Apelação/Remessa Necessária Nº 0001177-39.2005.4.02.5106/RJ
RELATOR: Desembargador Federal REIS FRIEDE
APELANTE: COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA - RIO
APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
APELADO: FLAVIA SANTOS DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de Remessa Necessária e de Apelações Cíveis interpostas, respectivamente, pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT e pela COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA - RIO em face de sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Petrópolis que julgou improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC, e extinguiu sem resolução do mérito a reconvenção, nos termos do art. 485, IV, do CPC. Condenação da CONCER e da ANTT, bem como a ré, em honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em R$ 1.000,00 em razão do valor irrisório atribuído à causa (art. 85, §8º, CPC), observado o art. 98, §3º, do CPC.
Pretendeu a Parte Autora a demolição das construções localizadas próximo ao km 58,2, sentido Juiz de Fora, da Rodovia BR-040, em Petrópolis, bem como a remoção de mobiliário e pessoal.
Em suas razões recursais, alega a CONCER que se trata de uma construção inserida em área não edificante, feita sem autorização do Poder Concedente ou da Concessionária, que representa risco à segurança dos usuários da rodovia dos próprios moradores do local, tendo em vista se tratar de área às margens do Rio Piabanha. Aduz que possui obrigação legal e contratual de atuar judicialmente em casos como o dos autos, de ocupação indevida que representa perigo aos usuários e ao tráfego da rodovia sob sua administração.
Por sua vez, a ANTT adere aos termos do Apelo apresentado pela Concessionária.
Contrarrazões apresentadas pela Parte Ré, pugnando pela majoração da verba honorária sucumbencial para quantia não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), considerando-se a complexidade e os mais de 15 (quinze) anos de tramitação da presente demanda (evento 105).
Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo desprovimento das Apelações (evento 135).
É o breve Relatório.
VOTO
As rodovias e estradas federais, estaduais ou municipais constituem-se em bens de uso comum do povo (artigo 99, do CC/2002), cuja conservação, quanto às primeiras, compete, atualmente e após o advento da Lei n.º 10.233/2001, à ANTT, tendo, no caso, a parte Autora a concessão da Rodovia BR-040.
Faixa de domínio é a base física sobre a qual assenta uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras-de-arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa do recuo, havendo, ainda a área non aedificandi, de 15 metros de comprimento na lateral das estradas, sobre a qual, embora de propriedade particular, é estabelecida limitação administrativa impedindo construções, sobretudo por questões de segurança, conforme o art. 4º da Lei nº 6.766/79 e art. 50 do CTB.
Por se tratar de bem público e limitação administrativa, implicam uma obrigação de não fazer aos administrados, sendo certo que o descumprimento deste dever de abstenção deve ser coibido, seja pela expulsão dos ocupantes irregulares, seja pela demolição das construções edificadas.
A prova pericial (fls. 387/407), consubstanciada no laudo pericial constante dos autos, concluiu que a construção no imóvel da Parte Ré encontra-se inteiramente dentro da faixa não edificável da Rodovia BR-040, conforme planta de fl. 175, distando, em medida horizontal, 49,88 metros do eixo da Rodovia.
A Lei nº 13.913/19, visando a assegurar o direito de permanência de edificações na faixa não edificável contígua às faixas de domínio público de rodovias e para possibilitar a redução da extensão dessa faixa não edificável por lei municipal ou distrital, alterou a redação do art. 4º da Lei nº 6.766/79, estabelecendo, em seu inciso III, que "ao longo das faixas de domínio público das rodovias, a reserva de faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado poderá ser reduzida por lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial, até o limite mínimo de 5 (cinco) metros de cada lado".
Além disso, incluiu o § 5º ao referido artigo 4º, promovendo a regularização dos imóveis preexistentes à lei, situados nas áreas contíguas às faixas de domínio público em perímetro urbano ou em áreas urbanizadas passíveis de inclusão em perímetro urbano, ao prever que tais imóveis ficam dispensados de observarem a faixa não edificante do inciso III, in verbis:
§ 5º As edificações localizadas nas áreas contíguas às faixas de domínio público dos trechos de rodovia que atravessem perímetros urbanos ou áreas urbanizadas passíveis de serem incluídas em perímetro urbano, desde que construídas até a data de promulgação deste parágrafo, ficam dispensadas da observância da exigência prevista no inciso III do caput deste artigo, salvo por ato devidamente fundamentado do poder público municipal ou distrital.”
Desta forma, tendo em vista que a construção está distante 49,88 metros do eixo da rodovia, encontrando-se após os 40,00m da faixa de domínio atual da BR-040, em área contigua de trecho de rodovia que atravessa área urbanizada passível de ser incluída em perímetro urbano, deve ser aplicado ao caso concreto o disposto no art. 4º, § 5º, da Lei nº 6.766/79, incluído pela Lei nº 13.913/19.
Assim, diante da superveniência da norma que afastou a irregularidade da edificação, cumpre concluir que descabe qualquer demolição no presente caso, ocorrendo a perda superveniente do interesse processual dos requerentes.
Neste sentido, confira-se o seguinte julgado desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DEMOLIÇÃO. CONTRUÇÃO EM ÁREA NON AEDIFICANDI. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PROMULGAÇÃO DA LEI Nº 13.913/2019. AFASTADA A IRREGULARIDADE DA EDIFICAÇÃO. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. INVERSÃO DA VERBA HONORÁRIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
1. Apelação contra a sentença que, nos autos da ação de reintegração de posse, cumulada com pedido de demolição, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que deveria prevalecer, no caso, o direito de permanência da edificação, à luz do disposto na Lei 13.913/2019, que regularizou a ocupação, ficando, por conseguinte, os demandantes condenados ao pagamento de honorários advocatícios, no valor de R$ 1.000,00.
2. A CONCER ajuizou a demanda, nos idos de 2009, buscando ordem judicial que determinasse a demolição da construção de edificação irregularmente situada às margens da BR-040, ou seja, em local não edificável. Entretanto, no decorrer do processo foi promulgada a Lei nº 13.913/2019 que assegurou o direito de permanência de edificações na faixa não edificável contígua às faixas de domínio público das rodovias.
3. A perícia judicial concluiu que a construção, localizada no Km 82, encontra-se dentro da faixa não edificante, a uma distância de 47,06 metros do eixo da rodovia. O expert do Juízo foi claro ao afirmar que a edificação ocupa uma área de morro à 29,82 metros acima da altura média do eixo da pista, sendo que a faixa de domínio da rodovia, no local, é de 40 metros e a não edificante de 15 metros, após a faixa de domínio. Com base nessas informações e levando em conta as fotos tiradas no local, é possível concluir que a ocupação se insere em área contigua à faixa de domínio público de trecho de rodovia que atravessa área urbanizada passível de ser incluída em perímetro urbano, de modo que se aplica ao caso o disposto na Lei nº 13.913/2019.
4. Portanto, diante da superveniência da norma que afastou a irregularidade da edificação, conclui-se que a hipótese não é de improcedência do pedido, mas sim de perda superveniente do interesse processual dos requerentes, devendo a ação ser extinta, nos moldes do art. 485, VI, do CPC/2015, pela perda de objeto.
5. Quanto aos honorários sucumbenciais, segundo o princípio da causalidade, aquele que dá causa à instauração do processo, ou restar vencido, se o magistrado julgar a lide, deve arcar com as despesas dele decorrentes. Na hipótese, o conjunto probatório é suficiente para demonstrar que, por ocasião da distribuição da ação, o imóvel se encontrava situado em área não edificável, fato que deu ensejo ao ajuizamento do feito. Nessa perspectiva, deve a apelada ser responsabilizado pelo pagamento dos honorários sucumbenciais (TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 05000281420154025101, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJE 29.4.2019; TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 01706635120164025101, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJE 8.6.2018).
6. No tocante ao arbitramento da aludida verba, o § 8º do art. 85 do CPC/2015 dispõe que, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará os honorários por apreciação equitativa. A questão que se coloca é saber se o valor fixado, no montante de R$ 1.000,00, afigura-se compatível com critérios tipificados nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC/2015. Frise-se que os honorários de sucumbência visam remunerar o trabalho exercido pelo patrono no curso do feito, como se depreende do disposto no artigo 85, § 14 do CPC/2015, devendo a condenação ser proporcional à atuação do causídico. Sopesando o tempo transcorrido (mais de 10 anos entre a autuação e a prolação da sentença) e a complexidade da causa que motivou o magistrado a determinar a realização de perícia judicial, afigura-se adequado a fixação da verba sucumbencial em 1.000,00.
7. Remessa necessária e apelação providas. Invertidos os ônus de sucumbência. (Remessa/Apelação Cível 0000959-69.2009.4.02.5106, TRF2 - 5ª Turma Especializada, Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO, julgado na Sessão Virtual do dia 24/03/2021)
Por fim, quanto ao pleito da Parte Ré de majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para quantia não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o mesmo não deve ser conhecido, haja vista que, quando não se tratar de matéria de ordem pública, não é lícito ao recorrido deduzir pedido em contrarrazões, cabível apenas mediante a utilização oportuna da via recursal própria, autônoma ou adesiva.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à remessa necessária para julgar extinto o feito, na forma do art. 485, VI, do CPC, em face da perda superveniente de interesse processual. Apelos prejudicados.