Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0000815-46.2010.4.02.5111/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (EXEQUENTE)

APELADO: NELIA PORTO VERGINIO (EXECUTADO)

RELATÓRIO

Trata-se de julgar apelação interposta pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro-CRF/RJ contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro (Evento 110, JFRJ) que, nos autos da Execução Fiscal 0000815-46.2010.4.02.5111, julgou extinto o processo sem julgamento de mérito, com fulcro nos artigos 485, IV, e 803, I, ambos do Código de Processo Civil, em razão de nulidade insanável da certidão de dívida ativa que a lastreia.

Pautou-se o Juízo a quo no seguinte entendimento ao prolatar a sentença: 

"No caso em apreço, entretanto, verifica-se que o exequente se utiliza de índice diverso da taxa Selic para o cálculo da atualização monetária da dívida, conforme se depreende da leitura da certidão de dívida ativa juntada aos autos, em desacordo, portanto, com o que determina a legislação tributária federal. 

Observa-se ainda que, sobre o débito documentado no título executivo, há a incidência conjunta de correção monetária e juros de mora, sendo firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "não é possível cumular a Taxa SELIC com correção monetária e outros índices de juros, pois estes já estão embutidos em sua formação" (STJ, AGAREsp nº 525.708, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 14/10/2014).

Assim, resta evidente que a certidão de dívida ativa se encontra eivada de vício insanável, insuscetível, inclusive, de convalidação por meio de sua mera emenda ou substituição, uma vez que o valor da dívida deve necessariamente sofrer correção monetária calculada com base na taxa Selic, sem a incidência de juros de mora.

(...)

Por fim, cabe anotar que tais vícios dificultam, inclusive, a verificação da conformidade do título executivo com a exigência do art. 8º da Lei nº 12.514/11, segundo o qual “Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º” (Apelação Cível 0029116- 63.2016.4.02.5120, 6ª Turma Especializada, Rel.ª Des.ª Federal Nizete Lobato Carmo, disponibilizado no e-DJF2R em 10/01/2017), já que, utilizados indexadores não previstos em lei para o cálculo de correção monetária e juros de mora, o valor registrado na CDA não expressa corretamente o quantum debeatur, impossibilitando o adequado exame do cumprimento da referida norma."

 

Em suas razões recursais (Evento 117), alegou o Conselho-Apelante que “Mesmo após a tramitação regular do processo por mais de três anos e antes de qualquer intimação do exequente para manifestação, o MM. Juiz a quo proferiu sentença de extinção do feito nos termos dos artigos 20, 485, incs. I e IV, 783, 803, inc. I, 924, inc. I, e 925 c/c Lei n° 6.830/80, arts. 1° e 6°, § 1°, ao entender que o índice de correção aplicado na Certidão de Dívida Ativa – CDA executada não estaria adequado a legislação. O feito permeceu em regular andamento durante mais de sete anos e, de forma abrupta, sem qualquer intimação anterior ou mesmo possibilidade de manifestação/adequação por parte do exequente, o MM. Juiz a quo proferiu sentença concluindo pelo indeferimento da petição inicial e extinção da execução fiscal, em total violação ao artigo 10 do CPC/2015: (...)";

Sustentou, ainda, que “O mencionado artigo é claro no que tange a obrigatoriedade de manifestação das partes antes de qualquer decisão, mesmo que seja sobre matérias a qual deva decidir de ofício. Não obstante, sequer fora concedida a oportunidade de manifestação do exequente ou mesmo a adequação da Certidão de Dívida Ativa aos parâmetros da decisão proferida, até porque, a modificação na forma de atualização do débito não implica na nulidade da CDA, pois não afeta a liquidez e certeza do título executivo.".

Defendeu, outrossim, que "Assim, inicialmente, caso se entenda pela necessidade de adequação do índice de correção aplicado, pugna o exequente, nos termos da Súmula 392 do STJ e dos julgados acima destacados, pela concessão de prazo para substituição do índice aplicado, considerando a manutenção da higidez do título executivo. (...) O apelante tem natureza de autarquia federal e como tal na sua atuação deve se pautar pelo cumprimento dos diversos princípios constitucionais aplicáveis à administração pública, inclusive o princípio da legalidade. A CDA executada no processo 0013822-27.2018.4.02.5111 tem como base para os parâmetros utilizados na sua correção, além dos dispositivos legais acima invocados, a Resolução CFF 533/2010(...).".

Requereu, por fim, a reforma da sentença, tendo sustentado que "Por outro lado, as multas administrativas, como é o caso do débito cobrado no presente feito, não possuem natureza tributária, não lhe aplicando os índices e forma de correção relativos aos débitos tributários, como concluiu o MM. Juízo de piso. Noutro giro, como já destacado acima, considerando a possibilidade de correção da CDA anexada aos autos, caso este Tribunal entenda pela manutenção da Sentença pugna o recorrente pela possibilidade de adequação das Certidões executadas aos parâmetros da decisão proferida, por não se tratar de vício insanável.".

Sem contrarrazões.

Remetidos os autos a esta Corte, foi aberta vista dos mesmos ao Ministério Público Federal, o qual deixou de opinar sobre o mérito recursal por não vislumbrar hipótese a justificar sua intervenção no feito (Evento 6-TRF2).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Conforme relatado, insurge-se o Conselho-Apelante contra sentença que julgou extinta a execução fiscal, sem julgamento de mérito, com fulcro nos artigos 485, IV, e 803, I, ambos do Código de Processo Civil, em razão de nulidade insanável da certidão de dívida ativa que a lastreia.

Na hipótese dos autos, verifica-se que o Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro-CRF/RJ ajuizou execução fiscal em 27/09/2010, em face de NELIA PORTO VERGINIO, objetivando a cobrança de multa administrativa, no valor de R$ 1.538,64 (hum mil quinhentos e trinta e oito reais e sessenta e quatro centavos), contendo a CDA a seguinte fundamentação legal: "INFRAÇÃO AO ARTIGO 24 DA LEI 3.820/60 COMBINADO COM O ARTIGO 15, § 1º DA LEI 5.991/73.".

Em se tratando de débitos tributários, a jurisprudência da 1ª Seção do C. STJ, ao julgar o REsp nº 879.844/MG, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, DJe 25/11/2009, mediante o procedimento previsto no art. 543-C do CPC/1973 (recursos repetitivos), concluiu pela legalidade da utilização da Taxa Selic como índice de correção monetária e juros de mora, na atualização desses valores pagos em atraso, sendo certo que tal entendimento tem por fundamento legal o disposto nos artigos 30 e art. 37-A, da Lei nº 10.522/02, incluído pela Lei nº 11.941/09.

A expressão "de qualquer natureza", contida no art. 37-A da Lei nº 10.522/02 enseja a conclusão de que não apenas as anuidades dos Conselhos de Fiscalização Profissional, mas também as multas, como na hipótese dos autos, devem ser acrescidos de juros e multa de mora calculados nos moldes do art. 30 da Lei nº 10.522/02 (Selic com juros de 1% no mês do pagamento).

Em que pese entenda este Relator que, tendo havido a indicação na certidão de dívida ativa do termo inicial e elementos  legais  para  calcular a correção monetária e os juros de mora, o reconhecimento de eventual nulidade por força da utilização de indexadores diversos do legalmente previsto e suposta inobservância da Taxa Selic possa ser feito após a defesa do executado, em sede de embargos à execução, a verdade é que tem prevalecido no âmbito deste E. Tribunal e deste próprio colegiado entendimento em sentido diverso, conforme demonstram os arestos a seguir:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE ANUIDADE POR CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. CREMERJ. ANUIDADES DE 2011 E 2012. OBSERVÂNCIA DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL PELA LEI Nº 12.514/11 NÃO CUMPRIDA. ANUIDADES DE 2013 A 2015 DESNECESSÁRIA MENÇÃO EXPRESSA DO DISPOSITIVO LEGAL ESPECÍFICO. ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS. LEI Nº 10.522/02. EMENDA OU SUBSTITUIÇÃO DA CDA. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIO INSANÁVEL. RECURSO DESPROVIDO.

(...)

3. A incidência da taxa SELIC foi objeto de julgado alçado à sistemática dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 879.844/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 11/11/2009, DJE em 25/11/2009), restando assentado o entendimento acerca de sua legitimidade como índice de correção monetária e de juros de mora para fins de atualização dos débitos tributários pagos em atraso.

4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da questão atinente à utilização da SELIC na atualização dos débitos tributários, ocasião em que pacificou o entendimento no sentido da higidez de sua incidência, por traduzir rigorosa igualdade de tratamento entre contribuinte e fisco, bem como por não culminar em violação dos princípio da legalidade e da anterioridade (RE nº 582.461/SP; Min. Gilmar Mendes Tribunal Pleno, julgado em 18/11/2011, Dje em 18/08/2011).

5. A fixação dos juros e multa encontra-se em desconformidade com o art. 37-A, da Lei nº 10.522/2002, que dispõe expressamente que “os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais”.

6. Sistematiza o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (item 2.3.1.2) que, para os fatos geradores a partir de abril de 1995, incidem sobre as dívidas fiscais da Fazenda Nacional correção monetária e juros de mora correspondentes à Taxa SELIC. Assim, a incidência da SELIC, conforme regulado na legislação específica, se dá de forma exclusiva sobre o valor do tributo devido expresso em reais, ou seja, sem aplicação concomitante de outro índice de correção monetária ou juros.

7. Não se confunde a atualização do valor da dívida com o reajuste do valor estabelecido para as anuidades, este sim previsto pelo art. 6º, §1º, da Lei nº 12.514/11, nos exatos termos: “os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice nacional de Preços ao Consumidor – INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo”.

8. Quanto à possibilidade de emenda ou substituição da CDA, o art. 2º, §8º, da Lei nº 6.830/80, prevê que “até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução o prazo para embargos”. A jurisprudência do Col. STJ, porém, restringe a possibilidade de emenda ou substituição à correção de erro material ou formal, vedada a alteração do sujeito passivo (Súmula 392/STJ) ou da norma legal que, por equívoco, tenha servido de fundamento ao lançamento tributário.  

9. A hipótese em exame é caso típico de utilização de indexador equivocado na inscrição do crédito, fulminando o próprio lançamento, não podendo ser corrigido pela simples substituição ou emenda da CDA antes da sentença, exigindo-se, portanto, a realização de um novo lançamento.

10. Apesar de não ser necessária a menção expressa ao artigo 6º, da Lei nº 12.514/11, a CDA que fundamenta a inicial é inexigível, por ser insanável o vício, uma vez que a utilização de indexador indevido na inscrição do crédito fulmina o próprio lançamento, sendo inviável a substituição por outra certidão de dívida ativa, inviabilizando, ainda, a aferição do cumprimento ao artigo 8º, da Lei nº 12.514/11. Assim, inexigível a CDA que fundamenta a inicial e insanáveis os vícios apontados, a extinção é de rigor, o que deságua na manutenção da sentença.

11. Apelação conhecida e desprovida. (TRF-2ª Reg., 6ª T.E., AC  0184404-55.2016.4.02.5103/RJ, Rel. Des. Fed. POUL ERIK DYRLUND, Julg. 09.08.2021)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. APELAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO LIBERAL. CONTRIBUIÇÃO PROFISSIONAL (ANUIDADE). ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. RESP REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE DE EMENDA OU SUBSTITUIÇÃO DA CDA. ENUNCIADO Nº 392 DA SÚMULA DO STJ. RESP REPETITIVO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. NORMA COGENTE. COGNIÇÃO EX OFFICIO. ARTS. 267, § 3º, 1ª PARTE, E 245, § ÚN., DO ANTIGO CPC, OU ARTS. 485, § 3º, E 278, § ÚN., DO NOVO CPC.

- Com relação aos índices de correção monetária e juros de mora de valor vencido concernente a anuidade e inscrito como dívida ativa tributária, o art. 37-A, caput, da Lei nº 10.522/2002, estabelece que os créditos das autarquias públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais, o qual, conforme o art. 30 daquela Lei, é a taxa referencial do SELIC, entendimento este corroborado quando da apreciação do REsp repetitivo nº 879.844/MG (Tema nº 199), STJ, Primeira Seção, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. em 11/11/2009.

- O INPC serve exclusivamente ao reajuste do valor de anuidade fixado em lei, conforme o art. 6º, § 1º, da Lei nº 12.514/2011, e não do valor efetivamente vencido concernente a anuidade e inscrito como dívida ativa tributária.

- Não é possível a emenda ou substituição da CDA, na forma do art. 2º, § 8º, da LEF, conforme o entendimento consagrado nos termos do Enunciado nº 392 da Súmula do STJ, entendimento este corroborado quando da apreciação do REsp repetitivo nº 1.045.472/BA (Tema nº 166), STJ, Primeira Seção, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. em 25/11/2009.

- Tratando-se de questão de ordem pública extraída de norma cogente, a hipótese é ontologicamente cognoscível ex officio, a partir de autorização dada por meio dos arts. 267, § 3º, 1ª parte, e 245, § ún., do antigo CPC, ou dos arts. 485, § 3º, e 278, § ún. (em detrimento do art. 141, 2ª parte), do novo CPC.

- Recurso não provido. (TRF - 2ª Reg., 7ª T.E., AC 0178359-41.2016.4.02.5101/RJ, Rel. Des. Fed. SÉRGIO SCHWAITZER, Julg. 29.07.2021)

 

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. COBRANÇA DE ANUIDADE. DÍVIDA ATIVA TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA ESTRITA. ART. 150, I, CRFB/1988. LEI 12.514/11. CDA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 37-A DA LEI 10.522/02. IMPOSSIBILIDADE DE EMENDA OU SUBSTITUIÇÃO DA CDA.

- Cinge-se a controvérsia sobre manutenção ou não da sentença que julgou extinta a presente execução fiscal, ao fundamento de nulidade insanável da CDA, na qual consta o indexador para correção monetária diverso da Taxa Selic, bem como que a atualização equivocada do valor das anuidades impede a análise da conformidade da CDA com a norma contida no art. 8º, da Lei nº 12.514/11. 

- As contribuições devidas pelas categorias profissionais aos respectivos Conselhos, à exceção da OAB, são espécies do gênero tributo, consoante a disciplina do caput do art. 149 da Constituição Federal de 1988, e devem obediência ao princípio da legalidade estrita, inscrito no art. 150, I, da Carta Magna.

- Somente com a edição da Lei 12.514/2011 é que passou a existir embasamento legal para a entidade de fiscalização profissional fixar os valores devidos a título de anuidades.

- No caso vertente, as anuidades exequendas referem-se aos anos de 2012 a 2019 e, em que pese a observância do princípio da legalidade estrita, tais exações, conforme bem asseverado pelo Il. Magistrado a quo, devem ser atualizadas pela Taxa SELIC, na medida em que constitui índice de correção monetária e juros aplicados a todos os créditos públicos federais. 

- A jurisprudência do C. STJ, ao julgar o REsp 879.844/MG, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, DJe 25/11/2009, mediante o procedimento previsto no art. 543-C do CPC/1973 (recursos repetitivos), firmou entendimento, em se tratando de débitos de natureza tributária, no sentido da legalidade da utilização da Taxa SELIC como índice de correção monetária e juros de mora, na atualização desses valores pagos em atraso.

- Outrossim, estabelece o art. 37-A da Lei 10.522/2002 que: “Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais”. Por sua vez, a Lei 9.430/1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, prevê a adoção da SELIC (art. 5º, §3º), que engloba tanto a correção monetária quanto a taxa de juros em sua formação. Nesse sentido, sistematiza o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF 658 (item 2.6 de seu Anexo).

- Cumpre salientar, ainda, a distinção entre a atualização do valor da dívida, a qual se dará pela Taxa SELIC, e o reajuste do valor estabelecido para as anuidades, previsto na Lei de cada Conselho Profissional que, na hipótese dos autos, encontra-se previsão no art. 6º, §1º, da Lei 12.514/2011 ( “Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo”).

- Assim, tendo em vista que a cobrança da dívida se baseou em indexadores diversos do legalmente previsto para a espécie tributária em questão, padece a CDA de vício insanável, circunstância que se impõe a manutenção da sentença.

- No que tange à possibilidade de emenda ou substituição da CDA, aduzida pelo apelante, o art. 2º, § 8º, da Lei 6.830/1980, prevê que: “Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos”. No entanto, a jurisprudência desta Colenda 8ª Turma Especializada, firmou posicionamento no sentido de que, nos casos em que ocorrem vícios insanáveis do título executivo, mostra-se incabível oportunizar ao exequente a emenda ou substituição da CDA, visto que será indispensável que o próprio lançamento seja revisado, a teor do entendimento firmado pelo egrégio STJ (REsp 1045472/BA, Primeira Seção, DJe 18/12/2009).

- No mesmo sentido: TRF3, AC 5016907-94.2019.4.03.6105, 3ª Turma Especializada, DJe 29/07/2020.

-Recurso de apelação do CREFITO-2 desprovido. (TRF-2ª Região, 8ª T.E., AC 5075217-91.2020.4.02.5101/RJ, Rel. Des. Fed. VERA LÚCIA LIMA DA SILVA, Julg. 20.07.2021) 

 

No que se refere à alegação recursal acerca de ausência de oportunidade para justificar os índices aplicáveis na CDA ou alterar o título exequendo, observo que se trata de vício insanável, e, consequentemente, impossível de ser substituída a CDA. Portanto, nenhuma manifestação do exequente seria capaz de alterar a nulidade do título em que se baseia a execução. 

Nesse contexto, de acordo com firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os requisitos de validade da CDA, nos quais se incluem o fundamento legal tanto do valor principal quanto dos juros e da correção monetária (artigo 2º, §5º, da LEF), constituem matéria de ordem pública que podem ser verificados a qualquer tempo, inclusive de ofício, pelas instâncias ordinárias. Confira-se, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. TÍTULO EXECUTIVO. NULIDADE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, é "possível às instâncias ordinárias reconhecerem a nulidade da CDA de ofício, por se tratar de questão de ordem pública relativa aos pressupostos da ação" (REsp 1.666.244/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19/06/2017).

2. Hipótese em que o fundamento condutor do acórdão recorrido é a violação do princípio da congruência, uma vez que o juiz sentenciante teria proferido julgamento extra petita ao extinguir a execução fiscal em razão da nulidade do título executivo (CDA), sem que qualquer das partes tivesse apresentado esta alegação.

3. Não há falar em julgamento extra petita quando o julgador, conhecendo de questão de ordem pública, extingue a execução por ausência de preenchimento de seu pressuposto processual (validade do título executivo). Precedentes.

4. Agravo interno desprovido.”

(STJ, AgInt no AREsp 1219767/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 03/04/2020)

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, INC. II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CDA. REQUISITOS DE VALIDADE. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EXTINÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.

1. Constatado que a Corte a quo empregou fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, é de se afastar a alegada violação do art. 535 do CPC.

2. A verificação acerca do preenchimento dos requisitos essenciais de validade de CDA é providência que demanda o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, inviável no âmbito do recurso especial. Precedente da 1ª Seção (REsp 1345021/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 2/8/2013).

3. A questão relativa à validade do título executivo constitui matéria de ordem pública e, por isso, deve ser conhecida a qualquer tempo, inclusive de ofício, pelas instâncias ordinárias. Precedentes: AgRg no REsp 968.707/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 23/9/2008; AREsp 216.494/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Data de Publicação 30/8/2012; REsp 1.307.990/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 3/9/2012; AREsp 149.102/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Data de Publicação 4/9/2012.

4. Agravo regimental não provido” (grifou-se).”

(STJ, AgRg no AREsp 249.793/CE, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julg. 24/09/13, DJe 30/09/13)

 

Nesse sentido, entende este Relator – com base em respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial – que o fundamento a que se refere o Artigo 10, CPC/2015, identificado com a questão apreciável de ofício mencionada no Artigo 933, caput, CPC/2015, é o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. Dessa forma, o enquadramento jurídico eventualmente adotado na decisão prolatada, desde que embasado em provas submetidas ao contraditório, não caracteriza julgamento surpresa.

Deste entendimento não destoa a jurisprudência do próprio Eg. STJ, conforme evidenciam, por todos, os seguintes acórdãos, colacionados a seguir:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. AUSÊNCIA DE OFENSA. PRECEDENTES. SÚMULA N° 83/STJ. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada. 2. O "fundamento" ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure." 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 4ª T., REsp 1.695.519-MG, Relatora: Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 29.03.2019) (g.n.)

 

RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADOTOU FUNDAMENTO DIVERSO DO ADOTADO PELA SENTENÇA, COM BASE EM NOVA SITUAÇÃO DE FATO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ART. 10 DO CPC/2015. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO PARA OITIVA DA PARTE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. "O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação -, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (EDcl no Resp n° 1.280.825/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.) 2. O art. 933 do CPC/2015, em sintonia com o multicitado art. 10, veda a decisão surpresa no âmbito dos tribunais, assinalando que, seja pela ocorrência de fato superveniente, seja por vislumbrar matéria apreciável de ofício ainda não examinada, deverá o julgador abrir vista, antes de julgar o recurso, para que as partes possam se manifestar. 3. Não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação. 4. Na hipótese, o Tribunal de origem, valendo-se de fundamento jurídico novo - prova documental de que o bem alienado fiduciariamente tinha sido arrecadado ou se encontraria em poder do devedor -, acabou incorrendo no vício da decisão surpresa, vulnerando o direito ao contraditório substancial da parte, justamente por adotar tese - consubstanciada em situação de fato - sobre a qual a parte não teve oportunidade de se manifestar, principalmente para tentar influenciar o julgamento, fazendo prova do que seria necessário para afastar o argumento que conduziu a conclusão do Tribunal a quo em sentido oposto à sua pretensão. 5. No entanto, ainda que se trate de um processo cooperativo e voltado ao contraditório efetivo, não se faz necessária a manifestação das partes quando a oitiva não puder influenciar na solução da causa ou quando o provimento lhe for favorável, notadamente em razão dos princípios da duração razoável do processo e da economia processual. 6. No presente caso, ainda que não exista prova documental sobre a localização do equipamento (se foi arrecadado ou se está em poder do devedor ou de terceiros), tal fato não tem o condão de obstaculizar o pedido de restituição, haja vista que, conforme os ditames da lei, se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, deverá o requerente receber o valor da avaliação do bem ou, em caso de venda, o respectivo preço (art. 86, I, da Lei n° 11.101/05). 7. Recurso especial provido. (STJ, 4ª T., REsp 1.755.266-SC, Relator: Min. LUIZ FELIPE SALOMÃO, DJe 20.11.2018) (g.n.)

 

Portanto, considerando a utilização de índice de atualização diverso do previsto em lei, bem como a impossibilidade de emenda de CDA e tendo sido a sentença recorrida proferida em consonância com a jurisprudência mencionada, à qual ora se curva este Magistrado, não merece acolhida a irresignação recursal.

Do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.



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Processo n. 0000815-46.2010.4.02.5111
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0000815-46.2010.4.02.5111/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (EXEQUENTE)

APELADO: NELIA PORTO VERGINIO (EXECUTADO)

EMENTA

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. COBRANÇA DE MULTA ADMINISTRATIVA. PODER DE POLÍCIA. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO DÉBITO. INOBSERVÂNCIA DA TAXA SELIC. RECURSO DESPROVIDO. 

 

1. Apelação interposta pelo Conselho-Exequente contra sentença que, por constar da CDA indexadores diversos do legalmente previsto para a espécie tributária em questão, acrescidos de juros de mora, não tendo sido utilizada a Taxa SELIC, indeferiu a petição inicial e julgou extinta execução fiscal, sem resolução do mérito.

2. Em se tratando de débitos tributários, a jurisprudência da 1ª Seção do C. STJ, ao julgar o REsp nº 879.844/MG, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, DJe 25/11/2009, mediante o procedimento previsto no art. 543-C do CPC/1973 (recursos repetitivos), concluiu pela legalidade da utilização da Taxa Selic como índice de correção monetária e juros de mora, na atualização desses valores pagos em atraso, sendo certo que tal entendimento tem por fundamento legal o disposto nos artigos 30 e art. 37-A, da Lei nº 10.522/02, incluído pela Lei nº 11.941/09.

3. A expressão "de qualquer natureza", contida no art. 37-A da Lei nº 10.522/02 enseja a conclusão de que não apenas as anuidades dos Conselhos de Fiscalização Profissional, mas também as multas, como na hipótese dos autos, devem ser acrescidos de juros e multa de mora calculados nos moldes do art. 30 da Lei nº 10.522/02 (Selic com juros de 1% no mês do pagamento).

4. Tendo  sido a sentença recorrida  proferida em consonância com o entendimento que tem prevalecido no âmbito deste E. Tribunal e deste próprio colegiado no sentido da nulidade da CDA, por força da utilização de indexadores diversos do legalmente previsto e inobservância da Taxa Selic, não merece acolhida a irresignação recursal.

5. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 18 de abril de 2023.



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