Apelação/Remessa Necessária Nº 0000656-63.1992.4.02.5102/RJ
RELATOR: Desembargador Federal ANDRÉ FONTES
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: JOAO BATISTA DE MARINS (AUTOR)
ADVOGADO(A): CARLOS JORGE DARMA (OAB RJ034985)
APELADO: ARILDA GOMES COELHO (AUTOR)
ADVOGADO(A): CARLOS JORGE DARMA (OAB RJ034985)
APELADO: ALMIR SERRANO DE MARINS (AUTOR)
ADVOGADO(A): CARLOS JORGE DARMA (OAB RJ034985)
APELADO: JOSE SERRANO GOMES (AUTOR)
ADVOGADO(A): CARLOS JORGE DARMA (OAB RJ034985)
APELADO: MARIA IZABEL DE MARINS COELHO (AUTOR)
ADVOGADO(A): CARLOS JORGE DARMA (OAB RJ034985)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO de sentença em que o juízo de origem julgou procedente pedido de indenização por desapropriação indireta de imóvel da propriedade do demandante original, denominada Fazenda Todos os Santos, localizada a 5 km do centro do Município de Silva Jardim – RJ, na forma a seguir exposta (Evento 670 do processo originário):
“O presente processo, originalmente distribuído em 08/01/1992, versa requerimento de indenização por desapropriação indireta de área rural pelo extinto DNOS, alegadamente sem atenção aos ditames legais e sem pagamento da indenização respectiva. Sustentam os autores que a entidade foi extinta após a imissão na posse, sem que se tivesse finalizado o procedimento administrativo desapropriatório e, portanto, sem o pagamento de qualquer indenização correspondente. Aduzem, portanto, fazerem jus ao pagamento de perdas e danos e lucros cessantes.
A presente ação foi originariamente proposta por Aristides Serrano de Marins, falecido em 06/07/97, vindo seus herdeiros (e atuais autores) a se habilitarem nos autos em sucessão processual (homologação no Evento 360, OUT19, fl. 30).
A desapropriação indireta ocorre nas situações em que o Estado invade o bem privado sem respeitar os procedimentos administrativos e judiciais inerentes à desapropriação. Com efeito, configura verdadeiro esbulho ao direito de propriedade do particular perpetrado pelo ente público, de forma irregular e ilícita. Nesses casos, dada a destinação pública ao bem, o proprietário não pode mais reverter a situação, buscando o bem para si, restando pleitear o pagamento de justa indenização através da Ação de Indenização por Desapropriação Indireta, como a presente.
No presente caso, o imóvel objeto da ação - “Fazenda Todos os Santos” - foi desapropriado através do Decreto nº 88.128, de 01/03/83 (Evento 358, OUT17, fls. 6/7), sendo apresentados nos autos a certidão do RGI e a planta do referido imóvel (Evento 358, OUT17, fls. 8/14), sustentando-se eficazmente a propositura da ação e demonstrando-se suficientemente o interesse processual.
Foi realizada diligência de constatação na referida propriedade (Evento 455, OUT39), tendo-se constatado a existência de duas áreas (que juntas somavam 217.500 m2) indicadas como os trechos de terra sujeitos a alagamentos todas as vezes em que a barragem construída no Rio São João estava fechada, aumentando o nível da lagoa de Juturnaíba e, por consequência, o recuo da água para a área indicada, tornando-a improdutiva. Acrescenta a referida certidão de constatação que, na “área 1”, onde antes havia plantação de tangerinas, havia vasta área de pasto também condicionada às oscilações no volume de água da lagoa, havendo épocas em que ficava mais seca e outras em que ficava mais alagada, sendo improdutiva para plantação. Na “área 2”, onde antes era o pasto, não era possível exercer qualquer atividade produtiva por ficar completamente alagada quando a barragem era fechada.
Para se estabelecer eventual valor de indenização aos autores, fez-se necessária a realização de perícias nas modalidades engenharia e contábil. A perícia na modalidade de engenharia teve o fim de avaliação do valor pretendido a título de indenização pela alegada desapropriação indireta, enquanto, a de contabilidade, o fim de aferir a produtividade ou não da fazenda ao momento da alegada desapropriação indireta, bem como (se fosse o caso) valores correspondentes aos pretendidos lucros cessantes.
O laudo pericial na modalidade de engenharia, apresentado no Evento 568, foi conclusivo no sentido de que o valor total devido aos autores a título de indenização pela desapropriação (em levantamento realizado em janeiro de 2020) é de R$ 611.334,00 (seiscentos e onze mil e trezentos e trinta e quatro reais). Por sua vez, o laudo pericial na modalidade contábil, apresentado no Evento 619, com base nos documentos apresentados pelos autores, foi conclusivo no sentido de que, no período de 1985 a 1992, a Fazenda Todos os Santos deixou de lucrar a quantia de R$ 10.010.605,68 (dez milhões, dez mil seiscentos e cinco reais e sessenta e oito centavos). As conclusões dos peritos oficiais devem ser acatadas quando apresentadas em laudos bem elaborados e fundamentados (como ocorreu no presente caso), por serem eles imparciais e equidistantes dos interesses das partes.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o valor da indenização será contemporâneo à data da avaliação judicial, não sendo relevante a data em que ocorreu a imissão na posse, tampouco aquela em que se deu a vistoria do expropriante e o esbulho. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.322.894/GO, Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 21/11/2018. (STJ – Segunda Turma. RESP 1777813. Data da Publicação: 05/09/19. Relator Min. Herman Benjamin.)
Quanto à compensação dos valores devidos, os juros compensatórios, que se destinam apenas a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário (art. 15-A, §1º, Decreto-Lei 3.365/41), começam a incidir a partir do esbulho perpetrado pelo Estado e incidirá sobre o valor do bem, haja vista o não pagamento de qualquer indenização prévia. No pertinente à alíquota, os juros compensatórios, como regra, devem ser fixados em 12% (doze por cento) ao ano, a partir da imissão na posse, nos termos da Súmula 618/STF. No entanto, nos casos em que a imissão ocorreu após o advento da MP 1.577/1997, a alíquota aplicável é de 6% (seis por cento) ao ano até a publicação da liminar concedida na ADIN 2.332/DF (13.9.2001). A partir daí, os juros compensatórios são calculados em 12% (doze por cento) ao ano, nos termos da Súmula 618/STF. Da mesma forma, com o fim de recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, serão devidos juros moratórios, no percentual de 6% ao ano, a partir de janeiro do ano seguinte à data de pagamento do precatório expedido, conforme disposto no art. 15-B do Decreto-Lei 3.365/41.
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a cumulação de juros compensatórios com moratórios não implica anatocismo, sendo, portanto, possível no caso de desapropriações. Ademais, no atual quadro normativo, essa cumulatividade não mais ocorre, pois os juros compensatórios são computados apenas até a emissão do precatório, e os moratórios iniciam-se apenas no exercício seguinte àquele em que o precatório deveria ter sido pago, conforme decidido em recurso repetitivo REsp 1118103/SP, Rel. Ministro Teori Zavascki, 1ª Seção.
Sobre os honorários advocatícios, a MP 1.997-37, de 11.4.2000, alterou a redação do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 e passou a limitar os honorários em desapropriação entre 0,5% (meio ponto percentual) e 5% (cinco por cento). Esses percentuais aplicam-se às sentenças proferidas após a publicação da MP 1.997-37/2000. (TRF 3 – Segunda Turma. ApCiv 0050387-33.2000.4.03.6100. Data da publicação: 04/11/20. Relator Des. Fed. Otavio Peixoto Junior.)
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, na forma do art. 487, I, do CPC, para condenar a União Federal a pagar aos autores, a título de indenização pela desapropriação indireta realizada sobre o imóvel denominado “Fazenda Todos os Santos”, o valor de R$ 611.334,00 (seiscentos e onze mil e trezentos e trinta e quatro reais), pela desapropriação em si, bem como o valor de R$ 10.010.605,68 (dez milhões, dez mil seiscentos e cinco reais e sessenta e oito centavos), a título de lucros cessantes, totalizando o montante de R$ 10.621.939,38 (dez milhões, seiscentos e vinte e um mil, novecentos e trinta e nove reais e trinta e oito centavos). Sobre o referido valor deverão incidir juros compensatórios e moratórios, conforme fundamentação supra.
Custas ex lege.
Quanto ao valor dos honorários advocatícios, não obstante o previsto no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941, no presente caso, entendo ser aplicável a apreciação equitativa, acompanhando o entendimento do Eg. TRF da 2ª Região. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESCABIMENTO. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA ELEVADOS. POSSIBILIDADE. 1. Não há qualquer omissão ou contradição no decisum embargado uma vez que o recurso foi devidamente apreciado. 2. O artigo 85, § 8º, do CPC-2015 ("Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do §2º") pode ser aplicado conjuntamente com qualquer uma das hipóteses previstas nos demais parágrafos desse dispositivo legal, que disciplina a condenação em honorários advocatícios, ou mesmo isoladamente. Com efeito, o valor da causa, conquanto sirva inicialmente como norte na condenação em honorários, não é grandeza absoluta, a pautar a sua fixação indistintamente. 3. A presente demanda envolve matéria de baixa complexidade (questão da ilegitimidade da aferição indireta para fins de responsabilização tributária, nos termos do art. 31 da Lei 8212/91 – matéria sedimentada em recursos repetitivos), o que demandou reduzido esforço dos patronos (vale dizer que, no mérito, a União sequer apelou da sentença). 4. In casu, o percentual de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (R$ 10.441.585,42 – dez milhões, quatrocentos e quarenta e um mil, quinhentos e oitenta e cinco reais e quarenta e dois centavos, em abril/2015 – fls. 34), mesmo com a gradação por faixas prevista no § 5o, do art. 85 da nova Lei de Ritos - 8% (oito por cento) e 5% (cinco por cento) – revela-se excessivo. Assim, procedendo-se à análise sistemática dos §§ 2°, 3° e 8° do art. 85/CPC, atento, notadamente, aos requisitos da natureza, o tempo despendido pelo advogado para realização dos seus serviços (1 ano até a sentença) e o trabalho desenvolvido nos autos pelos causídicos (petição inicial – fls. 1/34 –, 1 petição – fls. 471/472 – e os presentes embargos de declaração – fls. 561/562), os honorários sucumbenciais devem ser reduzidos e fixados no valor de R$ 5.000,00. 5. Quanto ao pedido de fixação de honorários recursais, constante dos embargos de declaração da contribuinte, não há o que deferir, pois essa medida não engloba recursos que não inaugurem novo grau de jurisdição, a exemplo dos embargos de declaração e do agravo interno. Precedentes. 6. Embargos de Declaração da COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN improvidos e Embargos de Declaração da UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL providos. (TRF 2ª Região, Terceira Turma Especializada, ED 0034189-98.2015.4.02.5104, DJe de 11/06/2019, Relator Desembargador Federal Theophilo Antonio Miguel Filho)
PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VALOR ELEVADO – APRECIAÇÃO EQUITATIVA ESTENDIDA – APLICAÇÃO DO § 8º DO ARTIGO 85 DO NCPC – POSSIBILIDADE. - Tendo a r. sentença sido proferida na vigência do novo CPC, os honorários devem observar o disposto no art. 85 do NCPC, o qual deve ser interpretado em consonância com os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, a teor do art. 5º da Constituição Federal. - Embora o § 8º do art. 85 do NCPC possibilite a fixação dos honorários de maneira equitativa pelo juiz nas hipóteses em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo, deve ser estendida ao juiz esta faculdade também nos casos em que o proveito econômico for elevado, a fim de que o montante referente aos honorários não seja desproporcional à atuação do advogado. - Por se tratar de demanda que não envolveu grande complexidade, não se exigindo maior atuação por parte do patrono da parte vencedora, e considerando elevado o valor dos honorários advocatícios, caso fosse aplicado o § 3º do art. 85 do NCPC, correta a r. sentença que fixou a verba honorária de sucumbência, por apreciação equitativa estendida, nos termos do § 8º do art. 85 do NCPC. - Recurso não provido. (TRF 2ª Região, Sétima Turma Especializada, AC 0104665-39.2016.4.02.5101, DJE 30/10/2019, Relator Desembargador Federal Sergio Schwaitzer)
Tendo em vista que o valor da condenação é bastante elevado (R$ 10.621.939,38) e considerando que o trabalho realizado pelo patrono da parte vencedora e o tempo exigido para o seu serviço não foram demasiados, condeno a ré a pagar aos autores o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de verba honorária, na forma do art. 85, § 2º, inciso IV, do CPC e, por interpretação teleológica da própria norma, o §8º do mesmo artigo.
Sentença sujeita a reexame necessário.
Intimem-se.”.
Em suas razões de recurso, Evento 692, a União sustenta que: 1) “No laudo de engenharia, acostado no evento 568, chegou-se à conclusão de que o valor total devido é de R$ 611. 334,00, sendo R$ 359.715,00, referente ao valor da terra nua e R$ 251.619,00, pelos itens alegados, quais sejam, capineira, pasto braquiária, cocho, curral, arame de cerca, salineiros, mourões de braúna, pés de laranja, cerca (mão de obra). Ocorre que, no próprio Laudo, o Perito esclarece que não entrou no mérito da pré-existência ou não dos itens uma vez que presentes os aspectos do lapso temporal e das alterações daí decorrentes. Assim, conclui-se que o Laudo em questão foi elaborado, levando em consideração somente as informações fornecidas pela parte autora, não tendo ocorrido qualquer comprovação documental (em razão do lapso temporal) da existência efetiva dos itens em questão. Desta forma, como não há a comprovação da existência dos itens indicados para indenização, devem os mesmos ser excluídos do cômputo do valor devido pela União.”; 2) “Ademais, restou expresso no Laudo que “a área objeto não se encontrava inundada seja de forma permanente, seja de forma momentânea” (Resposta ao Quesito n° 01 da União). Ou seja, ao tempo da vistoria, o terreno encontrava-se inteiramente seco, servindo de pastagem para o gado. Mais adiante, o Perito afirmou que a totalidade do terreno foi temporiamente inundada em razão das obras de construção da Barragem de Juturnaíba, evento ocorrido no início da década de 1980 (Resposta ao Quesito nº 02 da União). Em vista disso, a União, na Petição do Evento 588, requereu fossem prestados os seguintes esclarecimentos: 1) Se, conforme apurado na vistoria realizada no local, toda a extensão de terra descrita na peça vestibular mantém as características e indícios de que se trata de área alagável e 2) Em caso negativo, que indique a extensão da área que mantém as características e indícios de que se trata de área alagável. Além do que, o Perito pontuou, de início, que “muitas das ditas evidências existentes à época, de certo, já desapareceram(...)”, a demonstrar que parte significativa das conclusões do Laudo Pericial repousam sobre meras – e inadmissíveis – conjecturas. Mais adiante, consignou que “a inundação que se trata nos autos, data de fato ocorrido há muito mais de 20 anos (....)”, deixando claro que há décadas a área permanece seca. Durante todo esse largo período, o local vem sendo utilizado como pasto. No mais, deixou consignado que “parcela da área objeto se situa às margens de um curso d’água (Rio D’Ouro) e no qual se observa evidências de que se trata de área alagável (...)”. Isto quer dizer que, conquanto toda a extensão do terreno em causa tenha sido temporariamente inundada por ocasião da construção da barragem (Resposta ao Quesito nº 02 da União), somente parcela dele contínua passível de alagamento nos dias de hoje (complemento à Resposta ao Quesito nº 02 da União), nada obstante o último alagamento tenha ocorrido no início da década de 1980. Desta forma, é forçoso concluir que a área de que trata o Decreto nº 88.128/1983 permanece produtiva desde a conclusão da Barragem de Juturnaíba, muito embora pequena parte, devido à topografia (proximidade a um curso d’água), esteja sujeito a alagamento.”; 3) “Da mesma forma, o Laudo Pericial Contábil, acostado no evento 619, através do qual foi apurado o valor devido a título de lucros cessantes não se baseou na efetiva comprovação da perda da renda, utilizando-se somente das informações, da própria parte autora, de colheitas feitas em anos anteriores. Destaque-se, que foi utilizado, para elaboração do Laudo, um dos maiores parâmetros, ou seja, a produção do ano de 1983, em que houve colheita nos 12 meses do ano e que supostamente melhor representaria a produção da parte autora. O Laudo em questão deixou de levar em consideração as reduções anuais de produção que ocorreram após o ano de 1983. Além do que, não foi feita nenhuma pesquisa de mercado nos arredores para saber como se comportou a produção de laranja naquele período. Assim, foi utilizado somente um mesmo parâmetro para calcular os lucros cessantes, no período de 1985 a 1992, deixando de ser, conforme já mencionado, parâmetros de redução anual da colheita, as condições climáticas entre tantas outras. Deveria, sim, ter sido considerada uma média da produção dos últimos 5 anos. Vale destacar, que a produção de laranjas nunca foi uniforme, o que se encontra devidamente comprovado pela própria tabela apresentada no Laudo Pericial Contábil. Logo, para fins de cálculo dos supostos lucros cessantes devia o Perito ter feito um levantamento das vendas ocorridas em fazendas próximas à área objeto da presente demanda e não simplesmente utilizar a mesma quantificação para o período dos cálculos, qual seja entre os anos de 1985 a 1992. Ressalte-se, ainda, que foi utilizado como parâmetro para o cálculo do valor devido o da caixa de laranja indicado pelos próprios autores, no ano de 2018, qual seja R$ 30,00, também sem qualquer pesquisa de mercado. Pelo exposto, devem ser desconsiderados os laudos periciais em questão e que serviram de base para a condenação da União ao pagamento do exorbitante valor de mais de R$ 10 milhões.”; 4) “O ônus de provar a existência de perda de renda recai sobre o proprietário, já que este é um fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC). Com isso, recai sobre o proprietário, autor da ação de desapropriação indireta ou desapropriado em ação promovida pelo poder público, o ônus de comprovar, de forma fundamentada, por meio de instrução probatória, a existência de perda de renda apta a ensejar o direito ao recebimento de juros compensatórios. Destarte, a restauração da validade do art. 15-A, §1º, pelo STF deixou bem caracterizada a natureza de lucros cessantes dos juros compensatórios, e, como tal, apenas se o expropriado demonstrar a perda de renda é que terá direito ao recebimento da aludida compensação financeira. A sua incidência deixa de ser uma operação automática, decorrente do mero reconhecimento da perda da posse, como ocorria anteriormente ao julgamento da ADI nº 2332/DF. Com o reconhecimento da constitucionalidade do art. 15-A, §1º, apenas se o expropriado comprovar que a desapropriação, direta ou indireta, lhe ocasionou efetiva perda de renda é que terá direito ao recebimento da aludida compensação financeira. Essa demonstração só é possível se o autor lograr demonstrar que seu imóvel era explorado anteriormente ao ato apontado como caracterizador do apossamento administrativo ou previamente à imissão de posse deferida em desapropriação. A previsão legal acima reproduzida é categórica ao assentar que os juros compensatórios não devem ser pagos quando o imóvel não possuía exploração alguma. A leitura desse dispositivo, conjugada com o §1º do art. 15-A, deixa claro que a exploração anterior do imóvel, que a comprovação da efetiva perda de renda, é fato constitutivo do direito do proprietário expropriado à percepção de juros compensatórios. A concessão indiscriminada de tais juros, sem que a sentença haja fundamentado a existência de perda de renda decorrente da intervenção do Estado na propriedade, viola a norma jurídica realçada. Se a parte interessada não se preocupou em fazer prova da perda de renda sofrida pela intervenção estatal porque a norma do art. 15-A, §1º, do Decreto-Lei n.º 3365/41 estava suspensa, este é um ônus que ela terá de suportar. Esta é a marca da precariedade. Insta destacar também que a perda de renda não pode ser simplesmente presumida como uma decorrência da desapropriação direta ou indireta, como costumava ocorrer antes da prolação do julgamento de mérito da ADI 2332. Esse entendimento implicaria o completo esvaziamento da previsão legal do art. 15-A, §1º, do Decreto-Lei n.º 3365/41. (...) Assim, conclui-se que os lucros cessantes e os juros compensatórios possuem o mesmo fundamento, qual seja, compensar a perda de renda do imóvel, não podendo, assim, ser aplicados cumulativamente, sob pena de enriquecimento ilícito da parte por receber em dobro parcelas da mesma natureza.”; 5) “O Supremo Tribunal Federal, em 17/05/2018, proferiu decisão de mérito na ADI nº 2332/DF, julgando improcedente a respectiva pretensão e, portanto, reconheceu a constitucionalidade do art. 15-A, do Decreto Lei nº 3.365/1941, com a redação que lhe fora dada pela Medida Provisória nº 2027-43/2000, fixando os juros compensatórios nas desapropriações no patamar de 6% ao ano. Como cediço, as decisões nas ações diretas de inconstitucionalidade têm efeitos ex tunc, ou seja, retroagem à data da edição do ato normativo então impugnado, que, no caso dos autos, é o dia 27 de setembro de 2000. Assim, a norma sempre foi constitucional, tal qual reconhecido pelo STF. (...) Percebe-se que o desencontro ou incompatibilidade decisória ocorreu com a decisão de mérito proferida pelo STF, na ADI citada, na sentença que determinou a aplicação de juros compensatórios de 12% ao ano, contrariando a decisão da Corte Suprema, que possui eficácia ex tunc e efeitos vinculantes. Assim, os juros compensatórios (quando devidos, evidentemente) de 6% ao ano sempre foram constitucionais e assim a norma que os estabeleceram (art. 15-A do Decreto Lei nº 3.365/1941, na redação da Medida Provisória nº 202743/2000). Os cálculos exequendos corretos deverão, pois, firmar-se com base nos juros anuais de 6%, como reconhecido pelo STF. Tendo sido julgada improcedente a pretensão da ADI, sem qualquer modulação de efeitos, o Pretório Excelso reconheceu que sempre foram constitucionais, portanto, válidos os juros de 6% ao ano, tal qual fixados na norma do art. 15-A do Decreto Lei nº 3.365/1941, com a redação que lhe fora dada pela Medida Provisória nº 2027-43/2000.”; 6) “Na sentença ora apelada foi, ainda, determinada a incidência dos juros compensatórios, sobre o valor do bem, a partir do esbulho perpetrado pelo Estado. Ocorre que, a decisão mencionada viola expressamente o disposto na Súmula 345 do STF, a qual dispõe que “NA CHAMADA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, OS JUROS COMPENSATÓRIOS SÃO DEVIDOS A PARTIR DA PERÍCIA, DESDE QUE TENHA ATRIBUÍDO VALOR ATUAL AO IMÓVEL.” Assim, como o Laudo Pericial de Engenharia apurou o valor do imóvel atualizado, os juros compensatórios devem incidir, se for o caso, somente a partir de 31 de janeiro de 2020. Entender o contrário viola expressamente o teor do inciso XXIV, do Art. 5º da Constituição Federal, que determina o poder/dever e direito da União de efetuar somente o pagamento da indenização no justo valor da propriedade desapropriada.”.
Nesses termos, requereu a improcedência do pedido e, subsidiariamente, seja declarada a nulidade da sentença, para que os autos retornem à vara de origem para a realização de novas perícias, bem como seja afastada a condenação ao pagamento de lucros cessantes, fixando-se a incidência dos juros compensatórios a partir do laudo pericial e no percentual de 6% (seis por cento) ao ano, com a condenação da parte adversa ao pagamento de honorários sucumbenciais.
Contrarrazões da parte autora pela manutenção da sentença apelada no Evento 705.
Em manifestação no Evento 5 dos autos deste Tribunal, o Ministério Público deixou de emitir parecer, por não ser caso de intervenção obrigatória.
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
I – O caso trata de pedido de indenização pela desapropriação indireta de imóvel denominado “Fazenda Todos os Santos”, cuja área total é de 1.205.174,00 m2, dos quais 217.500,00 m² foram declarados como de utilidade pública pela União por meio do Decreto nº 88.128-1983, para fins de construção da Barragem de Juturnaíba, em Silva Jardim – RJ, o que inviabilizou a continuidade da exploração agrícola e pecuária praticada pelo demandante original no local, após o Poder Público proceder à expropriação sem qualquer tipo de indenização, dado que, em meio ao procedimento de desapropriação, o DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento, entidade expropriante da época, foi extinto sem que se concluísse o procedimento.
II – Foi esclarecido, por meio de perícia de engenharia, que o terreno em questão está em região que faz parte da cota de transbordamento das águas da represa de Juturnaíba, sendo, dessa forma, sazonalmente alagada, o que é confirmado pelas características do solo (aluvião de tufa) e por estar às margens de um rio.
III – É incontroverso que o proprietário original da fazenda teve parte de seu imóvel desapropriado; que ocorreu a construção da barragem; que houve uma inundação de grandes proporções; e que esse terreno, posteriormente, mudou suas características de forma permanente, tornando-se inservível para os propósitos do autor na realização de sua atividade agrícola, especialmente porque é passível de alagamentos sazonais.
IV - É irrelevante o fato de, no dia da perícia, o terreno estar seco e de a grande inundação ter ocorrido há muitos anos; como também, que precisar exatamente qual parcela do terreno fica alagada de tempos em tempos, pois os autores não fazem mais uso do terreno outrora esbulhado.
IV – Para o caso concreto, não é razoável exigir que bens indicados como passíveis de indenização por constituírem benfeitorias, que foram perdidos em decorrência de uma grande inundação ocorrida há décadas, ainda no século passado, tenham algum registro de sua existência por ocasião da perícia realizada em 2019, fato que faz parte das vicissitudes de uma desapropriação.
V – Não obstante a perícia contábil ter eleito como parâmetro de cálculo para os lucros cessantes ano em que a produção do expropriado não atingiu nem seu nível máximo, tampouco o nível mínimo, tal montante não representou a média real de caixas dos produtos agrícolas produzidos ao longo dos últimos 5 (cinco) anos anteriores à inundação, razão pela qual há de ser realizada nova perícia.
VI – Em sede de desapropriação, os juros compensatórios possuem, em regra, a mesma finalidade dos lucros cessantes, não podendo, dessa maneira, incidir cumulativamente.
O caso trata de pedido de indenização pela desapropriação indireta de imóvel da propriedade de Aristides Serrano de Marins, ora sucedido pelos respectivos herdeiros, denominado “Fazenda Todos os Santos”, cuja área total é de 1.205.174,00 m2, dos quais 217.500,00 m² foram declarados como de utilidade pública pela União por meio do Decreto nº 88.128-1983, para fins de construção da Barragem de Juturnaíba, o que inviabilizou a continuidade da exploração agrícola e pecuária praticada pelo demandante original.
O DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento, entidade expropriante da época, emitiu-se na posse do imóvel, tendo sido instaurado procedimento administrativo no intuito de avaliar o imóvel e indenizar o expropriado pelas benfeitorias existentes no terreno desapropriado. Todavia, com a extinção da citada entidade (Decreto nº 99.240-1990), a desapropriação não se concluiu, de forma que os autores continuaram a arcar com as despesas e tributos totais da Fazenda, sendo que a área expropriada se tornou imprópria para o cultivo, em razão de ter sido inundada pelas águas da barragem, fato que levou à busca pela indenização ora reclamada.
Ressalte-se que, a partir de 1974, a bacia do Rio São João foi alvo do Programa Especial para o Norte Fluminense, vinculado ao antigo Ministério do Interior. Esse programa realizou várias obras por meio do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), como as de retificação, drenagem e a construção da represa de Juturnaíba, que teve sua obra iniciada em 1978 e cobriu completamente a área da antiga lagoa em 1984, com a área alagada passando de 8 km² para 43 km².
Atualmente, Juturnaíba é uma represa localizada entre os Municípios de Silva Jardim e Araruama, no local de confluência entre os rios São João, Capivari e Bacaxá. O empreendimento é um grande reservatório de água doce e o maior destinado ao fim de abastecimento humano no estado do Rio de Janeiro. Nela existem duas estações de tratamento de água cujas centrais de captação abastecem a maior parte da população da mesorregião das Baixadas Litorâneas, e, integralmente, a microrregião dos Lagos, abastecendo um total de 1,2 milhão de pessoas (Represa de Juturnaíba. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Represa_de_Juturna%C3%ADba Acesso em: 13.07.2023).
Nesses termos, verifica-se que parte do imóvel dos autores foi objeto de desapropriação indireta, a qual, segundo José dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo, 28ª Edição, São Paulo: Atlas, 2015, pgs. 904-905, “é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. Observe-se que, a despeito de qualificada como indireta, essa forma expropriatória é mais direta do que a que decorre da desapropriação regular. Nela, na verdade, o Estado age realmente manu militari e, portanto, muito mais diretamente.
Trata-se de situação que causa tamanho repúdio que, como regra, os estudiosos a têm considerado verdadeiro esbulho possessório. Com efeito, esse mecanismo, a despeito de ser reconhecido na doutrina e jurisprudência, e mais recentemente até por ato legislativo, não guarda qualquer relação com os termos em que a Constituição e a lei permitiram o processo de desapropriação. Primeiramente, porque a indenização não é prévia, como o exige a Lei Maior. Depois, porque o Poder Público não emite, como deveria, a necessária declaração indicativa de seu interesse. Limita-se a apropriar-se do bem e fato consumado! Exemplo comum de desapropriação indireta tem ocorrido com a apropriação de áreas privadas para a abertura de estradas. Com esse perfil, não é nenhuma surpresa que alguns autores a definam como esbulho possessório, ou o abusivo e irregular apossamento de bem particular para ingresso no patrimônio público.
Há, inclusive, quem a considere inconstitucional. Outros doutrinadores não defendem (ao menos expressamente) tais entendimentos. Em nosso entender, cuida-se realmente de um instituto odiável e verdadeiramente desrespeitoso para com os proprietários. Além disso, revela-se incompreensível e injustificável ante todo o sistema de prerrogativas conferidas ao Poder Público em geral. Em suma, o Estado não precisaria valer-se dessa modalidade expropriatória se tivesse um mínimo de planejamento em suas ações. Não obstante, a desapropriação indireta tem fundamento em lei – art. 35, do Decreto-lei nº 3.365/1941, como examinaremos adiante – e tem sido aceita desde sua instituição, sem que nunca se houvesse declarado sua inconstitucionalidade. Ao contrário, os Tribunais a reconhecem e têm, inclusive, editado súmulas com referência ao instituto.
Sendo assim, é temerário considerá-la forma de esbulho possessório, já que este se configura indiscutivelmente como ato ilegal. Entretanto, tal sistema deve ser repensado, só sendo admissível esse tipo de apossamento em situações excepcionalíssimas e de caráter irreversível, isto com o escopo de conciliar o interesse administrativo com a garantia constitucional do direito de propriedade.”.
Pode-se afirmar, pois, que, na desapropriação indireta, há uma premente necessidade que faz com que o Poder Público tome o bem do particular antes da ocorrência de um procedimento de desapropriação, cabendo, se for o caso, indenização somente após a tomada do bem ter sido implementada.
Dessarte, conforme se verifica nos autos, o Poder Público procedeu à expropriação de parte do imóvel dos autores para realizar o necessário alagamento para a construção da Barragem de Juturnaíba, sem qualquer tipo de indenização, dado que, em meio ao procedimento de desapropriação, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento foi extinto, ocorrendo, de fato, uma desapropriação indireta. Nesse sentido, cabível o ajuizamento da presente ação no intuito de ressarcir os prejuízos experimentados pelos demandantes.
Vale destacar que foram realizadas duas perícias no processo, uma de engenharia (Evento 568), para efeito de avaliação do terreno e cálculo das benfeitorias perdidas, e outra contábil (Evento 619), com o escopo de apurar os lucros cessantes. Nessas, os parâmetros de cálculo e apuração de valores foram exaustivamente demonstrados em suas metodologias e pesquisas de mercado. Houve, inclusive, acompanhamento de assistente técnico da parte autora, sendo uma opção da União não oferecer um assistente técnico próprio.
Do Alagamento da Área Expropriada
Com relação ao recurso em análise, o primeiro objeto de controvérsia diz respeito ao fato de, na data da perícia, a área objeto de expropriação não estar alagada.
No Evento 568, Laudo1, pág. 2, o perito esclareceu que “A área objeto fica situada a 5 km do Centro da cidade de Silva Jardim e seu acesso se dá por meio de uma estrada de chão batido. A demanda versa sobre Decreto Federal que visou obras na Barragem de Juturnaíba, cujas informações se encontram no Anexo 01. A referida barragem foi construída com a finalidade de sanar a questão de abastecimento de água para a região dos lagos e, assim, deixou de ser uma lagoa (12 km²) e passou a ser um reservatório (50 km²) que possui regulação humana. Vide fotografias em anexo. Com o fato, a área deixou de ser área de lavoura (própria ao plantio) para ser área de gado. Na oportunidade da Vistoria, observamos que parcela da área objeto se situa às margens de um curso d’água (Rio d’Ouro) e no qual se observa evidencias de que se trata de área alagável, pois, o problema ocorre em função da variação da cota 08 (limite do reservatória) para a cota 11 (cota de transbordamento), concorrendo ao alagamento da área objeto. O solo se caracteriza por se aluvião de tufa. A área alagável é aquela que se indica iluminada e indicada no extrato de planta que segue anexo. A planta completa será depositada em cartório.”. Portanto, foi esclarecido que o terreno em questão está em região que faz parte da cota de transbordamento das águas da represa de Juturnaíba, sendo, dessa forma, constantemente alagada, o que é confirmado pelas características do solo (aluvião de tufa) e por estar às margens de um rio.
Porém, a União se apegou ao fato de o perito de engenharia ter respondido ao seu quesito 1 que “No ato da Vistoria, a área objeto não se encontrava inundada seja de forma permanente, seja de forma momentânea. Todavia, a área mantinha as características e indícios de que se trata de área alagável sendo que esse alagamento se dá por força das variações decorrentes da barragem de Juturnaíba." (grifou-se). Assim requereu que respondesse se a terra descrita na exordial mantém, em sua totalidade, as características e indícios de que se trata de área alagável e, em caso negativo, que se indicasse qual seria a extensão da área que ainda mantém tais característica e indícios. Assim foi respondida a referida indagação (Evento 589):
Ainda assim, a União insistiu na tese simplista de que, como a área em questão não é mais permanentemente inundada, seria produtiva, ao menos como pasto para o gado, e que, dessa forma, não caberia qualquer tipo de indenização, por suposta ausência de prejuízo.
Ocorre que não se pode ignorar que é incontroverso que o proprietário original da fazenda teve parte de seu imóvel desapropriado; que ocorreu a construção da barragem; que houve uma inundação de grandes proporções; e que esse terreno, posteriormente, mudou suas características de forma permanente, tornando-se inservível para os propósitos do autor na realização de sua atividade agrícola, especialmente porque é passível de alagamentos sazonais. Nesse sentido, é irrelevante o fato de, no dia da perícia, o terreno estar seco e de a grande inundação ter ocorrido há muitos anos. Assim como, também, é irrelevante precisar exatamente qual parcela do terreno fica alagada de tempos em tempos, pois os autores não fazem mais uso do terreno outrora esbulhado.
Da Indenização pelas Benfeitorias
Outro ponto sobre o qual recai a irresignação da apelante diz respeito aos itens passíveis de indenização após o perdimento ocorrido com a inundação, notadamente a área de capineira (15.2568 m²), área de pastos braquiária (102.232 m²), cocho (15 m²), curral (250 m²), 3.890 m de cerca com 4 fios de arame, 2 salineiros, 2.420 mourões de baraúna e 3.000 pés de laranja. Segundo a União, não há provas no processo da efetiva existência desses itens, tendo as perícias se baseado exclusivamente nas informações prestadas pela parte autora.
Sob esse aspecto, deve-se ter como parâmetro de análise a reserva do possível, no sentido de que não é razoável exigir que bens que foram perdidos em decorrência de uma grande inundação ocorrida há décadas, ainda no século passado, tenham algum registro de sua existência por ocasião da perícia realizada em 2019. Ignorar a decorrência do tempo, as vicissitudes de uma desapropriação, que normalmente demora longos anos para se concretizar, e simplesmente não contabilizar os itens alegados configuraria, proporcionalmente, um prejuízo muito maior para o expropriado que para o expropriante, na hipótese esdrúxula de tais equipamentos e as plantações nunca terem existido.
Por outro lado, é notável que a própria União se omitiu, haja vista que poderia ter encaminhado assistente técnico próprio para acompanhar a perícia e, quem sabe, realizar indagações ou prestar uma contribuição mais concreta ao debate, que não apenas negar a existência das benfeitorias. Portanto, não merece acolhida o recurso nesse ponto, sendo correto o posicionamento pela existência das benfeitorias.
Dos Lucros Cessantes
No que diz respeito aos lucros cessantes, a União invoca a necessidade de o respectivo cálculo, realizado na perícia contábil do Evento 619, basear-se na média de produção dos últimos 5 (cinco) anos dos produtores da região. Antes de adentrar na questão, convém a transcrição dos seguintes trechos da referida perícia:
“2 — MÉTODO
Para início da perícia, examinou-se, do ponto de vista estritamente técnico, o conteúdo de diversas peças dos autos, notadamente a documentação disponibilizada, constatando-se, desse exame, que, para bem cumprir o encargo a si confiado, seria necessário examinar outros documentos além daqueles já disponibilizados nos autos.
Para verificação de todos os documentos disponibilizados, foi empregada a legislação pertinente aliada aos procedimentos de perícia contábil, a fim de analisar a abrangência dos acontecimentos e permitir a fundamentação da análise técnica, da conclusão e a obtenção da comprovação inequívoca por meio dos documentos apresentados.
[...]
4 — DOCUMENTOS E ASSISTENTES TÉCNICOS
De acordo com a petição do evento 482, OUT56, esta auxiliar do juízo requereu aos Autores a apresentação dos talonários de notas fiscais de vendas, declarações de imposto de renda e livros contábeis dos exercícios 1980, 1981,1982, 1983 e 1984, Livro de Termos e Registros de Ocorrências e Documentos Fiscais.
Contudo, os documentos apresentados resumem-se em 8 talonários de Notas Fiscais de Venda – nºs 2251 a 3100 – período não consecutivo de junho de 1980 a maio de1984.
4.1 ― ASSISTENTE TÉCNICO:
DO AUTOR: Sr. ANTÔNIO CARLOS VAIRO DOS SANTOS, engenheiro agrônomo, com registro profissional CREA nº5327/81, portador do CPF nº 312.073.247-87, Carteira de Identidade nº 2.895.911/IF, com endereço profissional à Rua Vereador Isaque Maia, 42, Reginópolis – Silva Jardim, Rio de Janeiro/RJ, CEP nº 28.820-000.
DO RÉU: NÃO APRESENTOU ASSISTENTE TÉCNICO.
5 — DA PROVA TÉCNICA
A perícia contábil foi requerida pelos Autores na petição do evento 468, OUT46 e deferida pelo MM. Magistrado no evento 478, OUT52 da presente ação.
5.1 – SOBRE A ANÁLISE PERICIAL
A análise aqui oferecida objetiva expor os fatos importantes observados no curso do exame pericial, com o intuito de munir o MM. Juízo com subsídios considerados relevantes.
Esclarecemos que, diante da ausência dos documentos contábeis específicos (livros contábeis/fiscais e DIPJ), a perícia ficou impossibilitada de constatar quando, de fato, a Fazenda Todos os Santos deixou de ser produtiva.
Para isso, foi efetuada a análise individual das notas fiscais, cuja apuração final não coadunou com os dados apresentados pelos Autores. Atribui-se à diferença a ausência de notas fiscais ou ilegibilidade dos valores.
Importa registrar que a Parte Autora, em suas considerações, exige apuração com base em uma produção, não comprovada, de 7.000 (sete mil) caixas mensais.
Para cálculo do custo de produção e do valor dos cítricos foram utilizados aqueles indicados por ela, ou seja, 42,85% (quarenta e dois vírgula oitenta e cinco por cento) e R$30,00 (trinta reais) o custo unitário da caixa de cítrico com 30 (trinta) quilos.
5.2 – AFERIÇÃO DA PRODUÇÃO
Os talonários de notas fiscais de saída (vendas) de cítricos, disponibilizados à perícia, relativamente ao período de jun-1980 a mai-1984, permitiram a quantificação da produção saída da Fazenda Todos os Santos, cujo resumo é apresentado abaixo.
Em termos anuais, aferiu-se que os Autores produziram/venderam as seguintes quantidades:
5.3 – ESCOLHA DO PERÍODO PARA APURAÇÃO DO LUCRO CESSANTE
O presente tópico visa demonstrar o período que melhor representa a produção dentre os períodos aferidos.
ANO 1980 – No ano de 1980 foram contabilizados somente 7 (sete) meses de produção (4.773 caixa/mês).
ANO 1981 – No ano de 1981 foi constatada produção durante os 12 (doze) meses, sendo o ano de maior produção (7.049 caixa/mês).
ANO 1982 – No ano de 1982 também foi constatada produção durante os 12 meses, mas foi o ano de menor produção (3.097 caixa/mês).
ANO 1983 – No ano de 1983 foi constatada produção durante 12 (doze) meses. Dos períodos em que houve produção em todos os meses, esse é o que melhor representa a produção da Parte Autora (6.083 caixa/mês).
ANO 1984 – No ano de 1984 foi constatada produção por somente 5 (cinco) meses de produção (1.815 caixa/mês).
Dessa forma, o período considerado ideal para apuração do lucro cessante é o de 1983, quando foram produzidas 6.083 caixa/mês, o que equivale a uma produção anual de 72.994 caixa de 30 quilos.
Importa observar que, na amostra oferecida, foram descartados os períodos (anos) em que não houve produção durante os 12 (doze) meses, e também os que tiveram a maior e a menor safra.
5.4 – APURAÇÃO DO LUCRO CESSANTE
Conforme demonstrado no item anterior, os anos de 1980 até 1984 foram utilizados como parâmetros na escolha do período (ano) que melhor representou a produção dos Autores.
É sabido que o lucro cessante a ser ressarcido deve partir do que razoavelmente a Parte Autora deixou de ganhar, com base nos seus rendimentos anteriores ao evento danoso e jamais em supostos ganhos posteriores ao evento. Dessa forma, a apuração do lucro cessante deve ser mensurada a partir do ano de 1985.
Nesse compasso, apresenta-se a seguir a apuração do lucro cessante calculado conforme relatado e com utilização do valor apresentado pela Parte Autora em fevereiro de 2018, ou seja, R$30,00 (trinta reais) o valor da caixa contendo 30kg de cítricos.
Lucro Cessante
Projeção de Vendas, Custos e Despesas
Conclui-se, portanto, que o lucro cessante devido à Parte Autora corresponde a R$10.010.605,68 (dez milhões e dez mil e seiscentos e cinco reais e sessenta e oito centavos).”
Pelo que se deflui da perícia, seus dados foram colhidos baseados em provas concretas apresentadas e que foi eleito um ano em que houve produção, em termos de números de caixas, ao longo de seus 12 meses (1983: 6.083 caixas) com média inferior ao ano em que a produção atingiu seu pico (1981: 7.049 caixas) e superior ao ano em que a produção foi mais baixa (1982: 3.097 caixas). Ocorre que o número eleito para a aferição da produção média da fazenda não representa sua média real, pois, para tal efeito, haveria de ser somado todos os valores da produção nos 5 (cinco) anos anteriores ao alagamento (1985) e dividido pelo número de meses em que houve produção comprovada no respectivo ano para se chegar a média real da propriedade expropriada. Assim como na tabela abaixo:
Ano | Meses de produção comprovada | Caixas produzidas |
1980 | 7 | 33.408 |
1981 | 12 | 84.592 |
1982 | 12 | 37.166 |
1983 | 12 | 72.994 |
1984 | 5 | 9.073 |
Totais | 48 | 237.233 |
Média Mensal | 4.942 | |
Média Anual | 59.304 |
Por sua vez, a pretensão da União no sentido de se aferir a média da produção das fazendas da região, no período de 1980 a 1984, além de inapropriada, por ignorar a produção do próprio expropriado, revela ser uma prova impossível de ser colhida, razão por que não merece acolhida.
Entretanto, igualmente não cabe a adoção do montante de 6.083 caixas/mês para efeito de parâmetro para a apuração dos lucros cessantes, haja vista que a média real é 4.942 caixas/mês, a qual, multiplicada por 12 (doze) meses, chega-se ao montante de 59.304 caixas/ano, o que enseja, já por esse motivo, a realização de nova perícia contábil para a apuração dos lucros cessantes.
Da Cumulação dos Lucros Cessantes com Juros Compensatórios
De uma maneira geral, as indenizações decorrentes de expropriações devem contemplar juros moratórios e compensatórios, atualização monetária e despesas judiciais para que o expropriado seja devidamente compensado pelo decurso de tempo entre a imissão na posse da área objeto de desapropriação e o recebimento da quantia devida pelo imóvel desapropriado.
Os juros compensatórios são devidos nos casos de imissão prévia na posse, por força do art.15-A do Decreto-Lei nº 3.365-1941 e tal como disposto nos Enunciados n° 164 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (“No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência”) e n° 113 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (“Os juros compensatórios, na desapropriação, incidem a partir da imissão na posse e são calculados, até a data do laudo, sobre o valor simples da indenização e, desde então, sobre referido valor corrigido monetariamente”). Frise-se, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n° 2.332-MC/DF, suspendeu de forma cautelar a eficácia de alguns dispositivos normativos contidos no art.15-A do Decreto-Lei nº 3.365-1941, para que as normas de desapropriação sejam entendidas à luz da Constituição Federal (“Verifica-se, portanto, por força da medida cautelar na Ação ADI n° 2.332- MC/DF, que a expressão “[...] incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano [...]”, contida no caput do art.15-A do Decreto-Lei nº 3.365/41, está com sua eficácia suspensa. Desse modo, os juros compensatórios deverão seguir a interpretação do Supremo Tribunal Federal, expressada na súmula 618 da Excelsa Corte: “[...] Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ano”).
A base de cálculo dos juros compensatórios, nos termos do art. 15-A do DL 3.365-1941, é a diferença entre 80% (oitenta por cento) do valor inicialmente depositada e a indenização judicialmente fixada, pois esse é o montante que não pode ser levantado imediatamente pelos particulares. Logo, incidem juros compensatórios também sobre a parcela cujo levantamento não foi autorizado judicialmente (20% do depósito, em regra) nos termos da jurisprudência do Egrégio STF (ADI-MC n. 2.332/DF).
Já os juros moratórios, aplicáveis à taxa de 6% (seis por cento) ao ano (art. 15-B, Decreto-lei 3.365-1941), segundo o teor da Verbete nº 70 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, somente incidem após o trânsito em julgado da sentença, caso decorrentes de condenação judicial que fixa indenização por ato expropriatório.
Ambos, juros moratórios e compensatórios, podem ser cumulados, de acordo com os Enunciados 12 e 102 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Já o Verbete 561 da Súmula Supremo Tribunal Federal indica que “Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez.”.
Entretanto, o Juízo de primeiro grau se valeu do entendimento pela cumulatividade entre os juros moratórios e compensatórios, sem atentar para o fato de, no caso concreto, haver montante a ser pago por lucros cessantes. Porém, em sede de desapropriação, os juros compensatórios possuem, em regra, a mesma finalidade dos lucros cessantes. Por constituir bis in idem, autorizar a cumulação desses elementos em razão da simples demora em pagar a indenização levaria a acréscimo indevido ao patrimônio do expropriado. É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CUMULAÇÃO DE LUCROS CESSANTES COM JUROS COMPENSATÓRIOS. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. BIS IN IDEM. AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA JUSTA INDENIZAÇÃO.
1. Não há óbices à cognição, nesta Corte, da cumulação de lucros cessantes com juros compensatórios, porque matéria exclusivamente de direito.
2. A expropriação justifica um direito de indenização, que deve ser determinado segundo o binômio da reparação integral: dano emergente e lucro cessante. (Rafael Bielsa. Ciência de la Administración. Buenos Aires: Depalma, 1955, pág. 220 e 221.) O que se perdeu é o dano emergente; o que se deixou de lucrar é o lucro cessante. (Rubens Limongi França. Manual Prático das Desapropriações. São Paulo: Saraiva, 1976, pág. 91).
3. Os lucros cessantes são aqueles de que o proprietário fica privado, e que se deveriam incorporar ao seu patrimônio, em face de fato ou ato independente de sua vontade. Correspondem, assim, a ganhos que eram certos ou próprios ao direito do expropriado, mas que foram obstados por ato alheio ou fato de outrem, no caso o ato administrativo expropriatório. Devem ser computados no preço, uma vez que não é justa a indenização que permita desfalque real na economia do expropriado. (Manoel de Oliveira Franco Sobrinho.
Desapropriação. Saraiva: São Paulo, 1973, pág. 186 e 187.) 4. Os juros compensatórios têm por finalidade a recomposição das perdas derivadas da utilização antecipada do bem, já que a indenização devida na desapropriação só será paga ao final da lide.
Assim, os lucros que seriam auferidos pelos proprietários, em caso de exploração da propriedade, serão indenizados pelo instituto dos juros compensatórios.
5. Esta corte, há muito, firmou a posição no sentido de que: "Os juros compensatórios destinam-se a ressarcir, no caso, pelo impedimento do uso e gozo econômico do imóvel, constituindo solução pretoriana para cobrir os lucros cessantes, como parcela indissociável da indenização, ressarcindo o impedimento de usufruição dos frutos derivados do bem, integrando, pois, a indenização reparando o que o proprietário deixou de lucrar, assim, descabe cumular os juros compensatórios com lucros cessantes." (REsp 39.842/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 11.5.1994, DJ 30.5.1994 p. 13.455.) 6. Por acarretar um bis in idem, ou seja, dois pagamentos sob um mesmo fundamento, deve-se afastar, no caso concreto, a condenação a título de lucros cessantes, sob pena de acrescimento indevido ao patrimônio do expropriado, em afronta direta ao princípio constitucional da justa indenização.
Agravo regimental improvido.” (STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1190684 / RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 10.2.2011)
Desse modo, de acordo com o acima exposto, a sentença merece ser reformada também nesse ponto, de forma a ser afastada a cumulatividade acima descrita, perdendo objeto a discussão acerca do valor correto dos juros compensatórios e da data de início de sua incidência.
Isso posto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação para determinar que seja realizada nova perícia contábil, utilizando-se como valor médio de produção para efeito de apuração de lucros cessantes a quantidade de 4.942 caixas ao mês, nos termos do voto, assim como afastar a incidência de juros compensatórios da condenação, mantida a sentença nos seus demais termos. Sem honorários recursais, em razão do parcial provimento da apelação, conforme entendimento fixado pelo Superior Tribunal Justiça (Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.573.573, Julgamento em 04.04.2017, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze).
Documento eletrônico assinado por ANDRÉ FONTES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001538778v3 e do código CRC da8f72aa.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANDRÉ FONTES
Data e Hora: 17/7/2023, às 20:54:40