Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0000641-94.2011.4.02.5113/RJ

RELATOR: Desembargador Federal PAULO LEITE

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ANTONIO DAMIAO DOS SANTOS

RELATÓRIO

 Trata-se de remessa necessária, tida por interposta, e de apelação cível da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, nos autos dos embargos à execução fiscal n° 0000181-20.2005.4.02.5113, em face da sentença que, no evento 24 da origem, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para reconhecer a ilegitimidade passiva de ANTÔNIO DAMIÃO DOS SANTOS para figurar no processo de execução fiscal 0000181-20.2005.4.02.5113. 

Sem condenação em custas (art. 7º da Lei 9.289/1996). 

Condeno a embargada a pagar honorários advocatícios ao embargante, no importe de R$10.000,00 (dez mil reais), conforme fundamentação supra. 

Sentença sujeita a reexame necessário, a teor do disposto no art. 496, inc. II, do CPC/2015. 

Providencie a Secretaria a juntada de cópia da referida sentença no processo nº 0000181-20.2005.4.02.5113. Publique-se. Intimem-se."

 

Em sua apelação (evento 38 da origem), a União alega a existência de irregularidades na propositura da execução fiscal, por não ter o embargante garantido o juízo. Apesar de ter se manifestado sobre esta ausência em sua impugnação, o juízo não apreciou tal pedido. Além disso, também defende ausência de provas suficientes para demonstrar a versão dos fatos narrados pelo embargante. Por estes motivos, pede pela reforma da sentença.

Intimação do embargante para contrarrazoar no evento 39, contudo, não houve manifestação deste no prazo, conforme evento 42 da origem.  

É o relatório. 

Peço dia para julgamento.

VOTO

1. Admissibilidade

Conheço da remessa necessária, tida por interposta, e do recurso da Embargada, porque presentes os requisitos de admissibilidade.

2. Objeto da apelação

A União, preliminarmente, requer a reforma da sentença para extinguir o processo, sem resolução de mérito, visto que, apesar de ter suscitado a ausência de garantia nos autos principais em sua impugnação, o juízo a quo não apreciou tal liminar. 

No mérito, a União defende ausência de provas suficientes para demonstrar a veracidade da versão narrada pelo embargante. Alega que "a tese levantada pelo Embargante, ora apelado, leva mesmo à conclusão de que seu nome foi utilizado indevidamente para abertura de contas bancárias; no entanto, não há nos autos elementos de prova suficientes e idôneos a demonstrar a veracidade dessa versão em relação ao contrato social da firma executada."

Defende que "a inclusão do nome do embargante como corresponsável pelo débito executado deu-se com base em informações constantes do contrato social da empresa devedora, devidamente registrado na JUCERJA." Dessa forma, necessário seria comprovação de que tal contrato foi fraudado, contudo, "o apelado sequer juntou aos autos cópia do contrato social, no qual se poderia efetuar até um exame pericial grafotécnico sobre a assinatura dele. Assim, é notório que o apelado não se desincumbiu do ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, I do CPC, vigente a época."

3. Resumo do caso:  

Cuida-se de Execução Fiscal ajuizada em 28/03/2005, distribuída sob o nº 0000181-20.2005.4.02.5113, em face de FLUMINENSE T R COMERCIO DE FERRO E AÇO LTDA - EPP, visando à cobrança de supostos créditos tributários de IRPJ, inscritos em dívida ativa sob o n° 70204015754-81.

No curso desta execução fiscal, a sociedade empresária não foi encontrada (fl. 5 do evento 89, OUT10), ocorrendo o redirecionamento da execução para seu sócio gerente (fls. 10 a 13, evento 90.11), ANTÔNIO DAMIÃO DOS SANTOS, que apresentou os presentes Embargos à Execução Fiscal. 

O Embargante, na inicial, alegou que é pessoa humilde, com pouco entendimento do que se passa em sua volta e que nunca assinou qualquer contrato. Defende que sua assinatura foi falsificada, juntando aos autos inicial e sentença do processo nº 0056.04.075925-2 ajuizado em face do Banco Bradesco, no qual se demonstrou a falsidade da assinatura feita no contrato com referido banco. Também informou a existência de processos criminais decorrentes da falta de pagamento do IR aqui cobrado (evento 1 dos EEF).

Em sua impugnação (evento 7.5), a  União questionou a ausência de oferecimento de garantia à execução, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito. No mérito, questionou a ausência de provas. 

O juízo a quo, em 09/12/2011, (evento 9, SENT16), determinou a suspensão do processo até prolação da sentença nas ações penais 0002308- 20.2003.4.02.5106, 000472-20.2005.4.02.5113 e 0000059- 07.2005.4.02.5113. 

Após juntada das sentenças criminais, o juízo a quo intimou as partes para manifestação (evento 17, DOC29). Manifestação da União juntada no evento 22.10 e ausência de manifestação do embargante. Em sequência foi proferida sentença, julgando procedente o pedido (evento 24, SENT17). 

No evento 30.12, a União apresentou Embargos de Declaração, alegando omissão do juízo por não ter se manifestado acerca da ausência da garantia da execução. Tal alegação não foi provida pelo juízo (evento 32.18), que afirmou: 

Ademais, foi acolhida preliminarmente a ilegitimidade passiva do executado, portanto, não cabe extinguir os presentes em embargos por falta de garantia do juízo, já que aquele nem deveria figurar como parte na presente execução.

 Portanto, exigir-se que o executado ofereça bens que sabidamente não os possui, a fim de se defender em juízo, seria sobremaneira penoso para a sua atuação no feito.

 

4. Da necessidade de intimação do embargante para garantir o juízo: 

O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que a garantia exigida pelo art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980 é requisito de admissibilidade e de desenvolvimento válido dos Embargos à Execução Fiscal. Seria inviável o recebimento de embargos à execução fiscal sem garantia do juízo. Ausente a garantia, não poderia o juízo a quo apreciar o pedido dos Embargos, devendo a inicial ser indeferida. 

Ocorre que, no caso concreto, tal entendimento deve ser expecionado, visto que o embargante defende não ter legitimidade para ser corresponsável pela dívida da sociedade empresária, por nunca ter assinado qualquer contrato. 

Há precedentes jurisprudenciais no sentido de que é "inviável exigir a garantia do juízo para a oposição de embargos à execução quando neles a parte pretende ver reconhecida sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da execução" (TRT-4 - AP: 00105210920155040271, Data de Julgamento: 23/09/2019, Seção Especializada em Execução). De fato, a ilegitimidade ad causam constitui "matéria de ordem pública sobre a qual o juiz deve conhecer, inclusive de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, nos termos do art. 485, inc. VI e § 3º, do CPC (TRT-11 00017656920105110019, Relator: Francisca Rita Alencar Albuquerque, 1ª Turma).

Ou seja: a "exigência de depósito ou qualquer tipo de garantia para o executado, que pauta a sua defesa na ilegitimidade passiva (matéria de ordem pública) no feito executivo, viola o contraditório e a ampla defesa", de modo que é "necessário o reconhecimento da situação excepcional e admitir-se a transposição da barreira materializada na garantia da execução para que se conheça dos embargos à execução fiscal, firmado na tese da ilegitimidade do sujeito passivo"  (TJ-PA - AC: 01011281320168140301 Belém, Relator: Celia Regina de Lima Pinheiro, 1ª Turma de  Direito Público, Data de Publicação: 03/05/2019).

No mesmo sentido é o entendimento da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região, a qual reconheceu que, em se tratando de embargos à execução fiscal, "a jurisprudência tem se manifestado no sentido de admitir, em hipóteses excepcionais, o seu recebimento mesmo sem o oferecimento de garantia, para que não se obstaculize o acesso ao Judiciário":

APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃOFISCAL. AUSÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. ACESSO AO JUDICIÁRIO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. 1. Apesar de determinado segmento considerar inaplicável à espécie o disposto no art. 914 do Código de Processo Civil vigente (art. 736 do CPC/1973, redação dada pela Lei nº 11.382/06)- no tocante à possibilidade de se processar os embargosindependentemente da garantia do juízo -, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de admitir, em hipóteses excepcionais, o seu recebimento mesmo sem o oferecimento de garantia, para que não se obstaculize o acesso ao Judiciário. 2. A hipótese de ilegitimidade passiva enquadra-se no conceito de "matéria de ordem pública" (condições da ação e pressupostos processuais), conhecível de ofício. 3. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a comprovação de que o sócio permaneceu na administração da empresa no momento do vencimento do tributo e, simultaneamente, da dissolução irregular. Precedentes do STJ. (TRF-4 - APELREEX: 36489220124049999 SC 0003648-92.2012.404.9999, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 07/12/2016, PRIMEIRA TURMA)

Está, portanto, configurada situação excepcional ensejadora do recebimento dos embargos à execução, mesmo sem provas de que a execução embargada está integralmente garantida.

5. Da fraude contratual: 

Os embargos à execução fiscal constituem natureza de ação de conhecimento cujo objetivo é impugnar a higidez do título que embasa a execução fiscal ou alegar eventual excesso de execução. 

Para provar suas alegações, faz-se necessário produzir as provas necessárias ao convencimento do julgador, o que foi realizado pelo embargante. 

O juízo a quo, valendo-se de prova emprestada dos autos criminais anexados a este processo, que absolveu o embargante, foi claro ao declarar o desconhecimento do embargante quanto à existência da sociedade empresária e sua intenção sobre ser sócio. O sócio de fato da sociedade empresária inclusive confessou que o embargante não sabia sobre nenhum contrato e muito menos sociedades. (evento 14, DOC7)

Vejamos. 

Sendo assim, acertou o juízo de 1º grau ao se pautar na sentença criminal para concluir pela ilegitimidade passiva do embargante no presente caso. 

6. Conclusão

Dessa forma, a sentença de 1º Grau não merece ser reformada, mantendo-se na sua integralidade. 

Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO à remessa necessária e à apelação da União/Fazenda Nacional. 



Documento eletrônico assinado por PAULO LEITE, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001289736v33 e do código CRC 95d69b98.

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Data e Hora: 3/3/2023, às 14:7:39

 


 

Processo n. 0000641-94.2011.4.02.5113
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 0000641-94.2011.4.02.5113/RJ

RELATOR: Desembargador Federal PAULO LEITE

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ANTONIO DAMIAO DOS SANTOS

EMENTA

TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE GARANTIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.  MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO ADMINISTRADOR/GERENTE. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. PROVA EMPRESTADA. 

1.  Trata-se de remessa necessária, tida por interposta, e de apelação cível da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, nos autos dos embargos à execução fiscal n° 0000181-20.2005.4.02.5113, em face da sentença que, no evento 24 da origem, julgou procedente o pedido. 

2.Em sua apelação (evento 38 da origem), a União alega a existência de irregularidades na propositura da execução fiscal, por não ter o embargante garantido o juízo. Apesar de ter se manifestado sobre esta ausência em sua impugnação, o juízo não apreciou tal pedido. Além disso, também defende ausência de provas suficientes para demonstrar a versão dos fatos narrados pelo embargante. 

3. No curso desta execução fiscal, a sociedade empresária não foi encontrada (fl. 5 do evento 89, OUT10), ocorrendo o redirecionamento da execução para seu sócio gerente (fls. 10 a 13, evento 90.11), ANTÔNIO DAMIÃO DOS SANTOS, que apresentou os presentes Embargos à Execução Fiscal.  O Embargante defende que sua assinatura foi falsificada.  

4. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que a garantia exigida pelo art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980 é requisito de admissibilidade e de desenvolvimento válido dos Embargos à Execução Fiscal. Seria inviável o recebimento de embargos à execução fiscal sem garantia do juízo. Ausente a garantia, não poderia o juízo a quo apreciar o pedido dos Embargos, devendo a inicial ser indeferida. Ocorre que, no caso concreto, tal entendimento deve ser expecionado, visto que o embargante defende não ter legitimidade para ser corresponsável pela dívida da sociedade empresária, por nunca ter assinado qualquer contrato. 

5. Há precedentes jurisprudenciais no sentido de que é "inviável exigir a garantia do juízo para a oposição de embargos à execução quando neles a parte pretende ver reconhecida sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da execução" (TRT-4 - AP: 00105210920155040271, Data de Julgamento: 23/09/2019, Seção Especializada em Execução). De fato, a ilegitimidade ad causam constitui "matéria de ordem pública sobre a qual o juiz deve conhecer, inclusive de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, nos termos do art. 485, inc. VI e § 3º, do CPC (TRT-11 00017656920105110019, Relator: Francisca Rita Alencar Albuquerque, 1ª Turma).

6. No mesmo sentido é o entendimento da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região, a qual reconheceu que, em se tratando de embargos à execução fiscal, "a jurisprudência tem se manifestado no sentido de admitir, em hipóteses excepcionais, o seu recebimento mesmo sem o oferecimento de garantia, para que não se obstaculize o acesso ao Judiciário" (TRF-4 - APELREEX: 36489220124049999 SC 0003648-92.2012.404.9999, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 07/12/2016, PRIMEIRA TURMA)

7. Os embargos à execução fiscal constituem natureza de ação de conhecimento cujo objetivo é impugnar a higidez do título que embasa a execução fiscal ou alegar eventual excesso de execução. Para provar suas alegações, faz-se necessário produzir as provas necessárias ao convencimento do julgador, o que foi feito pelo embargante.

8. O juízo a quo, valendo-se de prova emprestada dos autos criminais anexados a este processo, que absolveu o embargante, foi claro ao declarar o desconhecimento do embargante quanto à existência da sociedade empresária e sua intenção sobre ser sócio. O sócio de fato da sociedade empresária inclusive confessou que o embargante não sabia sobre nenhum contrato e muito menos sociedades. (evento 14, DOC7). 

9. Sendo assim, acertou o juízo de 1º grau ao se pautar na sentença criminal para concluir pela ilegitimidade passiva do embargante no presente caso. 

10. A sentença de 1º Grau não merece ser reformada, mantendo-se na sua integralidade. 

11. Remessa necessária e apelação conhecidas e desprovidas. 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à remessa necessária e à apelação da União/Fazenda Nacional, nos termos do voto do Relator, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2023.



Documento eletrônico assinado por PAULO LEITE, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001289737v6 e do código CRC 678aba45.

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Data e Hora: 3/3/2023, às 14:7:39