Apelação/Remessa Necessária Nº 0000685-41.2005.4.02.5108/RJ
RELATOR: Desembargador Federal ALCIDES MARTINS
APELANTE: RENATO MAIOLI TOSTES (RÉU)
APELANTE: CNJ LOCACOES E EMPREENDIMENTOS LTDA (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (AUTOR)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas por CNJ LOCAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA e por RENATO MAIOLI TOSTES, assistente litisconsorcial da parte ré, objetivando a reforma da sentença (Evento 442 – SENT130 - 1º grau), proferida nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, complementada pela sentença de embargos de declaração (Evento 449 - 1º grau), que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para condenar a parte ré a: “a) Demolir as construções realizadas na área de avanço de 228,84m² especificada no laudo pericial (fls. 742/759), com a remoção de todos os entulhos e materiais do local, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença; b) Recompor a vegetação de restinga [com as espécies nativas descritas no laudo pericial (fls. 742/759) e no Projeto de Recuperação das Comunidades Vegetais da Praia e do Primeiro Cordão Arenoso de Geribá, Armação dos Búzios – RJ] na área liberada após a demolição e na remanescente entre a faixa de areia e o limite da sua propriedade, com início no prazo de 30 (trinta) dias a contar da sua intimação e sob orientação do IBAMA; c) Pagar, de forma solidária, indenização por danos ambientais causados pela ocupação irregular da área de preservação permanente, cujo valor arbitro em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser recolhido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”. A sentença cominou multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento da obrigação de fazer nela imposta.
Em suas razões recursais (Evento 447 – OUT96 – 1º grau) a apelante CNJ LOCAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA sustenta, em suma, que (i) da simples leitura do Laudo Pericial, bem como dos documentos que instruem a exordial, o batimento cadastral constante do Laudo de Vistoria que ensejou a presente demanda encontra-se eivado de vícios; (ii) conforme Laudo elaborado pelo ilustre Perito Oficial, a construção em comento não avança sobre área de praia, razão pela qual não há que se falar na sua demolição; (iii) consoante aduzido pelo i. expert, não é possível imputar à apelante os supostos danos ambientais apontados. Pugna, assim, pelo provimento do apelo para, reformando-se a sentença recorrida, sejam julgados improcedentes os pedidos. Subsidiariamente, requer a redução do quantum indenizatório em patamar mais condizente com a realidade dos fatos, eis que os aludidos danos são plenamente recuperáveis.
Por seu turno, RENATO MAIOLI TOSTES (Evento 459 – 1º grau), assistente litisconsorcial da parte ré, pugna pela nulidade da sentença de Embargos de Declaração opostos pelo ora apelante, com a determinação de retorno dos autos ao Juízo a quo para a devida análise e pronunciamento expresso sobre as matérias contidas no referido recurso. Aduz que o não pronunciamento sobre as questões suscitadas pode impedir o conhecimento das matérias ali tratadas pelo Tribunal ad quem e pelas Instâncias Superiores, ao argumento de supressão de instância.
No mérito, alega, em síntese, que (i) a decisão de proferir sentença de mérito à revelia do trânsito em julgado de ação que visou estabelecer a linha preamar, ainda que para fins fiscais, gera extrema insegurança jurídica; (ii) é de conhecimento do próprio Ministério Público Federal, autor da ação, que a supressão da vegetação de restinga naquela área remonta à década de 70, portanto, muito anterior à ocupação da área pelos réus; (iii) “o laudo pericial de fls. 619/639 apresenta incoerências e equívocos que, por certo, acabaram por levar o Juízo a quo a erro em seu convencimento”; (iv) o perito determinou a área do terreno de marinha por meio da utilização da Linha Preamar, invalidada, e sem indicar quais equipamentos de precisão utilizou como georreferenciamento, informando, contudo, que tal área é de 870m2 ; (v) no item “V” do laudo pericial o i. expert constata vícios nos resultados apontados pelo MPF no trabalho de batimento cadastral que levaram o Parquet a conclusões equivocadas; (vi) o laudo pericial, que serviu de base à fundamentação da sentença recorrida, constatou que não houve invasão na faixa de areia e, ainda, demonstrou que entre os muros e o alcance das águas do mar há uma superfície coberta por vegetação, caracterizando região de pós-praia; (vii) não houve dano irrecuperável ao ambiente; (viii) o local onde se encontra o imóvel, objeto da presente ação, não é área de restinga fixadora de dunas ou estabilizadoras de mangues, o que faz cair por terra toda a argumentação utilizada na r. sentença de se tratar de ocupação irregular de APP; (ix) a resolução CONAMA 303/2002, bem como sua antecessora CONAMA 04/1985 extrapolaram a competência regulamentadora ao impor a mesma proteção dada às dunas e manguezais a todas as demais formações que compõem a restinga, que existirem dentro da faixa de 300 metros a partir da linha de preamar máxima; (x) o requerimento de indenização por danos ao meio ambiente está embasado numa suposta invasão em área de praia, o que foi veementemente refutado no laudo pericial.
Sustenta, ainda, a falta de proporcionalidade na fixação da multa por descumprimento da obrigação de fazer, razão pela qual pugna pela sua redução em valor não superior a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia.
Subsidiariamente, requer seja permitido ao apelante utilizar-se de medidas compensatórias e mitigatórias, como requerido em sua primeira manifestação nos autos e previsto pelo i. perito, assim como sugerido pelo Assistente Técnico da 2ª Ré.
Contrarrazões do IBAMA e do Ministério Público Federal pelo improvimento dos apelos (Eventos 460 e 461 – 1º grau).
Manifestação do Ministério Público Federal, oficiando como custos legis nesta Corte Regional, opinando pelo improvimento da apelação, com a manutenção, na íntegra, da r. sentença (Evento 11 – 2º grau)
É o relatório.
VOTO
Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas por CNJ LOCAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA e RENATO MAIOLI TOSTES, assistente litisconsorcial da parte ré, objetivando a reforma da sentença proferida nos autos desta Ação Civil Pública, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
A sentença, na sua parte dispositiva, assim restou sedimentada (Evento 442 – SENT130 – 1º grau):
“Ante o exposto, na forma da fundamentação supra, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, para condenar os réus a:
a) Demolir as construções realizadas na área de avanço de 228,84m² especificada no laudo pericial (fls. 742/759), com a remoção de todos os entulhos e materiais do local, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença;
b) Recompor a vegetação de restinga [com as espécies nativas descritas no laudo pericial (fls. 742/759) e no Projeto de Recuperação das Comunidades Vegetais da Praia e do Primeiro Cordão Arenoso de Geribá, Armação dos Búzios – RJ] na área liberada após a demolição e na remanescente entre a faixa de areia e o limite da sua propriedade, com início no prazo de 30 (trinta) dias a contar da sua intimação e sob orientação do IBAMA;
c) Pagar, de forma solidária, indenização por danos ambientais causados pela ocupação irregular da área de preservação permanente, cujo valor arbitro em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser recolhido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
Comino multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) para o descumprimento da obrigação de fazer imposta nesta sentença.
Sem condenação em honorários advocatícios, por aplicação do princípio da simetria, a luz do artigo 18 da Lei 7.347/85 [...]”.
Cinge-se a devolução sobre a análise de questões que se referem ao inconformismo dos apelantes no tocante à ocupação indevida e dano ambiental imputado.
Inicialmente, não há que se falar em anulação da sentença proferida em sede de embargos de declaração (Evento 449 – 1º grau), pois, como bem explicitado pelo Juízo a quo, “observa-se que o embargante utiliza-se do presente recurso objetivando efeitos modificativos em relação ao julgado. Entretanto, eventual discordância quanto ao entendimento adotado por este Juízo deverá ser atacada por meio do recurso próprio, não se prestado os embargos declaratórios para tal finalidade”.
No mérito, em relação à questão ambiental, a Constituição Federal de 1988 assegurou o direito a um meio ambiente equilibrado. Veja-se:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Importante destacar que o Código Florestal de 1965, em vigor em data anterior à aquisição e ocupação da área em questão, já estabelecia o seguinte:
“Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
§ 1o ...
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por:
I - ...
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;” (grifo nosso)
No mesmo sentido, a Lei nº 12.651/12 que revogou o antigo Código Florestal:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I - Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão;
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”
Na mesma linha, a Resolução CONAMA nº 303/02:
“Art. 3o Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
(...)
IX - nas restingas:
a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;” (grifo nosso)
Quanto à questão dos terrenos de marinha, a mesma deve ser discutida e decidida com fundamento na Constituição Federal de 1988 (art. 20, VII) que sedimentou o entendimento acerca da propriedade da União Federal sobre as chamadas terras de marinha e recepcionou o Decreto-Lei 9.760/46, cujo artigo 198 expressamente diz:
“Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei.”
A definição legal dos terrenos de marinha encontra-se prevista no artigo 2º, do Decreto-Lei nº 9.760/46, que assim dispõe:
“Art. 2º. São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831:os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios de lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés.
Vale ponderar que a demarcação dos terrenos de marinha, como corolário do domínio eminente do Estado, se materializa em um procedimento administrativo de natureza declaratória, e não constitutiva de um direito de propriedade há muito estabelecido.1
Logo, declarada a demarcação do terreno de marinha, os títulos existentes sobre tal domínio são ineficazes, sendo, inclusive, desnecessário o ajuizamento de ação própria pela União para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes, diante da presunção de legitimidade e executoriedade dos atos administrativos da demarcação, que materializam o interesse público que se sobrepõe às relações privadas, razão pela qual se transfere ao particular o ônus da prova de que o imóvel não se encontra inserido no artigo 2º, do Decreto-Lei nº 9.760/46.
A Constituição Federal estabelece no inciso IV, do artigo 20, entre outros, que as praias marítimas são bens da União. Por outro lado, segundo o Código Civil, em seu artigo 66, inciso I, entre os bens públicos, classificados segundo a destinação, encontram-se os de uso comum do povo (mares, rios, estradas, ruas e praças). Posteriormente, outros bens, como por exemplo, as praias, foram incluídos pela legislação (artigo 10 da Lei 7.661/88) como bens públicos de uso comum do povo, com garantia de livre e amplo acesso, a fim de impedir a privatização indireta:
“Artigo 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1° - Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2° - A regulamentação desta Lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3° - Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema”.
No mesmo sentido, o parágrafo 1º do artigo 4º, da Lei n. 9.636/98, que trata da regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, também determina que projetos de parcelamento e urbanização de áreas vagas, elaborados na forma da legislação pertinente, devem sempre levar em conta "a preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais e lacustres e outras áreas de uso comum do povo".
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XV e LXVIII, garante o direito fundamental de ir e vir, preceituando que “é livre a locomoção no território nacional”. Assim, com base nessa premissa, não pode haver qualquer justificativa que permita ao particular construir muros, impedindo ou mesmo dificultando o acesso dos cidadãos à praia, que como se sabe é bem comum do povo (art.20 da CF; art. 10 e § 1º da Lei 7.661/88; art.4º da Lei 9.636/98 e art.21, § 1º do Decreto 5.300/04).
Destaque-se que o poder dever de controle e fiscalização ambiental, além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, deriva de expressa disposição constitucional em prol de um ambiente sadio e equilibrado, cuja proteção compete, de forma comum, a todos os entes federados. Neste sentido, a autoridade ambiental ao tomar ciência de infração ao meio ambiente “é obrigada a promover a apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena, de corresponsabilidade” (art. 70, §3º da Lei 9.605/98).
Por oportuno, traz-se ao debate estudo exposto no artigo “Praças e praias públicas”2, cujos fundamentos ficam fazendo parte integrante deste voto.
No referido texto, o autor defende a tese da impossibilidade de os bens públicos de uso comum do povo passarem a ingressar no patrimônio privado, na forma de privatização indireta, destacando, em particular, as praças e as praias, estas, inclusive com a garantia de livre e amplo acesso, na medida em que esses bens, tal como estabelecidos, existem para servir à comunidade, na satisfação de seus mais variados interesses, de forma ampla, geral, indistinta e universal.
Destarte, cabe ao poder público a função de gerir os bens de uso comum do povo, para que cumpram a sua função social, eliminando os riscos de sua privatização, eis que “a forma pela qual a especulação imobiliária desenfreada cuidou para tornar as praias privatizadas ou particulares foi, justamente, impedir e dificultar o acesso a elas. Denomina-se esta forma como privatização indireta das praias, que se dá pela integração de vias de acesso ao domínio privado, por posse ou propriedade, de modo a tornar a praia não uma propriedade particular (posto que são bens comuns do povo), mas um exclusivo privilégio de alguns, com a aparência ou uma situação fática que indique posse privada, em detrimento da população”.
Na opinião de José Afonso da Silva3 “qualquer bem pode ser de propriedade pública, mas há certas categorias que são, por natureza, destinadas à apropriação pública (vias de circulação, mar territorial, terrenos de marinha, terrenos de marginais, praias, rios, lagos, água de modo geral, etc.) porque são bens predispostos a atender o interesse público, não cabendo apropriação privada”.
Neste sentido, o acesso livre, amplo, gratuito, desembaraçado e sem óbices é uma exigência legal, constituindo-se uma ilegalidade o impedimento à livre circulação das pessoas, nas vias públicas de loteamentos, tendente a tornar as praias um bem incorporado ao seu patrimônio privado em detrimento de toda a comunidade que se constitui de “usuários anônimos e indeterminados”4.
Oportuno a transcrição dos seguintes arestos:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIVRE ACESSO E PRESERVAÇÃO DE PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL. FORTE DOS REIS MAGOS E PRAIA DO FORTE. - O direito de uso de terreno de marinha ou acrescido não compreende o de impedir o acesso a bem público de uso especial nele encravado nem o de restringir a fruição de bem comum do povo. -– (...)”(TRF5, 3ªT, AC 243633/RN, proc. nº 2001.05.00.004726-6 Des.Fed. Rivaldo Costa) (Grifei)
“DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA.
“1. (...)3. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares.(...)4. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele. (...)(TRF4 4ª T, AC 2002.72.07.008762-6 Re. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler) (Grifei)
Por outro lado, a inscrição de ocupação a cargo da SPU é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, nos termos do artigo 7º da Lei nº 9.636/88,5 e, tratando-se de bem de uso comum do povo, a autorização para sua ocupação somente se justifica pelo interesse público.
In casu, constata-se a ocorrência de situação inversa, com a sobreposição do interesse particular ao público e social, fato este que obsta a regularização da ampliação da área de ocupação original, conforme previsto no artigo 9º, II, do referido diploma:
Art. 9º É vedada a inscrição de ocupações que:
II – estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental, ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais (...).
Inicialmente, no caso vertente, rejeito a alegação de cerceamento de defesa, não merecendo prosperar, tendo em vista que o processo tramitou de forma regular, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo a parte ré dele participado ativamente, manifestando-se intensamente durante todo o transcurso da lide, sendo certo que todas as provas foram analisadas cuidadosamente pelo Juízo a quo.
Por outro lado, é consenso nas decisões emanadas das diversas instâncias que o deferimento de diligências ou provas é ato discricionário do magistrado, que pode negar os pedidos que considerar protelatórios ou desnecessários, bem como, determinar a produção de outras que julgar necessárias ao deslinde da lide (artigo 370 e § único do CPC).
No que concerne a delimitação da linha do preamar médio – LPM, a mesma em nada interferirá no direito ora posto sob exame.
A questão da LPM (provisória ou definitiva) constitui matéria atinente à causa de pedir, mas a mesma não exaure todo o objeto da presente demanda que incluiu a proteção ao meio ambiente e a ocupação irregular de bem de uso comum do povo, não tendo o condão de modificar o fato de que a área questionada, ocupada irregularmente, pela apelante, encontra-se instalada sobre propriedade da União Federal, ou seja, sobre a praia, cuja natureza jurídica é terreno de marinha, sendo certo que a sua proteção encontra regramento desde a Constituição Federal de 1891, bem como sobre a vegetação de restinga que a margeia.
Por outro lado, como dito na sentença, não obstante a invalidação do procedimento administrativo nº 10768.007612/97-20, ao menos provisoriamente, tal questão não se apresenta como prejudicial em relação ao julgamento da presente ação civil pública, já que aquele procedimento trata de linha presumida estabelecida para fins fiscais, o qual foi invalidado por falta de intimação pessoal, o que não é o caso da presente ação.
Importante ressaltar que somente após o julgamento do AGRG no REsp 434.030/SC, reafirmado no julgado no REsp 1.420.262/SC, a jurisprudência do STJ passou a reconhecer que a intimação pessoal nos procedimentos de demarcação dos terrenos de marinha só se impõe a partir de 16/03/2011, data em que o STF deferiu medida cautelar para suspensão da eficácia do artigo 11 do DL nº 9.760/1946, com efeitos ex nunc (ADI 4264MC/PE). 6
Nesse aspecto, oportuna a transcrição de trecho do voto do eminente Desembargador Federal Marcelo Pereira da Silva em julgamento da 8ª Turma Especializada desta Corte Regional, na AC nº 2005.51.08.000682-2 (publicação em 20/02/2018):
“...O que se verifica, pelo contrário, é que a conduta do Réu de construir sobre faixa de areia da praia, bem de uso comum do povo, está configurada, ainda que consideradas tanto a LPM Presumida como a nova LPM demarcada nos autos do citado processo administrativo promovido em 2001. Ao que tudo indica, o que ocorreu, na verdade, foi um recuo da LPM presumida em direção ao mar, reduzindo a área até então considerada como terreno de marinha e ampliando a parcela alodial do imóvel, com a consequente diminuição da base de cálculo das taxas de ocupação a serem pagas pelo proprietário, como demonstra o documento de fl. 295, questão esta que não está sendo objeto de discussão no presente feito.
Acerca do tema, corretamente mencionou o Ministério Público Federal em réplica que "seja tomando por base a LPM presumida (que coincidia coma a testada originária do Loteamento Marisco, cadastrada na GRPU), seja com lastro na LPM demarcada em 02.05.2001, inafastável a constatação de que houve acréscimo de construção inicialmente cadastrada, sendo certo que esse acréscimo foi realizado na direção da praia, avançando, consequentemente, por sobre a faixa de areia e vegetação de restinga que antes margeavam o Loteamento" (fl. 433).
De se ver, por conseguinte, que o cerne da questão gravita em torno da constatação da extrapolação dos limites da propriedade do Réu em direção à faixa da areia da praia de Geribá...” (Grifei)
Destaque-se a informação constante no laudo acostado nos Eventos 421/423 – 1º grau, no sentido de confirmar que a apelante avançou com sua ocupação irregular em direção à praia (Evento 421, fl. 10 – 1º grau), considerada como bem de uso comum e restringindo, por outro lado, seu acesso, fato vedado no ordenamento jurídico, eis que as praias são bens públicos de uso comum do povo (art. 10 da Lei nº 7.661/88).
Como ressaltou o MPF (Evento 461, fl. 6 – 1º grau), parte do imóvel em questão é composta de terreno de marinha, adquirido pela apelante sob o regime de ocupação (art. 7º, da Lei nº 9.636/98). 7
Todavia, a questão que se discute refere-se à ocupação irregular de área de preservação ambiental de uso comum, uma vez que em vistoria realizada pela Gerência Regional do Patrimônio da União/RJ, constatou-se que, além da área original, a apelante avançou 942,08m² em direção à praia, sem nova autorização da GRPU, para tal ocupação.
O laudo pericial, anteriormente citado, aponta uma diferença em relação a esse avanço, apresentando um total de 228,84m², divergindo da indicação da GRPU/RJ, todavia confirmando a ilegalidade dessa ocupação, cuja autorização de uso não poderia ser deferida, face à vedação expressa contida no artigo 9º da Lei nº 9.636/98, 8 tendo em vista que a mesma se encontra sobre praia, considerada de preservação permanente, nos termos do artigo 268 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, c/c o artigo 2º da Lei nº 4.771/65 9 e Lei nº 7.661/88 e sobre vegetação de restinga, igualmente protegida por força do Código Florestal/65 e Resoluções do CONAMA.
Conforme a prova dos autos, restou constatado que a construção da apelante avançou sobre a vegetação de restinga, área de preservação permanente, caracterizando a irregularidade da ocupação, assim como os prejuízos causados ao meio ambiente, tudo devidamente comprovado no laudo pericial.
Com efeito, urge ressaltar que a restinga constitui área de preservação permanente, protegida por lei federal 10 como um ecossistema frágil onde não podem ser feitas construções.
As restingas, sob o ponto de vista ecológico, podem ser definidas como um espaço geográfico formado por depósitos arenosos e paralelos à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzida por processo de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, podendo ter cobertura vegetal, típica das praias e das dunas. Trata-se de ecossistema determinado fisicamente pelas condições edáficas (que pertencem ou podem estar relacionadas ao solo) e pela influência do mar, remanescente do bioma da Mata Atlântica. 11
Para alguns autores, a restinga pode ser definida como um terreno arenoso e salino, próximo ao mar e coberto de plantas herbáceas características, sendo que a sua vegetação é influenciada por alguns fatores abióticos (onde há condições de haver vida), entre os quais se destacam: a) a topografia do terreno; b) a influência marinha e c) o solo. Essas condições ambientais determinam as diferentes fisionomias vegetais da restinga.12
Segundo Wagner Carmo, a restinga é importante para o meio ambiente por duas razões: “a) sua vegetação exerce importante papel físico-ambiental, constituindo uma barreira para a ressaca do mar, para a erosão das praias e na contenção do avanço das dunas e, b) abrigam importantes espécies da fauna, algumas em extinção, e da flora, muitas vezes utilizadas para fabricação de medicamentos ou mesmo base para alimentação.”
Importante destacar, tal como salientou o texto de referência, que as restingas, em razão da localização geográfica, geralmente são ameaçadas quanto à sua conservação, em razão do uso e da ocupação do solo, de forma desordenada, pelo ser humano.
O autor ressalta que as principais ameaças à conservação das restingas são: a) a expansão urbana, que tem transformado extensas matas de restinga em áreas urbanas horizontais; b) a especulação imobiliária de áreas litorâneas, seja por meio da construção em área de restinga ou com a construção paralela, dificultando a regeneração ou preservação da restinga pelo sombreamento das áreas; c) o turismo predatório, sem um trabalho de conscientização da importância de preservação das Restingas; d) a poluição pelo descarte de lixo e até mesmo de efluentes (resíduos residenciais ou mesmo industriais); e) as práticas de uso relacionadas com a caça de animais silvestres, o desmatamento e as queimadas; f) o tráfego de veículos, primeiro diretamente na restinga, afetando o desenvolvimento da vegetação e segundo, pelas rodovias paralelas e incidentes em áreas de restinga, dificultando o corredor ecológico e matando as espécies da fauna; g) a presença de espécies exóticas, afetando o desenvolvimento da vegetação e a dinâmica do ambiente; h) a falta de planejamento para uso das áreas das Restingas, assim como a falta de educação ambiental sobre a importância das restingas.
Nesse sentido, confira-se:
AMBIENTAL ÁREA DE PRESERVAÇAO PERMANENTE PRAIA MOLE - FLORIANÓPOLIS VEGETAÇAO DE RESTINGA ART. 2º, ALÍNEA F, DO CÓDIGO FLORESTAL SÚMULA 7/STJ. 1. Trata-se, originariamente, de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a preservação de área de vegetação de restinga, em virtude de degradação na localidade denominada Praia Mole, em Florianópolis. 2. O art. 2º, alínea f, do Código Florestal considera como área de preservação permanente a vegetação situada "nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues". 3. Hipótese em que a instância ordinária aplicou o mencionado dispositivo na sua literalidade, ao mencionar várias vezes que a área degradada caracteriza-se não só como "restinga", mas possui "vegetação fixadora de dunas", o que é obviamente suficiente para caracterizar a área como de "preservação permanente". 4. Inexiste ofensa ao dispositivo de lei apontado pelos recorrentes, que, em verdade, buscam alterar a conceituação fática da região objeto da medida protetiva do parquet, o que é incabível na presente via (Súmula 7/STJ).
5. Recurso especial não provido. (STJ, 2ª Turma, REsp nº 945.898/SC, Relatora Ministra Eliana Calmom, em 24/12/2009). (Grifei)
A matéria discutida no caso vertente foi esgotada pela bem lançada sentença de mérito, que extraiu do laudo pericial algumas das premissas básicas que a motivaram e que, aliadas a realidade fática consolidada, decidiu de forma justa e coerente, em nada abalada pelo recurso da parte apelante.
Destaque-se na realização do trabalho pericial, que o perito executou o levantamento topográfico da propriedade da apelante, confrontando-a com a planta do Loteamento Marisco, tendo concluído que “os Réus não ultrapassaram a Linha de Preamar Média e não ocupam faixa de areia da praia, mas constatou que excederam a ocupação em 228,84m2 em direção ao mar, para além dos limites legais da propriedade e usufruem particularmente de área de uso comum, própria do ambiente natural, inserida em ecossistema que deve ser reservado e preservado, caracterizando intervenção direta e adversa sobre o ambiente de restinga” (Evento 422, fl. 7 – 1º grau).
Em síntese, extrai-se do laudo que (Evento 422, fl. 7 – 1º grau):
“As informações colhidas no exame pericial confirmam o seguinte:
. Os Réus ocupam uma área maior que a legal; em direção à praia a ocupação irregular foi de 228,84 m² e em terreno alodial foi de 420,39 m2;
. O acréscimo em direção à praia é uma extensão da moradia, com área plana gramada, introdução de vegetação exótica, muros em alvenaria de pedras, portão de acesso à praia, passarelas com lajotas de pedra natural, instalações elétricas e hidráulicas e pequena construção em alvenaria para abrigo de equipamentos da piscina, conforme as imagens ilustrativas no Laudo;
. A área de avanço está inserida em terreno de marinha, mas sem ultrapassar a Linha da Preamar Média e sem alcançar a faixa de areia da praia; e,
. O dano ambiental causado pelo avanço em direção ao mar está caracterizado pela alteração do cordão arenoso, pela supressão da vegetação natural (xerófila, característica de restinga) e pela introdução de espécies vegetais estranhas, com reflexo nas condições edáficas e na fauna”.
Quadro de áreas (Evento 421, fl. 10 – 1º grau):
QUADRO DE ÁREAS: | Perícia | SPU |
Área legal dos lotes | 1.200,00 m² | 1.288,70 m² |
Área real ocupada pelos Réus | 1.861,54 m² | 2.541,93 m² |
Avanço sobre a área urbana | 420,39 m² | 323,56 m² |
Avanço em direção à praia | 228,84 m2 | 942,08 m2 |
O referido documento esclarece que o ambiente natural anterior à ação antrópica13 pode ser visualizado em foto, que faz juntar, que apresenta uma área ainda virgem com as feições litorâneas e o pós-praia definidos em um ecossistema equilibrado pela natureza (Evento 422, fl. 3 – 1º grau).
Todavia, ressalta que, outra imagem, com data de 1988, mostra que as quadras A, B, C e G do loteamento Marisco, as mais próximas do mar, tiveram os lotes de terreno implantados sobre vegetação nativa, mas que resguardaram uma estreita faixa de vegetação até a praia, sendo esta, a mesma conclusão do Projeto de Recuperação das Comunidades Vegetais, elaborado pelos biólogos Gustavo Martinelli e Bruno Coutinho Kurtz, no sentido de que “Com a ocupação subsequente da área, a cobertura vegetal nativa ficou restrita a uma estreita faixa, de no máximo 20m, entre a praia e o muro das casas e pousadas na frente desta” (Evento 422, fl. 4 – 1º grau).
O documento destaca ser também esclarecedora que a configuração da linha da praia mudou consideravelmente no canto esquerdo da imagem (Evento 422, fl. 4 – 1º grau), com o avanço do mar, concluindo-se que houve supressão das areias do cordão arenoso. Constatou que “a vegetação nativa foi em grande parte suprimida há décadas, quando da ocupação urbana pelas moradias, arruamentos e equipamentos urbanos” e, ainda, que “o prolongamento dos lotes em direção à praia (o avanço) ocorreu sobre a vegetação nativa, mas não atingiu a faixa de areia da praia, conhecida como berma (região constituída pela deposição dos sedimentos transportados pelo mar)”.
Assim, com base no salientado no laudo, não há como negar que as construções situadas na praia de Geribá foram erguidas sobre a vegetação característica de restinga, sendo forçosa a constatação de que o dano ao meio ambiente se iniciou no momento da implantação do loteamento, nos idos de 1963.
Em sua manifestação, o expert, em resposta ao quesito III, do MPF, ressaltou que (Evento 422, fls. 7/8 – 1º grau):
“[...] conforme exposto no Laudo as evidências indicam que todo o Loteamento Marisco foi implantado sobre área com cobertura vegetal característica de restinga [...]”.
E, ao responder ao quesito IX, referente às questões ambientais, também formulado pelo MPF, ora apelado, a respeito de possível recuperação dos danos, o perito esclareceu (Evento 422, fl. 8 e Evento 423, fl. 1 – 1º grau):
“Os danos são recuperáveis à medida que a ação antrópica seja interrompida e o ambiente natural reconstituído. As ações de recrutamento de espécies de fauna e flora podem iniciar um processo de colonização e sucessão ecológica na área degradada. O processo de recuperação é dependente das condições edáficas, climáticas e das características das próprias espécies colonizadoras. (Grifei)
De tal modo, inexistem dúvidas de que o imóvel de propriedade da apelante foi construído sobre a área de restinga, assim como foram todos os imóveis situados à beira da praia, nos termos das conclusões firmadas pelo perito judicial, sendo certo que “a alteração do cordão arenoso, que atua como uma barreira física para conter o avanço do mar e manter os aspectos edáficos, causa desequilíbrio no perfil praial, sujeito as variações temporais impostas pela natureza e modifica a linha d´água sobre a praia” (Evento 422, fl. 6 – 1º grau).
A par da conclusão de que não houve avanço do imóvel sobre a faixa de areia, pelas razões já expostas, restou decidir o pedido inicial referente à condenação da recorrente a promover a demolição da parte da edificação irregular erguida avançando sobre área de vegetação de restinga que a margeia – área de preservação permanente.
Louvando-se do laudo pericial sobre essa questão, especialmente as respostas aos quesitos formulados pelo MPF, ora recorrido, a sentença concluiu não restar dúvidas de que parte do imóvel de propriedade da apelante foi construída sobre a área de restinga.
Nesse particular, o i. expert assim aduziu (Evento 422, fl. 8 – 1º grau):
“Quesito VI: Especifique o perito se o avanço perpetrado pelos réus causou danos ao ecossistema praiano;
Resposta. Sim. O avanço médio em direção ao mar foi de 7,2m, perfazendo uma área de 228,84 m2. O dano resultante do avanço é uma pequena extensão de um dano maior, quando da implantação do loteamento sobre a vegetação. A biodiversidade dos habitats da zona costeira se caracterizam pela riqueza de espécies com grande importância ecológica, pois recebem significativa quantidade de nutrientes dos sistemas terrestres em interações biológicas.
Quesito VII: Em caso de resposta positiva ao item anterior, queira o Sr. perito especificar os danos causados;
Resposta. Os danos consistem na supressão do volume natural de depósito arenoso e da vegetação natural de cobertura deste solo, com aspectos bióticos e abióticos, modificados e substituídos por meio da atividade humana. O ecossistema da zona costeira é único. O mar em suas primeiras profundidades, a faixa de areia e o cordão arenoso protegido pela vegetação não devem ser dissociados, integram um mesmo ambiente.
Quesito VIII: Em caso de resposta positiva ao item VI, queira o Sr. Perito indicar eventuais medidas necessárias à recuperação dos danos ambientais perpetrados pelos réus;
Resposta. As medidas de recuperação devem iniciar pela desocupação da área, após a reposição do cordão arenoso. A recuperação das comunidades vegetais está descrita com propriedade no Projeto de Recuperação das Comunidades Vegetais da Praia e do Primeiro Cordão Arenoso de Geribá, proposto pela Associação dos Amigos de Geribá e dos Quiosques de Geribá”.
A Lei nº 6.938/81, recepcionada pelo texto constitucional de 1988, prevê a responsabilidade civil objetiva do infrator das normas ambientais, ao estabelecer que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. É ponto pacífico na doutrina que a responsabilidade civil ambiental é objetiva, sendo suficiente a demonstração do dano, sem a necessidade de perquirir a incidência do elemento subjetivo da culpa ou dolo.
Como bem pontuou o magistrado sentenciante, a simples ocupação de Área de Preservação Permanente - APP, consistente em terreno coberto originalmente por vegetação de restinga, já acarreta danos ao meio ambiente, tratando-se de responsabilidade objetiva, razão pela qual é irrelevante para o deslinde da controvérsia em foco a intenção de degenerar o meio ambiente (dolo).
Oportuno trazer ao debate a declaração de voto do Ministro Herman Benjamin (REsp nº 945.898, 2ª Turma do STJ, publicado em 24/08/2010) na qual esclarece que, “Ao contrário do que sustentam os recorrentes, a proteção jurídica da Restinga não fere o direito de propriedade. Em nenhum ordenamento do mundo o direito de propriedade é hoje considerado absoluto, se é que algum dia o foi. Muito menos na sistemática da Constituição Federal de 1988, que, expressamente no art. 225, 1º, imputou ao Poder Público (aí incluída não apenas a Administração, mas o próprio Judiciário) o dever inafastável de "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais" (inciso I) e de "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético" (inciso II).
O Ministro ressalta que a Restinga é o mais ameaçado ecossistema integrante da Mata Atlântica, ela mesma, o mais ameaçado bioma do Brasil, pois não restam mais que 6% ou 8% da sua cobertura original. Destaca que muito pouco sobreviveu, na faixa litorânea, das Matas de Restinga existentes até o final da Segunda Guerra Mundial e que não pode o Poder Público permanecer inativo, ignorando a obrigação constitucional que lhe foi imposta.
Ressalta, outrossim, que muitas vezes a intervenção do Estado chega tarde, pois já se perdeu quase tudo desse ecossistema tão valioso, em termos de biodiversidade e de manutenção da rica fauna no passado existente na nossa Costa, e que a proteção da Restinga é prioridade nacional.
O voto esclarece que tal preocupação, “se avulta em época de mudanças climáticas, mormente porque esse tipo de ecossistema, sobretudo o de planície, e os Manguezais estarão na linha de frente da defesa do litoral contra o aumento do nível do mar, exigindo do Estado medidas públicas e privadas de adaptação, com o desiderato de reduzir seus impactos negativos nas cidades brasileiras costeiras”.
Aduz que os “proprietários, por sua vez, precisam entender que o paradigma constitucional atual é outro, o que faz com que seu inconformismo com o texto da Constituição não possa ser enfrentado pelo Poder Judiciário, pois a sede desse debate foi a Assembleia Constituinte ou, naquilo que estiver aberto à reforma, será o Congresso Nacional, por meio de emenda constitucional. A Constituição foi mais longe, atrelando, internamente, ao direito de propriedade uma função ecológica, nos termos do art. 186, II. De tudo isso decorre que, no regime jurídico brasileiro, já não há espaço para a propriedade contra o ambiente substituída que foi pelo modelo da propriedade com o ambiente”. Grifado no original.
Na mesma direção, julgado desta 5ª Turma Especializada:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÕES CÍVEIS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPRESCRITIBILIDADE DOS DANOS AMBIENTAIS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. DEMOLIÇÃO DE TODA A EDIFICAÇÃO. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS COLETIVOS. IMPOSSIBILIDADE.
1 Apelações interpostas com o fito de ver reformada sentença que acolheu parcialmente o pedido do Ministério Público Federal em sede de Ação Civil Pública, condenando o réu ao recuo em dois metros do muro de sua propriedade e à recomposição de área de preservação permanente, caracterizada por vegetação de restinga, sobre a qual avançou, além de indenização pelos danos ambientais causados.
2 Com efeito, a Resolução CONAMA nº 303/2002, ao tratar da vegetação de restinga enquanto área de preservação permanente, estabelece faixa de 300 metros a ser protegida. Em virtude de sua função ecológica, é indiferente a existência, de fato, da vegetação tutelada, para a caracterização da área, decorrendo obrigação de recomposição onde haja devastação. Cogente observar, ainda, que a previsão legal alcança também as zonas urbanas, devendo a legislação local respeitar os limites previstos em lei federal.
2 É cediço que, face à indisponibilidade do direito ao meio ambiente equilibrado, não corre prescrição contra a pretensão de reparação do ilícito ambiental, visto seu caráter continuado. Assim entende a jurisprudência pátria. Precedentes do STJ: REsp 1247140 / PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgamento em 22.11.2011, DJe 01.12.2011;
REsp 1223092/SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, Julgamento em 06.12.2012, DJe 04.02.2013; AgRg no REsp 1150479/RS, Rel. Min. 37 APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO 2005.51.08.0006615 Humberto Martins, Segunda Turma, Julgamento em 04.10.2011, DJe 14.10.2011.
3 No mesmo sentido, não há que se falar em direito adquirido a degradar o meio ambiente, devendo-se garantir sua higidez às futuras gerações. Irrelevante, nesse mister, eventuais alvarás e licenças anteriormente concedidas pelo Poder Público.
4 A pretensão do Parquet de demolição de toda a edificação esbarra na razoabilidade da medida, vez que a propriedade em questão se presta à atividade econômica regularmente desempenhada pelo particular, fato igualmente tutelado pelo ordenamento pátrio. Assim é que importa estabelecer medidas mitigatórias e compensatórias, sob pena de benefício àquele que degrada, ao arrepio da lei.
5 Revela-se impossível a condenação em danos morais coletivos, tendo em vista sua incompatibilidade com o viés individualista ínsito ao dano moral. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1305977/MG, Rel. Min. Ari Pargendler,
Primeira Turma, Julgamento em 09/04/2013, DJe 16/04/2013; REsp 821891/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento em 08/04/2008, DJe 08/05/2008.
6 Apelações e remessa necessária desprovidas
(TRF2, 5ª TE, AC 0000661-13.2005.4.02.5108, Rel. Desembargador Federal Marcus Abraham, publicada em 28/01/2014).
A reparação do dano ambiental pode não alcançar todos os efeitos desejados, “seja pela dificuldade ao retorno ao status quo ante (que em alguns casos pode ser impossível de ser alcançado), seja pelo fato de que a reparação pecuniária em si, não recuperar o dano causado.” 14
“Ainda não existem parâmetros econômicos estabelecidos para a reparação de um dano ambiental, ou seja, não existe um valor econômico para o ar puro ou uma paisagem, eis que são bens, assim como muitos outros, que não são expressos por meio do mercado: não podem ser comprados ou vendidos.”15
A regra geral contida no Código Civil estabelece que quem causar prejuízo tem o dever de reparar o dano, regra esta, que foi transportada para o Direito Ambiental.
Com efeito, existem, também, outras formas de reparação do dano ambiental, quais sejam: “a obrigação de fazer e não fazer, o seguro ambiental e, de forma indireta a educação ambiental.”16
Por outro lado, “constata-se ser extremamente difícil atribuir um valor financeiro para os recursos naturais, razão pela qual, o legislador prefere que a reparação in natura seja tentada primeiro, por ser esse o objetivo mais importante – a volta ao status quo ante –, sendo a indenização, a medida econômica de punir o poluidor”.17
In casu, como bem ponderou o magistrado singular, considerando que “os danos são recuperáveis à medida que se execute o recrutamento de espécies com a consequente sucessão de comunidades naturais” (resposta ao quesito IX do MPF); que o dano ambiental se limita a uma área de 228,84m², bem como as construções e modificações realizadas em área de restinga; afigura-se razoável a fixação da indenização a título de danos ambientais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), de modo a coibir futuros prejuízos ao meio ambiente, tal como determinado pelo Juízo a quo.
Oportuno destacar que a situação irregular se prolonga desde 1963, quando da efetivação do Loteamento Marisco, constatando-se, ainda, a total omissão do poder público em reprimir, na origem, a situação irregular ora debatida, tendo em vista que somente em 2001 iniciou um procedimento administrativo visando à regularização e integridade das áreas de uso comum do povo, de preservação ambiental, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
Oportuna a transcrição de julgado desta 5ª Turma Especializada sobre o tema em questão:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LINHA PREAMAR MÉDIA. EXISTÊNCIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE QUESTIONAMENTO SOBRE A DEMARCAÇÃO DA LPM. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR. LAUDO PERICIAL. DANO AMBIENTAL COMPROVADO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em perquirir acerca da ocorrência de dano ambiental, em decorrência de construção de responsabilidade do réu, na praia de Geribá, localizada no Município de Búzios, com a consequente demolição da construção que se discute e restauração da área, além do pagamento de indenização pelos danos ambientais.
2. A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do apelante, sob o argumento de que a construção feita pelos mesmos na Praia de Geribá, em Armação dos Búzios/RJ, avançou além da linha preamar média, invadindo área de praia e restinga, segundo a demarcação homologada pela GRPU em 23/07/2001, consoante o procedimento administrativo nº 10768.007612/199720 da SPU (fls. 38/74).
3. O processo administrativo nº 10768.007612/199720 é atacado em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da UNIÃO. Entretanto, verificasse que o julgamento final da ACP nº 2008.51.02.0016575 não afetará a questão debatida nesta demanda, eis que ao contrário do afirmado pelo apelante, a linha preamar média considerada nesta ação não é objeto de discussão naquela outra ACP, cuja controvérsia restringe-se a questões procedimentais.
4. O art. 225 da Constituição Federal institucionalizou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desta feita, a designação de determinadas áreas como de preservação permanente busca tutelar a saúde ambiental, sendo certo que tal fato justifica eventuais restrições ao direito de propriedade, bem como a imposição de deveres ao Poder Público e aos particulares.
5. A legislação ambiental elegeu biomas característicos, vistos como de suma importância para a higidez do meio ambiente, tutelando os de forma mais rígida, como é o caso das áreas de proteção permanente APPs.
6. A manutenção e recomposição das áreas de preservação permanente são consideradas obrigações propter rem, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, conforme entendimento jurisprudencial consolidado do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Federais. Assim, não importa a quem coube, na origem, o desrespeito à área de proteção ambiental, sendo certo que a obrigação de sua observância afeta o proprietário atual.
7. Nos termos do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, o poluidor será obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.
8. A partir do conjunto probatório carreado aos autos, nomeadamente do laudo pericial de fls. 487/505, verificasse que a construção de propriedade do réu avançou sobre restinga, considerada área de proteção permanente, nos termos do art. 3° da Resolução CONAMA 303/02.
9. Deve-se ter em conta que o dano ambiental apresenta múltiplas facetas. Além dos danos patrimoniais, há que se considerar os extrapatrimoniais. Em verdade, todos os efeitos provenientes da atividade lesiva devem ser objeto de reparação, razão pela qual não somente os aspectos materiais da degradação devem ser computados, mas sim, também, os aspectos imateriais, como, por exemplo, a piora na qualidade de vida da coletividade e a privação temporária do bem.
10. Nesse contexto, à recuperação do ambiente degradado deve se somar a compensação dos danos ambientais, cuja importância, para além da reparação dos danos extrapatrimoniais, é verificada em sua finalidade pedagógica e preventiva. A reparação almejada deve ser integral, deve compreender todos os aspectos do dano ambiental, entendimento este que melhor se alinha ao princípio do poluidor pagador, a partir do qual se tem que o responsável pela degradação deve internalizar todos os custos com a prevenção e a reparação dos danos ambientais.
11. No caso dos autos, entendesse que não merece reforma a sentença de primeiro grau, no que tange à demolição parcial da construção em área de avanço, conforme laudo pericial do juízo (fl. 494), bem como ao reflorestamento e recuperação da área degradada.
12. Entretanto, é necessária a redução do valor indenizatório arbitrado pelo magistrado de primeiro grau em R$50.000,00 (cinquenta mil reais) ao patamar de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Não obstante tenha ocorrido o avanço sobre área de restinga, o laudo pericial atestou que a construção do réu está "aquém da linha preamar média, em cerca de 8 metros", bem como que não há qualquer restrição de acesso ao público. Some-se a isso o fato de que a propriedade do réu é de caráter residencial, não constando na relação de atividades potencialmente poluidoras e de significativo impacto ambiental, nos termos da Resolução 237/97 do CONAMA.
13. Inegável que, em casos como o presente, a recomposição do dano ambiental se dará de modo mais significativo quando da demolição das construções, atrelada ao reflorestamento e recuperação da área degradada.
14. Remessa necessária desprovida. Recurso de apelação parcialmente provido.
(TRF/2, 5ª Turma Especializada, AC nº 0000660-28.2005.4.02.5108, relator Desembargador Federal Aluísio Mendes, publicado em 13/03/2015)
Saliente-se que inexiste qualquer obstáculo à pretensão de ver-se demolida a parte da construção que ocorreu em prolongamento da área dos lotes em direção à praia (o avanço), sobre vegetação nativa, e a restauração da área, uma vez que o meio ambiente equilibrado é elemento essencial à dignidade da pessoa humana e um direito indisponível. Assim, conforme precedentes do STJ, "em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado" (Nesse sentido: AC 0000655-06.2005.4.02.5108 – Rel. Juiz Federal Convocado Flávio Oliveira Lucas – 7ª Turma Especializada. Data: 27.05.2020).
Nesse contexto, em que pese os argumentos trazidos pela parte apelante, a sentença merece ser mantida, visto que deu adequada solução à lide.
Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa necessária e às apelações, nos termos da fundamentação supra.