moldes do caput do artigo 11 da Lei nº 8429/92 (na redação anterior a da Lei n. 14.230/2021), necessário que tenham agido com dolo, o que significa o intuito deliberado de ofender aos princípios da administração pública, não sendo suficiente para tal caracterização a mera culpa, muito menos se diga pela prática de atos irregulares.
Veja-se que a condenação dos ora apelantes com base no caput do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, baseou-se em conduta desprovida de dolo, ou seja, nem mesmo diante da redação original do artigo 11 da LIA a configuração da conduta improba era viável, eis que à época dos fatos necessário seria que restasse demonstrado de maneira inequívoca o dolo na conduta, agindo de forma livre e consciente, cometendo o ato ímprobo que lhes está sendo imputado.
Neste viés, não restou demonstrada a presença do indispensável elemento subjetivo do agente. Sequer ficou provada a má-fé, de forma que deve ser afastada a condenação dos Réus uma vez que não ficou provado o dolo dos mesmos.
De tudo o que foi reportado nos autos, concluiu-se que na hipótese presente, não há motivo, por si só, capaz de gerar o entendimento de que o emprego de verba pública ficou a bel prazer da escolha do administrador público.
Com efeito, analisando-se a presente demanda à luz da Lei n. 14.230/21, não foi possível constatar que tenham os réus laborado com dolo, elemento indispensável para a configuração da conduta ímproba de modo que não pode ser atribuída qualquer responsabilidade ao agente para caracterização de ato de improbidade.
De fato, o dolo está vinculado à conduta do agente, e não ao próprio resultado, motivo pelo qual depende de demonstração.
O Juízo a quo em nenhum momento constatou dos elementos dos autos a existência de dolo na conduta dos réus. Veja-se, que todo o tempo menciona a existência de irregularidades.
Registre-se que além da imprescindibilidade da existência de dolo não mais se admite o dano presumido de forma que deve ser demonstrado o efetivo prejuízo ao erário.
Ainda, importa destacar que a gravidade de uma condenação por improbidade administrativa reclama a presença de indicativos consistentes no sentido de que o acusado tenha efetivamente participado de forma relevante nos fatos que ensejaram a configuração do ilícito.
Também, a partir da nova redação do art. 3º, caput, da Lei n. 8429/92, não basta que o terceiro se beneficie da conduta tida por ímproba, restringindo-se a norma a alcançar aquele que, mesmo não sendo agente público, “induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”.
Desta forma, não resta dúvida de que a hipótese concreta se amolda à tese do Tema 1199 do STF no sentido de que em se tratando de conduta culposa se aplica a Lei nº 14.230/2021 às ações em curso e que ainda estejam na fase de conhecimento, portanto antes do trânsito em julgado.
Nesse sentido, colaciono recente julgado proferido no âmbito desta 5ª Turma Especializada:
AÇÃO DE IMPROBIDADE AMINISTRATIVA. CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA 4ª REGIÃO. LICITAÇÃO. FRUSTRAÇÃO. CONCORRÊNCIA. CONTRATAÇAO DE ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA. AUSENCIA DE JUSTIFICAÇÃO. CONDUTA CULPOSA. APLICAÇAO DA LEI N. 14.230/2021. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA. REMESSA NÃO CONHECIDA.
1. TRATA-SE DE REMESSA NECESSÁRIA E DE APELAÇÃO INTERPOSTA POR JULIO CESAR DO MONTE EM FACE DA SENTENÇA DO EVENTO 325 – 1º GRAU, QUE NOS AUTOS DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA INICIALMENTE PELO CONSELHO NACIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA – CONTER E PELO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO:
2. A PRESENTE AÇÃO FOI AJUIZADA ANTES DO ADVENTO DAS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS À LEI Nº 8429/92 PELA LEI Nº 14.230/2021.
(...)
7. CONFORME RELATADO NA SENTENÇA, CONSTA NA INICIAL QUE NA AÇÃO DE IMPROBIDADE Nº 0009398-79.2012.4.02.5101, QUE TRAMITOU PERANTE A 2ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, FOI DEFERIDA A LIMINAR DETERMINANDO O AFASTAMENTO DE 18 (DEZOITO) PESSOAS QUE OCUPAM CARGOS NO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA. CONTUDO, AO DAR CUMPRIMENTO A LIMINAR, VERIFICOU-SE QUE A DEFESA DA AUTARQUIA NÃO PODERIA SER REALIZADA PELOS RÉUS JÚLIO CÉSAR DO MONTE E EDSON JORGE RODRIGUES, PORQUE O PRIMEIRO TERIA SIDO CONTRATADO INDEVIDAMENTE PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE ASSESSOR JURÍDICO, POR MEIO DE PORTARIA DE CONTRATAÇÃO, EM CLARA VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA QUE EXIGE A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. SEGUNDO AS INFORMAÇÕES, OS RÉUS EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, ANDREIA ARRUDA AVELINO E IVANIR MELLO DA SILVA, MESMO CONHECEDORES DA ILEGALIDADE PRATICADA, PUBLICARAM ATO SOLIDÁRIO PARA LEGITIMAR A IRREGULAR INVESTIDURA DA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA AUTARQUIA, E O ADVOGADO EDSON JORGE RODRIGUES, CHEFE DA ASSESSORIA JURÍDICA, NADA FEZ PARA COIBIR TAL ATO. ARGUMENTOU-SE QUE A CONTRATAÇÃO DE JÚLIO CESAR DO MONTE NÃO SE DEU EM BENEFÍCIO DA AUTARQUIA, JÁ QUE DEIXOU DE AJUIZAR DIVERSAS AÇÕES, ENTRE ELAS AS EXECUÇÕES FISCAIS, EM ATRASO DO PERÍODO DE 2006 A 2011, ACARRETANDO A PRESCRIÇÃO; E A FALTA DE AÇÃO DA ASSESSORIA DA AUTARQUIA, CONDUZINDO A PERDA DE PRAZO COM A CONCESSÃO DE INDENIZAÇÕES CONTRA O CRTR – 4ª REGIÃO.
8. SEGUNDO OS ENTÃO AUTORES HAVIA UM CONTRATO DE TRABALHO FIRMADO COM O RÉU EDSON JORGE RODRIGUES, PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSESSORIA JURÍDICA, O QUE AFASTARIA A NECESSIDADE DA CONTRATAÇÃO TERCEIRIZADA DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA DE ADVOCACIA. DEFENDERAM QUE A “CONTRATAÇÃO COM O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS LTDA. CONSTITUI ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM FAVORECIMENTO AO ADVOGADO JÚLIO CÉSAR DO MONTE E COM BENEFÍCIO SOLIDÁRIO DOS DEMAIS RÉUS, EIS QUE NOTICIA ENGENDRAMENTO DE ALTERAÇÃO DE BENEFICIÁRIOS PARA A ADVOCACIA PARTICULAR DOS RÉUS, EM DETRIMENTO DO ÂMBITO ESPECÍFICO DA ÁREA DE ATUAÇÃO DAS AUTORAS, CUJO DANO SE REFLETE CABALMENTE EM DETRIMENTO DO ERÁRIO DO CRTR-4ª REGIÃO”.
9. O JUÍZO DELIMITOU O OBJETO DA PRESENTE DEMANDA, CONFORME A DECISÃO LIMINAR, APENAS A ANALISE (1) DA EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL NA CONTRATAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS LTDA.; (2) DE EVENTUAIS PREJUÍZOS CAUSADOS AO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO – CRTR – 4ª REGIÃO NA CONDUÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS DE SEU INTERESSE E NO TRATAMENTO DADO À COBRANÇA DE ANUIDADES EM JUÍZO, NOS TERMOS DO RECEBIMENTO NA INICIAL OCORRIDO ÀS FLS. 2512/2520.
10. NESSE SENTIDO, O JUÍZO A QUO, POR MEIO DA SENTENÇA DO EVENTO 325 – 1º GRAU, JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS EM RELAÇÃO A ANDREIA ARRUDA AVELINO, IVANIR MELLO DA SILVA E EDSON JORGE RODRIGUES E PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR OS RÉUS EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS E JÚLIO CÉSAR DO MONTE, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 10, VIII, E 12, II, DA LEI Nº 8.429/92, AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL CORRESPONDENTE AO VALOR ATUALIZADO DA DESPESA INCORRIDA NA EXECUÇÃO DOS TERMOS ADITIVOS, QUE DEVERÁ SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA (CARÁTER SANCIONATÓRIO), À RAZÃO DE 25% DO MONTANTE PARA CADA UM DOS RÉUS PESSOA FÍSICA E 50% DO MONTANTE PARA A SOCIEDADE DE ADVOGADOS, PROIBINDO-LHES, AINDA, DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO OU DELE RECEBER BENEFÍCIOS OU INCENTIVOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, AINDA QUE POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA QUAL SEJA SÓCIO, PELO PRAZO DE 05 (CINCO) ANOS.
11. DETERMINOU-SE QUE A MULTA CIVIL DEVERIA SER REVERTIDA EM FAVOR DO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 18 DA LEI Nº 8.429/92 (“A SENTENÇA QUE JULGAR PROCEDENTE AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANO OU DECRETAR A PERDA DOS BENS HAVIDOS ILICITAMENTE DETERMINARÁ O PAGAMENTO OU A REVERSÃO DOS BENS, CONFORME O CASO, EM FAVOR DA PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA PELO ILÍCITO”).
12. EM RELAÇÃO À ALEGADA EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL NA CONTRATAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS LTDA., CONCLUIU O JUÍZO NÃO HAVER PROVAS DE QUE ANDREIA ARRUDA AVELINO, IVANIR MELLO DA SILVA E EDSON JORGE RODRIGUES TERIAM CONTRIBUÍDO OU PARTICIPADO NA CONTRATAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS, O QUE AFASTARIA A PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO, CONCLUINDO, POR OUTRO LADO, PELA RESPONSABILIZAÇÃO DE EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, JÚLIO CESAR DO MONTE E MONTE & REINOL ADVOGADOS LTDA.
13. NO QUE TOCA AOS RÉUS, EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, JÚLIO CESAR DO MONTE E MONTE & REINOL ADVOGADOS LTDA., O JUÍZO CONCLUIU DE MODO DIVERSO, PORQUE O PRIMEIRO, COMO PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS DE RADIOLOGIA DA 4ª REGIÃO, ASSINOU OS TERMOS ADITIVOS DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, AOS 10.10.2009 E 10.12.2010 (FLS. 1494 E 1499), COM O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS, REPRESENTADO PELO SEGUNDO.
14. NESTE PONTO, REITERE-SE QUE APENAS JÚLIO CESAR DO MONTE INTERPÔS APELAÇÃO, TENDO A SENTENÇA TRANSITADO EM JULGADO PARA EDVALDO SEVERO DOS SANTOS E MONTE & REINOL ADVOGADOS LTDA.
15. RELEMBROU O JUÍZO ACERCA DA NECESSIDADE DE QUE AS CONTRATAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEVAM SER OBRIGATORIAMENTE PRECEDIDAS DE LICITAÇÃO, DE MODO A VIABILIZAR A IGUALDADE DE COMPETIÇÃO ENTRE OS INTERESSADOS, BEM COMO A ESCOLHA DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA, ATENTANDO-SE AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA MORALIDADE, DA IMPESSOALIDADE, DA PUBLICIDADE E DA LEGALIDADE, RESSALVANDO-SE DA REGRA GERAL, AS HIPÓTESES EXCEPCIONAIS DE CONTRATAÇÃO DIRETA, NOS MOLDES DOS ARTIGOS 24 E 25 DA LEI N. 8.666/93.
16. EM RELAÇÃO AOS EVENTUAIS PREJUÍZOS CAUSADOS AO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO – CRTR – 4ª REGIÃO NA CONDUÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS DE SEU INTERESSE E NO TRATAMENTO DADO À COBRANÇA DE ANUIDADES EM JUÍZO, SÃO INFORMADOS NA PETIÇÃO INICIAL OS SEGUINTE VALORES: (A) R$ 617.883,58 (SEISCENTOS E DEZESSETE MIL, OITOCENTOS E OITENTA REAIS E CINQUENTA E OITO CENTAVOS), REFERENTES À PRESCRIÇÃO TOTAL DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2006; (B) R$ 19.793,95 (DEZENOVE MIL, SETECENTOS E NOVENTA E TRÊS REAIS E NOVENTA E CINCO CENTAVOS), REFERENTES ÀS ANUIDADES DE PESSOAS JURÍDICAS DE 2006; (C) PROCESSOS NOS QUAIS NÃO HOUVE A DEVIDA AÇÃO DE ASSESSORIA AO CONSELHO REGIONAL E RADIOLOGIA.
17. O JUÍZO AFASTOU A RESPONSABILIDADE DE ANDREIA ARRUDA AVELINO. TAMBÉM AFASTOU A RESPONSABILIDADE DE IVANIR MELLO PELOS EVENTUAIS PREJUÍZOS AO CONSELHO REGIONAL DE RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO. JÁ EM RELAÇÃO A EDSON JORGE RODRIGUES, CONSIDERANDO QUE A ATRIBUIÇÃO PARA CUIDAR DOS ASSUNTOS PERTINENTES A EXECUÇÃO FISCAL E A COBRANÇA DE ANUIDADES ERA DE PESSOA DIVERSA, TAMBÉM CONTRATADA PELO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO, NÃO HÁ COMO ACOLHER O PEDIDO DE RESPONSABILIDADE DO RÉU EDSON JORGE RODRIGUES SIMPLESMENTE PORQUE TAMBÉM FOI CONTRATADO COMO ASSESSOR JURÍDICO, MORMENTE DIANTE DE SUAS ATRIBUIÇÕES CONSTANTES NO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS.
18. AFASTOU TAMBÉM, A RESPONSABILIDADE QUANTO AO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS E ASSOCIADOS, REPRESENTADO POR JÚLIO CESAR DO MONTE, EIS QUE NOS MOLDES CONTRATUAIS, O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA SERIA RESPONSÁVEL POR “(A) ATIVIDADES DE CONSULTORIA JURÍDICA, COM A EMISSÃO DE PARECERES E REDAÇÃO DE DOCUMENTOS CONTRATUAIS, ATOS E DELIBERAÇÕES FORMALIZADOS PELO PLENÁRIO E PELA DIRETORIA; (B) ELABORAÇÃO DE DOCUMENTOS JURÍDICOS A SEREM ENCAMINHADOS A OUTROS ÓRGÃOS E ENTIDADES, PELO CONTRATANTE; (C) ASSESSORAMENTO AO PLENÁRIO, À DIRETORIA E A PRESIDÊNCIA DA AUTARQUIA, EM ASSUNTOS LEGAIS OU DE NATUREZA JURÍDICA” (FLS. 1479/1480).
19. O JUÍZO AFASTOU A CONDUTA ÍMPROBA DE TODOS OS RÉUS NO QUE TOCA AOS EVENTUAIS PREJUÍZOS CAUSADOS AO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA NA CONDUÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS DE SEU INTERESSE E NO TRATAMENTO DADO À COBRANÇA DE ANUIDADES EM JUÍZO, CONSIDERANDO COMO ÍMPROBA, POR OUTRO LADO, AS CONDUTAS PRATICADAS POR EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS E JÚLIO CÉSAR DO MONTE EM RELAÇÃO À EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL NA CONTRATAÇÃO DO REFERIDO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA, REPRESENTADO POR ESTE ÚLTIMO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 10, VIII, E 12, II, DA LEI Nº 8.429/92.
20. COM A NOVA EXIGÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO PARA A CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA ÍMPROBA, RESTOU SUPERADA A JURISPRUDÊNCIA ATÉ ENTÃO SEDIMENTADA NO SENTIDO DE QUE O DOLO GENÉRICO ERA SUFICIENTE PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE.
(...)
41. IN CASU, CONFORME RESTOU SOBEJAMENTE DEMONSTRADO, O JUÍZO CONSIDEROU COMO ÍMPROBAS AS CONDUTAS PRATICADAS POR EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS E JÚLIO CÉSAR DO MONTE EM RELAÇÃO À EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL NA CONTRATAÇÃO DO REFERIDO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA, REPRESENTADO POR ESTE ÚLTIMO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 10, VIII, E 12, II, DA LEI Nº 8.429/92, EM SUA REDAÇÃO ANTERIOR A DADA PELA LEI N. 14.230/2021.
42. DESTA FEITA, RESTARIA DEFINIR-SE SE, NA HIPÓTESE DOS AUTOS, A CONDUTA PRATICADA PELO RÉU, ORA APELANTE, DECORREU DE DOLO OU CULPA PARA O FIM DE SE ESTABELECER QUAL O DIPLOMA APLICÁVEL A QUESTÃO POSTA A DESLINDE.
43. VEJA-SE QUE AS DEMAIS CONDUTAS TIDAS POR ÍMPROBAS FORAM CORRETAMENTE AFASTADAS PELO JUÍZO, SOBRETUDO EM RELAÇÃO À SUPOSTA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS NA CONDUÇÃO DE PROCESSOS JUDICIAIS, EM QUE TODOS OS RÉUS FORAM INOCENTADOS.
44. PONTUE-SE QUE, PARA ALÉM DO FATO DO MPF, COMO AUTOR DA AÇÃO TER SE CONFORMADO COM A SENTENÇA, POIS APESAR DE TER TOMADO CIÊNCIA DE FORMA EXPRESSA, MANIFESTANDO-SE NOS AUTOS POR MEIO DA PETIÇÃO DO EVENTO 329 – 1º GRAU, O PARQUET FEDERAL, COMO CUSTOS LEGIS, EM SEU PARECER DO EVENTO 18 - 2º GRAU, TAMBÉM OPINOU NO SENTIDO DA CORREÇÃO DA SENTENÇA.
45. DE TUDO O QUE FOI EXPOSTO, COMPREENDE-SE QUE APENAS RESTA PARA SER ANALISADA NESSA VIA RECURSAL A CONDUTA DO APELANTE JULIO CESAR DO MONTE TIDA POR ÍMPROBA NO QUE TOCA À CONTRATAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA POR ELE REPRESENTADO.
46. PORTANTO, DO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS, A ÚNICA CONDUTA REALMENTE CAPAZ DE SER CONSIDERADA COMO ÍMPROBA SERIA DECORRENTE DA MANUTENÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS ENTRE O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS LTDA. E O CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO – CRTR – 4ª REGIÃO, PRORROGADO POR DIVERSOS TERMOS ADITIVOS SEM A PROVA DA REALIZAÇÃO DA NECESSÁRIA LICITAÇÃO OU DE QUE SE ENQUADRASSE NAS HIPÓTESES DE INEXIGIBILIDADE OU DISPENSA DE LICITAÇÃO, CONFORME PRECEITUA A LEI N. 8.666/93.
47. NESTE PONTO, DESDE QUE O ARTIGO 10, VIII, DA LEI Nº 8.429/92, ADMITIA A CONDUTA ÍMPROBA, NA MODALIDADE CULPOSA, FORAM CONDENADOS OS RÉUS EDVALDO SEVERO DOS SANTOS, ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS E JÚLIO CÉSAR DO MONTE ÀS PENAS DO INCISO II DO ARTIGO 12 DA MESMA LEI.
48. COM EFEITO, DO EXAME DOS AUTOS NÃO FOI POSSÍVEL CONSTATAR QUE TENHAM OS RÉUS LABORADO COM DOLO, ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA A CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA ÍMPROBA, NOS TERMOS DA LEI N. 14.230/2021.
49. REGISTRE-SE QUE ALÉM DA IMPRESCINDIBILIDADE DA EXISTÊNCIA DE DOLO NÃO MAIS SE ADMITE O DANO PRESUMIDO DE FORMA QUE DEVE SER DEMONSTRADO O EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO.
50. IN CASU, OS SUPOSTOS PREJUÍZOS CAUSADOS AO CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA QUARTA REGIÃO NA CONDUÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS DE SEU INTERESSE E NO TRATAMENTO DADO À COBRANÇA DE ANUIDADES EM JUÍZO, FORAM AFASTADOS EM SENTENÇA, TANTO QUE DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE DANO, NÃO HAVENDO PROVA DO PREJUÍZO DECIDIU-SE POR APLICAR TÃO SOMENTE A SANÇÃO DE MULTA POR FORÇA DA EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL NA CONTRATAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS LTDA.
51. DESTA FORMA, A HIPÓTESE CONCRETA SE AMOLDA A TESE DO TEMA 1199 DO STF NO SENTIDO DE QUE EM SE TRATANDO DE CONDUTA CULPOSA SE APLICA A LEI N. 14.230/2021 ÀS AÇÕES EM CURSO E QUE AINDA ESTEJAM NA FASE DE CONHECIMENTO, PORTANTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO.
52. DIANTE DESTE PANORAMA, REITERE-SE QUE CONQUANTO EDVALDO SEVERO DOS SANTOS E ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ASSOCIADOS LTDA. TENHAM SIDO CONDENADOS PELA PRÁTICA DE CONDUTA CULPOSA, A ELES NÃO SE APLICA A NOVA LEI, EIS QUE EM RELAÇÃO AOS MESMOS A SENTENÇA TRANSITOU EM JULGADO.
53. VEJA-SE QUE A CONDENAÇÃO DO ORA APELANTE NA CONDIÇÃO DE REPRESENTANTE DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MONTE & REINOL ADVOGADOS ASSOCIADOS, E O PRÓPRIO ESCRITÓRIO, COM BASE NO VIII DO ARTIGO 10 DA LEI Nº 8.429/92, COMBINADA COM O ARTIGO 3º DA MESMA LEI, BASEOU-SE NO SIMPLES FATO DE QUE TERIAM SE BENEFICIADO DO ATO DE CONTRATAÇÃO SEM O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO, NÃO SE PODENDO OLVIDAR DA IMPERATIVA PRESENÇA DO DOLO NA SUA CONDUTA.
54. ASSIM, A MERA CONSTATAÇÃO DE QUE O APELANTE TENHA SE BENEFICIADO DA CONTRATAÇÃO SEM A LICITAÇÃO NÃO É APTA A CONFIGURAR A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
55. PORTANTO, PARA QUE FOSSE MANTIDA A CONDENAÇÃO DO APELANTE COM BASE NA LEI EM VIGOR A ÉPOCA DOS FATOS NECESSÁRIO SERIA QUE RESTASSE DEMONSTRADO DE MANEIRA INEQUÍVOCA O DOLO NA CONDUTA, ALÉM, É CLARO DA PRESENÇA DO EFETIVO DANO AO ERÁRIO.
56. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA.
(TRF/2, 5ª Turma Especializada, AC nº 0042206-40.2012.4.02.5101, Relator DES. FED. ALCIDES MARTINS, julgado em 16/11/2022).
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LIBERAÇÃO DE VERBA PÚBLICA SEM A ESTRITA OBSERVÂNCIA DAS NORMAS LEGAIS. APLICAÇÃO IRREGULAR. ART. 10 DA LEI 8.429/1992. DOLO E DANO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
1. Apelação contra sentença que julga improcedente o pedido autoral. Cinge-se a controvérsia em definir está configurado o ato de improbidade administrativa.
2. Embora esta Turma Especializada, nos autos do agravo de instrumento nº 0001996-74.2019.4.02.0000, tenha se manifestado, em cognição sumária, pelo recebimento da petição inicial, em razão do princípio in dubio pro societate e com fundamento na legislação vigente na época e na jurisprudência consolidada do STJ naquele momento, impõe-se analisar o caso, em sede de cognição exauriente, com base nas alterações promovidas na Lei de Improbidade e na jurisprudência atualizada dos Tribunais Superiores e desta Corte Regional, as quais passaram a exigir o dolo específico para a configuração do ato de improbidade, conforme se observará a seguir.
3. A Lei n.º 14.230/2021, que alterou substancialmente a Lei 8.429/92, passou a exigir a presença de dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa, não sendo mais suficiente a demonstração do dolo meramente genérico, fazendo-se necessária a comprovação de dolo específico para a prática do ato ilícito. Sob esse prisma, grande discussão doutrinária e jurisprudencial surgiu acerca da necessidade da aplicação retroativa da referida legislação, considerando, sobretudo, o disposto no seu § 4º do art. 1º que previu que no sistema da improbidade incidiriam os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, tais, como a retroatividade da norma mais benéfica.
4. Os atos ilícitos decorrentes de improbidade administrativa e o âmbito penal possuem considerável ligação e similitude, eis que ambas as esferas jurídicas se materializam no poder-dever de punir estatal, incidindo penas de caráter pessoal que podem ensejar, inclusive, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, na forma do art. 12 da Lei nº 8.429/1992.
5. A Lei de Improbidade Administrativa consagrou a sua proximidade com o direito penal ao prevê que a ação de improbidade é repressiva, de caráter sancionador, destinando-se à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas na referida lei, conforme disposto em seu art. 17-D.
5. Dessa forma, partindo-se da premissa de que o direito administrativo sancionador decorre do poder-dever de punir estatal impondo penas de caráter pessoal, tem-se que o poder punitivo do Estado deve ser delimitado nas hipóteses envolvendo improbidade, garantindo-se aos acusados um mínimo de direitos e garantias. Para tanto, faz-se necessário o diálogo entre o direito administrativo sancionador decorrente de atos de improbidade e o direito penal, a face mais agressiva do jus puniendi estatal. Nesta lógica, decorrente da simetria que deve haver entre o direito administrativo sancionador em tais circunstâncias e o direito penal, a máxima da retroatividade da lei penal mais benéfica, constitucionalmente assegurada, aplica-se na seara da improbidade administrativa.
6. Na perspectiva da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), o princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao acusado prevalece no direito administrativo sancionador, possuindo configuração fundamentalmente idêntica à do direito penal e não depende de reconhecimento expresso em norma legal ou infralegal.
7. Destaca-se que tais precedentes são formados em situações em que existe um desequilíbrio de poder na relação jurídica entre o Estado e o particular, com aplicação de sanções que denotam a aproximação do poder punitivo estatal com o âmbito criminal e que tratam de violações aos direitos humanos, ensejando a maior necessidade de tutela do indivíduo em face do ente estatal.
8. Consoante precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o princípio da retroatividade, albergado no art. 9º da Convenção Americana, é aplicável em processos ou procedimentos não criminais, sobretudo de caráter sancionatório que possuem maior grau de proximidade com a esfera penal. Precedentes: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá, parágrafo 103, São José da Costa Rica, 2 de fevereiro de 2001; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú, parágrafo 68, São José da Costa Rica, 31 de janeiro de 2001; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Maldonado Ordoñez vs. Guatemala, parágrafo 89, São José da Costa Rica, 3 de maio de 2001.
9. A Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Öztürk vs. Alemanha, através de um conceito amplo de direito penal, reconhece o direito administrativo sancionador como “subsistema penal”, de tal forma que comungam princípios – os quais são aplicáveis tanto ao sistema quanto ao subsistema, como a irretroatividade e o non bis in idem. Precedente: CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS, Plenário, Caso Örtürk vs Germany, Application nº 8544/79, Strasbourg, 21 de fevereiro de 1984.
14. Em um regime democrático de direito é essencial que o administrado possua um plexo de garantias fundamentais, de forma que tais garantias asseguradas pela Constituição Federal de 1988 devem ser observadas no âmbito da improbidade administrativa. Precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0003486-68.2007.4.02.5104, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 19.5.2022
10. O Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento do ARE 843.989, afetado como representativo de repercussão geral (Tema 1.199), com vistas a dirimir a controvérsia sobre a retroatividade das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, notadamente no que tange à necessidade da presença do elemento subjetivo (dolo específico) para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA, bem como sobre a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
11. No julgamento do ARE 843989, o STF, por unanimidade, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a ação objeto do recurso, e, por maioria, a referida Corte Constitucional acompanhou os fundamentos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), tendo sido fixadas as seguintes teses: (i) é necessária a comprovação da responsabilidade subjetiva (dolo) para a tipificação dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992; (ii) a Lei nº 14.230/2021 retroage aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (iii) a norma mais benéfica da Lei nº 14.230/2021, no tocante à revogação da modalidade culposa, não retroage em relação à eficácia da coisa julgada, tampouco no processo de execução de pena e seus incidentes; (iv) o novo regime prescricional previsto na nº Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Precedentes: STF, Tribunal Pleno, ARE 843989, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Decisão proferida em 18.8.2022; TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0000091-70.2013.4.02.5003, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 10.1.2023.
12. Esta Corte Regional já havia firmado precedentes no sentido de que as novas disposições da Lei nº 8.429/1992 se aplicariam de forma retroativa no tocante à necessidade de comprovação do elemento doloso para a tipificação dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992. Precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0003486-68.2007.4.02.5104, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 19.5.2022.
13. O art. 10 da Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, que trata dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, prevê que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres, dentre, os quais, o caso em que o agente público libera verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. Nesse sentido, o dispositivo em questão exige: (i) que a ação seja dolosa, seja de forma comissiva ou omissiva; (ii) efetivo e comprovado prejuízo ao erário; (iii) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o prejuízo sofrido pelo erário. Precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0000660-10.2009.4.02.5004, Rel. Des. Fed. ALCIDES MARTINS, DJF2R 27.3.2023.
14. Foi superado o antigo entendimento jurisprudencial do STJ que admitia o dano presumido (in re ipsa) nas hipóteses de atos praticados conforme o art. 10 da LIA. Precedentes: STJ, 2ª Turma, AREsp 1507319, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJE 10.3.2020.
15. O art. 11 da LIA disciplina, em seu caput, que configura ato de improbidade a ação ou omissão dolosa do agente público que atente contra os princípios da administração pública relativos aos deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas em seus incisos.
16. De acordo com entendimento doutrinário, a tipificação legal passou a ter duas modalidades: exaustiva (art. 11) e exemplificativa (arts. 9 e 10). Dessa forma, a violação aos princípios da Administração Pública deve se enquadrar em uma das hipóteses descrita nos incisos do art. 11 da LIA, haja vista que sua tipificação legal se revela exaustiva.
17. À luz disso, observa-se que a fixação de um rol exaustivo e taxativo tem como finalidade garantir que o acusado pela prática de um ato de improbidade tenha plena certeza de qual conduta responde, principalmente considerando que os princípios possuem baixa densidade normativa. Portanto, pode-se compreender que incide no referido dispositivo o princípio da taxatividade, o qual tem grande repercussão em matéria penal. Precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0000222-39.2013.4.02.5005, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, Data de Julgamento 16.8.2023
18. O STJ já se pronunciou, no voto proferido pelo Ministro João Otávio De Noronha, na seara penal, que “Sob o prisma do princípio da taxatividade, como garantia expressa do postulado da legalidade, deve-se entender que, ao ser positivada uma norma penal incriminadora – tal como uma causa de aumento de pena –, deve ela ser clara e precisa com vistas a não permitir discricionariedades, bem como ser de fácil compreensão para os destinatários” (STJ, 3ª Seção, REsp 1888756, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE 27.6.2022).
19. No caso dos autos, o órgão ministerial alega que a região Serrana do Rio de Janeiro foi gravemente atingida por chuvas torrenciais no dia 12.1.2011, bem como que o referido evento causou graves danos à infraestrutura de diversas unidades de ensino público. Diante do prejuízo causado, narra que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, nos termos da Medida Provisória 531/2011 e na Resolução CD/FNDE n.º 18/2011, transferiu à Secretaria Estadual do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ), a importância de R$ 74.000.000,00 (setenta e quatro milhões de reais). Informa que a referida secretaria descentralizou o valor de R$ 23.673.715,35 (vinte e três milhões, seiscentos e setenta e três mil, setecentos e quinze reais, e trinta e cinco centavos) para a Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (EMOP). Sustenta que, do referido montante, a EMOP executou R$ 12.666.382,48 (doze milhões, seiscentos e sessenta e seis mil, trezentos e oitenta e dois reais, e quarenta e oito centavos) em obras emergenciais para reforma de 77 escolas. Aduz que os gestores públicos e fiscais da EMOP ficaram responsáveis por executar todas as ações necessárias à execução das reformas. Entretanto assevera que as investigações realizadas pelo próprio MPF, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria Geral da União (CGU) revelaram graves danos ao erário e o desvio de conduta pelos gestores, fiscais e empresários da construção civil na execução de reformas emergenciais em diversas escolas municipais e estaduais afetadas pelo desastre natural, que culminaram na malversação dos recursos públicos federais transferidos mediante a Resolução CD/FNDE n.º 18/2011.
20. Em que pese o órgão ministerial tenha apontada a configuração de dano ao erário para enquadrar o ato de improbidade na hipótese descrita no art. 10 da LIA, nota-se que o Tribunal de Contas da União – TCU, na Tomada de Contas Especial nº 012.872/2013-0 (evento 1,OUT 37/26/1º grau), registrou que não se poderia ignorar a notória situação de calamidade pública que passou toda a região serrana do Estado do Rio de Janeiro no período em questão, o que ensejou inclusive o aporte de recursos da União para minimizar os efeitos catastróficos naquela região.
21. A referida Corte de Contas também salientou que deveria ser considerada: (i) a excepcionalidade da situação enfrentada; (ii) falhas e demoras para repasses de recursos financeiros e autorização de pagamentos, nas esferas federal e estadual; (iii) a deliberação da gestão estadual para gerenciamento do dispêndio dos recursos disponíveis mediante medição única, quando a empresa contratada já teria incorrido em despesas com recursos próprios; (iv) a revisão, pela Administração destinatária dos recursos e executora da despesa, de forma tempestiva à presente TCE, dos itens integrantes do objeto da despesa efetivamente demandados e executados, com apresentação da retificação da execução da despesa declarada, quantificação dos itens não executados e reconhecimento do motivo para a alteração do objeto previsto (atendimento da recuperação emergencial confirmado no local da execução dos serviços); (v) declarações dos governos estadual e municipal local quanto à não aplicação de recursos diversos nos objetos questionados; (vi) informação de adoção de medidas administrativas, pela EMOP, para obtenção do ressarcimento por despesas identificadas como pagas e não executadas.
22. Além disso, o Tribunal de Contas da União, no bojo da Tomada de Contas nº 012.874/2013-2, proferiu o acórdão nº 12.487/2016, em que, analisando os recursos repassados para obras emergenciais na Escola Municipal Rui Barbosa e na Creche Municipal Franz Haug, localizadas no Município de Nova Friburgo/RJ, acolheu as alegações de defesa e entendeu pela inexistência de débito.
23. Registre-se que foi proferida sentença de improcedência nos autos da ação de improbidade administrativa nº 0000255-20.2013.4.02.5105 ajuizada pelo órgão ministerial em face dos demandados da presente demanda e outros, objetivando a condenação destes em razão de supostas irregularidades perpetradas em contexto de dispensa de licitação e de contratação emergencial de empresa com vistas à execução de trabalhos de recuperação de unidades escolares na cidade de Nova Friburgo, em decorrência da catástrofe climática ocorrida em janeiro de 2011.
24. A referida sentença destacou que não havia como concluir que os agentes públicos, ora promovidos, tenham agido em zona manifestamente fora dos limites do razoável para a época da mencionada situação complexa, atípica e excepcional, de forma que, havendo uma série de dúvidas razoáveis acerca do elemento subjetivo do tipo, a absolvição dos demandados seria medida necessária.
25. A sentença de improcedência foi mantida por acórdão da 7ª Turma Especializada desta Corte Regional, já sob a égide das alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021, sob o fundamento de que a nova redação da Lei nº 8.429/82, dada pela Lei nº 14.230/2021, estabeleceu o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, sendo necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado. Asseverou-se que não ficou evidenciado o dolo específico de lesar os cofres públicos ou de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade, bens tutelados pela Lei nº 8.429/1992. Precedente: TRF2, 7ª Turma Especializada, AC 0000255-20.2013.4.02.5105, Rel. Des. Fed. SERGIO SCHWAITZER, DJF2R 13.12.2022.
26. Nos autos da ação penal nº 0073457-54.2018.4.02.5105, ajuizada pelo órgão ministerial em face dos oras demandados, em que estes foram denunciados por terem supostamente desviado recursos públicos federais transferidos pelo FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, enquanto gestores, fiscais e empresários de construção civil na execução de reformas emergenciais em diversas unidades de ensino afetadas pelo desastre natural ocorrido no Município de Nova Friburgo, em janeiro de 2011, a 2ª Turma Especializada desta Corte Regional absolveu os demandados em razão da ausência de suporte probatório mínimo para condená-los. Precedente: TRF2, 2ª Turma Especializada, AC 0073457-54.2018.4.02.5105, Rel. Des. Fed. MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, DJF2R 15.2.2023.
27. Diante das atribuições dos referidos demandados na gestão do planejamento operacional de tais contratações, impõe-se a observância, para correta análise do caso em questão, do art. 22 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB, segundo o qual deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo. Por sua vez, o art. 28 da referida norma estabelece que o agente público somente será responsabilizado pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
28. Diante da baixa densidade normativa da expressão “erro grosseiro”, o Ministro Luiz Fux, ao proferir seu voto condutor no julgamento do Acórdão do MS 35.196 AgR (DJe 5.2.2020), consignou que tal enunciado corresponderia ao “erro evidente e inescusável” do agente público, tendo em vista que o legislador, ao introduzir o art. 28 na LINDB, objetivou conferir segurança jurídica ao agente público na tomada de decisão, de modo a evitar a presença de um temor excessivo em ser pessoalmente responsabilizado no exercício de sua função. Precedentes: STF, 1ª Turma, MS 35196, Min. LUIZ FUX, DJE 5.2.2020; TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0012615-62.2014.4.02.5101, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 13.10.2021.
29. Sob essa conjuntura, deve-se levar em consideração que a realização das contratações públicas emergenciais no contexto de uma grande tragédia ambiental de grandes proporções configurava uma situação de natureza complexa e que necessitava que fossem tomadas decisões em tempo hábil para evitar maiores riscos à população local, sendo certo que os agentes públicos responsáveis pelo seu planejamento e execução não tinham ainda passado por outro precedente semelhante, o que lhes colocavam numa situação completamente inédita.
30. Logo, em que pese os vícios formais apontados no procedimento, nota-se que o contexto da contratação deve ser levado em consideração, impedindo concluir que os demandados tenham agido com especial fim de lesar os cofres públicos ou de praticar atos de improbidade. Ressalta-se que no caso do C. E. Dr. Galdino do Vale Filho, o problema foi ainda mais complexo, porquanto a escola já apresentava problemas estruturais anteriores a janeiro de 2011. Mesmo com o breve retorno após a tragédia, as aulas foram suspensas. Dessa forma, não foram apresentadas provas aptas a comprovar que os demandados desviaram valores do FNDE em proveito próprio (agentes públicos) ou alheio.
31. Portanto, não está devidamente comprovada a prática do ato de improbidade prevista no art. 10 e no art. 11 da LIA, sendo incabível a aplicação de sanção prevista no art. 12 da referida legislação.
32. Apelações não providas.
(TRF/2, 5ª Turma Especializada, AC nº 0160912-91.2017.4.02.5105, Relator DES. FED. RICARDO PERLINGEIRO, julgado em 19/09/2023). (g.n.)
Portanto, para que fosse mantida a condenação com base na lei em vigor a época dos fatos, necessário seria que restasse demonstrado de maneira inequívoca o dolo na conduta.
Nesse panorama, não se pode imputar aos réus uma conduta ímproba, à míngua de outros elementos de prova que estabeleçam um liame entre suas ações e os atos praticados.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento às apelações, reformando a sentença para julgar improcedentes os pedidos, na forma da fundamentação supra.
Documento eletrônico assinado por ALCIDES MARTINS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001683956v4 e do código CRC dda2f599.
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Signatário (a): ALCIDES MARTINS
Data e Hora: 9/11/2023, às 16:24:49