Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0000469-95.2010.4.02.5111/RJ

RELATOR: Desembargador Federal ANDRÉ FONTES

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (EXEQUENTE)

APELADO: DROGARIA BELO MAR DE PARATY LTDA (EXECUTADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação da sentença (Ev.81) proferida pelo MM. Juiz da 7ª Vara Federal de Execução fiscal do Rio de Janeiro que, em execução fiscal promovida pelo CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em desfavor de DROGARIA BELO MAR DE PARATY LTDA para “cobrança de débito consubstanciado na CDA nº 444.”, extinguiu o feito “por falta de interesse de agir, com base no art. 485, inciso VI, do CPC c/c art. 1º da Resolução 547/CNJ, de 22/02/2024. 

Entendeu o juízo a quo que, com base nas premissas fixadas no tema 1184 do STF, “o E. Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 547/CNJ, de 22/02/2024, na qual determinou que as execuções fiscais com valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do seu ajuizamento deveriam ser extintas, desde que não houvesse movimentação útil há mais de 1 (um) ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tivessem sido localizados bens penhoráveis.”. 

Em suas razões de apelação (Ev.84), o Conselho requer:

[...] seja conhecido o recurso de apelação interposto para que seja o mesmo julgado procedente pelas razões acima expendidas, considerando, inicialmente, o cumprimento dos artigos 2º e 3º da Resolução 547 CNJ.

Pugna, ainda, pelo o reconhecimento, de forma incidental, da inconstitucionalidade da Resolução 547 CNJ.

Caso assim não se entenda, pugna pela sua não aplicação ao exequente, considerando a previsão do artigo 8ª da Lei 12.514/2011 e os princípios da hierarquia das normas e da especialidade, bem como a violação aos artigos 20, 23 e 24 da LINDB e 14 do CPC/2015, prosseguindo-se o executivo fiscal nos seus devidos termos, considerando a existência de saldo devedor aberto até a presente data.

 

Para tanto, sustenta:

[...] A Resolução 547 CNJ ao tratar de tema relacionado à prescrição do crédito tributário (artigo 1º, §§ 3º e 4º Res 547) inaugura uma forma inteiramente nova de contagem do prazo prescricional, matéria esta RESERVADA A LEI COMPLEMENTAR, CONFORME DISPOSTO NO ARTIGO 146, III, B, CF/88

[...]

Além disso, a Resolução ainda inova ao prever uma nova causa de extinção das execuções fiscais, de já forma pré-estabelecida e obrigatória, matéria de cunho processual sendo tratada por meio de Resolução, em nítida violação ao artigo 22, I da CF/88 [...].

[...] Por outro lado, a Resolução 547 CNJ ultrapassa, e muito, a competência constitucionalmente atribuída ao Conselho Nacional de Justiça, nos termos do artigo 103-B, § 4º da CF/88, o qual não prevê nenhum tipo de atribuição legislativa ao mencionado órgão

[...] Aplicar o artigo 1º da Resolução 547 CNJ a este Conselho Profissional culminaria, na verdade, na violação ao artigo 8º da Lei 12.514/2011, considerando a sua redação expressa a respeito dos valores mínimos para as cobranças judiciais dos créditos devidos a tais entes.

Não há que se falar em ausência de interesse de agir quando a execução fiscal ajuizada tomou por base os critérios vigentes e presentes em legislação específica aplicável a este exequente. [...].

 

Em decisão no evento 2, o desembargador Luiz Antonio Soares, integrante da 4ª Turma Especializada desta Corte Regional, declinou da competência em favor de uma das Turmas Especializadas em matéria administrativa.

O Ministério Público manifesta-se pela não intervenção no feito (Ev.8).

É o relatório.

Sem revisão, nos termos regimentais.

VOTO

I- Às execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos de fiscalização profissional deve ser aplicada a Lei nº 12.514-11, não a Resolução CNJ nº 547-24, em razão do princípio da especialidade.

II- A aplicação da Resolução CNJ nº 547-24 às execuções ficais resultaria na inviabilidade da cobrança judicial das anuidades devidas aos conselhos, cujos valores somados, em sua maioria, são inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), e que dependem do atendimento de particular condição de procedibilidade criada por lei.

 

 

 Conforme relatado, trata-se de apelação da sentença que extinguiu o feito “por falta de interesse de agir, com base no art. 485, inciso VI, do CPC c/c art. 1º da Resolução 547/CNJ, de 22/02/2024.”.

A sentença deve ser anulada.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.355.208, de relatoria da Ministra Cármem Lúcia, fixou a seguinte tese, objeto do Tema 1184: 

1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.

2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 

3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.

 

Diante disso, e considerando, entre outros fatores, o impacto das execuções fiscais na morosidade do Poder Judiciário e o custo individual de cada ação, de R$ 9.277,00 (nove mil, duzentos e setenta e sete reais), segundo as Notas Técnicas nº 06-2023 e 08-2023, ambas do Núcleo de Processos Estruturais e Complexos da Corte Suprema, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 547, de 22 de fevereiro de 2024, nos seguintes termos:

Art. 1º É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.

§ 1º Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis.

§ 2º Para aferição do valor previsto no § 1º, em cada caso concreto, deverão ser somados os valores de execuções que estejam apensadas e propostas em face do mesmo executado.

§ 3º O disposto no § 1º não impede nova propositura da execução fiscal se forem encontrados bens do executado, desde que não consumada a prescrição.

§ 4º Na hipótese do § 3º, o prazo prescricional para nova propositura terá como termo inicial um ano após a data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no primeiro ajuizamento.

§ 5º A Fazenda Pública poderá requerer nos autos a não aplicação, por até 90 (noventa) dias, do § 1º deste artigo, caso demonstre que, dentro desse prazo, poderá localizar bens do devedor.

Art. 2º O ajuizamento de execução fiscal dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa.

§ 1º A tentativa de conciliação pode ser satisfeita, exemplificativamente, pela existência de lei geral de parcelamento ou oferecimento de algum tipo de vantagem na via administrativa, como redução ou extinção de juros ou multas, ou oportunidade concreta de transação na qual o executado, em tese, se enquadre.

§ 2º A notificação do executado para pagamento antes do ajuizamento da execução fiscal configura adoção de solução administrativa.

§ 3º Presume-se cumprido o disposto nos §§ 1º e 2º quando a providência estiver prevista em ato normativo do ente exequente.

Art. 3º O ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

Parágrafo único. Pode ser dispensada a exigência do protesto nas seguintes hipóteses, sem prejuízo de outras, conforme análise do juiz no caso concreto:

I – comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, I);

II – existência da averbação, inclusive por meio eletrônico, da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, II); ou

III – indicação, no ato de ajuizamento da execução fiscal, de bens ou direitos penhoráveis de titularidade do executado.

[...]

 

Todavia, em que pese ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, entendo que a referida resolução não se aplica às execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos de fiscalização profissional, uma vez que dispõem de lei própria, a Lei nº 12.514-11, resultado da conversão da Medida Provisória nº 536-11.

A citada Lei nº 12.514-11em seu art. 8º, criou condição de procedibilidade para o ajuizamento de execução fiscal pelos conselhos de fiscalização profissional ao estabelecer patamar mínimo para cobrança, nos seguintes termos: “Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.”.

Referido dispositivo foi alterado pela Lei nº 14.195-2021 e passou a ter a seguinte redação: “Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.”

Veja-se o que estabelecem o art. 6º, I, e seu parágrafo 1º:

Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de:

I - para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);

(...)

§ 1º Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo.

 

Em outras palavras, a execução fiscal só pode ser ajuizada quando o débito for igual ou superior a cinco vezes a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), que corresponde a R$ 2.500,00, devidamente corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC no período de outubro de 2011, mês em que entrou em vigor a Lei nº 12.514-11, até o mês anterior ao do ajuizamento da execução fiscal. Essa a vontade do legislador em relação aos conselhos de fiscalização profissional.

Por sua vez, o art. 8º, § 2º, da referida Lei nº 12.514-11, também com nova redação dada pela Lei nº 14.195-21, estabelece:

art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.

[...]

§ 2º Os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput deste artigo serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.

 

Ou seja, não atendida a condição de procedibilidade da execução fiscal, optou o legislador pelo arquivamento dos autos sem baixa na distribuição, não pela extinção do feito.

Assim, às execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos de fiscalização profissional deve ser aplicada a Lei nº 12.514-11, dada a sua especialidade, não a Resolução CNJ nº 547-2024, sob pena de se inviabilizar a cobrança judicial das anuidades, cujos valores somados, em sua maioria, são inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), e que dependem do atendimento de particular condição de procedibilidade criada por lei.

Dessa forma, a sentença deve ser anulada, a fim de que os autos retornem à origem para regular prosseguimento do feito nos termos da Lei nº 12.514-11. 

Por todo o exposto, é o voto no sentido de dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação supra.



Documento eletrônico assinado por ANDRÉ FONTES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002071990v2 e do código CRC 99ced0ba.

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Processo n. 0000469-95.2010.4.02.5111
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 0000469-95.2010.4.02.5111/RJ

RELATOR: Desembargador Federal ANDRÉ FONTES

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (EXEQUENTE)

APELADO: DROGARIA BELO MAR DE PARATY LTDA (EXECUTADO)

EMENTA

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ANUIDADES DE CONSELHOS PROFISSIONAIS. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO. INAPLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO CNJ Nº 547-2024. LEI Nº 12.514-2011. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.

I- Às execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos de fiscalização profissional deve ser aplicada a Lei nº 12.514-11, não a Resolução CNJ nº 547-24, em razão do princípio da especialidade.

II- A aplicação da Resolução CNJ nº 547-24 às execuções ficais resultaria na inviabilidade da cobrança judicial das anuidades devidas aos conselhos, cujos valores somados, em sua esmagadora maioria, são inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), e que dependem do atendimento de particular condição de procedibilidade criada pela lei.

III- Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2024.



Documento eletrônico assinado por ANDRÉ FONTES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002071991v3 e do código CRC 09a2459d.

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