Apelação/Remessa Necessária Nº 0000219-47.2014.4.02.5103/
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO
APELANTE: COOPERATIVA FLUMINENSE DO PRODS DE ACUC ALCOOL LTDA
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação, atribuída a minha relatoria por prevenção, interposta pela UNIÃO/FAZENDA NACIONAL e pela COOPERATIVA FLUMINENSE DOS PRODUTORES DE AÇÚCAR E ÁLCOOL – COPERFLU – e RICARDO GOMES DE MENDONÇA contra sentença proferida pelo MM juízo da 2ª Vara Federal de Campos/RJ, a qual, nos autos dos embargos à execução, julga procedente o pedido autoral para determinar a extinção da execução fiscal nº 2002.51.03.000533-0, tendo em vista a nulidade da CDA, por ausência de notificação dos devedores durante o processo administrativo, pela incerteza do crédito em relação à embargante e pela prescrição.
A referida prevenção é decorrente da correlação entre o presente recurso e o agravo de instrumento n.º 0013138-80.2016.4.02.0000 (baixado em 10.9.2020), interposto na demanda supracitada originária e julgado pela 5ª Turma Especializada em 27.9.2019, nos termos da seguinte ementa:
EXECUÇÃO FISCAL. EXCECÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. SÓCIO NÃO INCLUÍDO NA CDA ORIGINAL. AUSÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DE ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURIDICA EXECUTADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA. ÓBICE FORMAL AO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. CDA SUBSTITUTIVA NULA. PRECEDENTES DO STJ E TRF DA 2ª REGIÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela União contra decisão, proferida no executivo fiscal nº 000533-13.2002.4.02.5103, que reconheceu a nulidade da CDA substitutiva e determinou, por consequência, a exclusão do Espólio de Antônio Evaldo Inojosa de Andrade do feito e o levantamento das restrições existentes sobre os seus bens. 2. A certidão de dívida ativa original, que lastreou o executivo fiscal, dirigiu-se tão somente à Cooperativa Fluminense de Produtores de Açúcar e Álcool Ltda - COOPFLU, que foi regularmente citada e apresentou bens à penhora. 3. Após ter sido verificado que a referida Cooperativa possuía diversas dívidas e inúmeras penhoras sobre seus bens, a União requereu a substituição da certidão de dívida ativa, para incluir o Sr. Antônio Evaldo Inojosa de Andrade como corresponsável. 4. Para a oposição de exceção de pré-executividade, devem ser atendidos dois requisitos de forma simultânea, consoante entendimento fixado pelo e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.110.925, submetido ao rito dos recursos repetitivos: (i) a matéria invocada ser suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; (ii) a decisão poder ser tomada sem necessidade de dilação probatória. 5. Ademais, nesse mesmo Julgado (Resp 1.110.925), também se fixou que o sócio que consta como responsável na certidão de dívida ativa não pode arguir sua ilegitimidade passiva por meio de exceção de pré-executividade, porque, neste caso, deve comprovar a inexistência de responsabilidade, o que depende de dilação probatória e deixa de atender a um dos requisitos estabelecidos pela Corte Superior. 6. No caso em apreço, o falecido Sr. Antônio Evaldo Inojosa de Andrade não figurou na certidão de dívida ativa original como responsável ou corresponsável, motivo pelo qual se concluiu ser possível opor a exceção de pré-executividade para arguir sua ilegitimidade passiva. 7. Somente é possível o redirecionamento da execução fiscal de dívida não-tributária ao sócio da pessoa jurídica devedora não incluído na CDA original como responsável ou corresponsável, se comprovada a dissolução irregular dessa pessoa jurídica. Para tanto, é necessário constatar o encerramento das atividades sociais da pessoa jurídica, cuja forma mais usual é a certidão exarada pelo Oficial de Justiça. É o entendimento consolidado pela 1ª Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.371.128. 8. Nessa linha de raciocínio, se a pessoa jurídica foi, regularmente, citada na execução fiscal e só ela tiver figurado na certidão de dívida ativa que lastreou a demanda, é imprescindível que a Fazenda comprove a desativação posterior das atividades dessa empresa para se vislumbrar indício de irregular encerramento. Somente após essa prova, é que se pode promover o redirecionamento da execução aos sócios da pessoa jurídica executada, mediante substituição da certidão de dívida ativa. O ônus de demonstrar indícios mínimos de dissolução irregular pertence à exequente. 9. Neste feito, a União, ao apresentar a certidão de dívida ativa substitutiva, nada mencionou acerca de índicos de dissolução irregular da Cooperativa ou mesmo requereu qualquer diligência para verificar tal possibilidade, imprescindível quando o sócio/diretor-presidente não figura na CDA original. 10. A existência de sucessivas dívidas, consubstanciadas por inúmeras penhoras, por si só, não tem o condão de demonstrar a alegada dissolução irregular, ônus, repise-se, que incumbe à União. 11. “O mero inadimplemento ou a inexistência de bens para garantir a execução não são suficientes para estender a responsabilidade da empresa à pessoa do sócio”, devendo haver, ao menos indícios, da irregular dissolução (TRF da 3ª Região – 2ª Turma – AG 50010230720194030000 – julgado em 17.07.2019). 12. Em virtude da falta de qualquer prova, nos autos da execução fiscal em foco, que demonstre indícios da dissolução irregular da sociedade, deve ser mantida a decisão do Juízo de primeiro grau. 13. Por fim, o Espólio de Antônio Evaldo Inojosa de Andrade interpôs Agravo Interno no bojo deste recurso, no qual postula ser excluído do executivo fiscal, bem como deixar de ser conhecido o Agravo de Instrumento por não figurar como agravado. Ambos os temas já foram apreciados, razão pela qual reputo prejudicado o Agravo Interno. 14. Decisão mantida. 15. Agravo de Instrumento desprovido. Agravo Interno prejudicado.
A execução fiscal impugnada (evento 286/1º grau; fls. 7; Processo n.º 0000533-13.2002.4.02.5103) visa a cobrança do valor de R$ 232.973,86, consubstanciado na inscrição em dívida ativa n.º 70 6 02 000716-04, originária do processo administrativo (PA) n.º 17944.001071/99-86.
A sentença julgou procedente o pedido autoral, conforme fundamentos que transcrevo a seguir:
[...]
Dê-início, quanto à alegada conexão com as demais execuções oriundas do processo administrativo nº 17944001071/99-86, o relator no conflito de competência nº 000171796.2005.4.02.5103 assim se manifestou: “Embora todas as dívidas executadas nas EF's nº 2002.5110 e 2002.5213 que originaram os embargos envolvidos decorram do mesmo Processo Administrativo nº 17944001071/9986, este diz respeito a 59 contratos distintos, depois individualizados e ensejaram execuções fiscais diversas, por conta de empréstimos da COOPERFLU e das usinas a ela filiadas junto ao IAA, avalista/fiador, em décadas atrás, é insuficiente para caracterizar a conexão”. Nesses termos, não há conexão. Da ilegitimidade ativa A Pessoa Jurídica de Direito Público é a União que assumiu os direitos e obrigações do extinto IAA, conforme art. 23 Lei nº 8.029/1990, de modo que esta possui legitimidade ativa para sua cobrança. Do rito específico dos embargos à execução fiscal A Lei nº 6.830/1980 estabelece rito especial para os embargos à execução fiscal, o qual, em atenção ao devido processo legal, deve ser observado tanto pelas partes quanto pelo Juízo.
Assim, o artigo 16, da referida Lei, estabelece que o executado pode oferecer seus embargos no prazo de 30 (trinta) dias, contados da garantia do Juízo, por depósito, fiança bancária ou penhora. O § 2º do mesmo artigo determina que, “no prazo de embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou a critério do juiz, até o dobro desse limite”. Tal parágrafo expressa os princípios da concentração dos atos processuais, ao determinar que no prazo de embargos deve ser alegada toda matéria útil à defesa e ser formulado o requerimento de provas, bem como juntada a prova documental, além de arroladas eventuais testemunhas. Desse modo, nos embargos à execução toda a prova deve ser requerida de forma específica e fundamentada já na inicial, bem como nesse momento deve ser produzida a prova documental. Diante das presunções de certeza e liquidez do título executivo, presunções estas que cabe à embargante elidir, mediante prova inequívoca, suas alegações de eventual irregularidade do procedimento administrativo, capaz de macular a certidão de dívida ativa, devem vir acompanhadas das cópias do processo administrativo que comprovem suas alegações. E incumbe à própria embargante a juntada de tais peças, uma vez que, consoante o artigo 41, da Lei nº 6.830/1980, o processo administrativo fica à disposição das partes na repartição competente, sendo certo que somente cabe ao Juízo intervir quando comprovada a negativa de acesso ao mesmo. Demais disso, pouco adiantaria a juntada posterior, pois seria vedado à embargante inovar nos embargos, uma vez que a inicial deve conter “toda matéria útil à defesa”, o que atrai a aplicação de outro princípio processual, qual seja, o da preclusão, no caso, a preclusão consumativa, pois uma vez apresentada a inicial não cabe à embargante aditá-la para nela incluir outras alegações, sob pena de restar subvertido o devido processo legal. Nada obstante, no caso dos autos, a cópia do processo administrativo que fundamenta os executivos fiscais embargados encontrase arquivada na Secretaria, conforme noticiado à folha 131, e a ela tiveram acesso tanto a embargante quanto a embargada. E, além disso, diversas das alegações da embargante consistem na afirmação de inexistência de atos necessários no processo administrativo, como, por exemplo, ausência de notificação, o que por se tratar de provanegativa, não lhe é exigível, incumbindo à embargada comprovar a regular notificação. Assim, passo à análise do mérito. Este Juízo possui um entendimento firmado em relação ao processo administrativo nº 17944001071/99-86, cujas irregularidades passo a transcrever. Da ausência de notificação no processo administrativo A embargante sustenta a inobservância do devido processo legal, tendo em vista não ter sido cientificada previamente do processo administrativo. Com efeito, consta no Anexo I das Certidões de Dívida Ativa, à folha 04 dos executivos fiscais, que a notificação ocorreu em 27/08/1986, por meio de correio/AR. À folha 33, da cópia do Processo Administrativo nº 17944.001071/99-86 consta Demonstrativo de Débito para Inscrição em Dívida Ativa da União, em que está expressamente informado, no campo “notificação”: Carta SETOP/Recre s/nº, enviada em 27.08.86, pela Agência do Banco do Brasil S.A. em Campos dos Goytacazes (RJ). De fato, verifico que consta à folha 243 do citado processo administrativo notificação dirigida à COPERFLU e por esta recebida. Contudo, a referida notificação foi realizada anteriormente ao início da tramitação do processo administrativo no Ministério da Fazenda, quando o Banco do Brasil ainda era responsável pela administração e recebimento dos créditos do IAA. Assim, a embargante não foi notificada no curso do processo administrativo que formalmente transformou a dívida antes contratual e privada em execução de dívida pública. Assim, considerando que o processo administrativo foi instaurado, prosseguiu e findou sem que durante o seu curso tenha ocorrido a regular notificação da embargante, é imperativo o reconhecimento da nulidade da inscrição em dívida ativa dele decorrente, e por consequência, a nulidade da própria execução fiscal. Observo que o reconhecimento da presente nulidade alcança não só a embargante, mas todos os devedores arrolados no título executivo, pois não consta do processo administrativo a notificação regular de qualquer deles, após a União passar a ser responsável pela administração e recebimento dos créditos do IAA. Vale referir, ainda, que não pode a União sustentar a regularidade de uma cobrança fiscal no fato de que, no surgimento da dívida, inicialmente de natureza contratual, o devedor tinha conhecimento dela, pois ao transmudar a natureza jurídica do débito, de contrato privado para dívida pública, foi necessária a realização de um processo administrativo, a fim de apurar os devedores, e sem a regular notificação destes nada disso tem validade jurídica, por ferir os mais básicos princípios do Estado Democrático de Direito. Da incerteza do crédito As alegações da União, acerca da regularidade da constituição do crédito, são vazias de fundamento, pois contrárias a tudo que consta do processo administrativo, o que torna o crédito incerto e, por isso, inexigível, ao menos da embargante. É que não há qualquer prova de que a embargante se beneficiou dos créditos ora objeto de execução ou que assumiu por eles alguma responsabilidade. Os documentos de folhas 370-373 do processo administrativo em questão não aproveitam à União, pois se trata de reconhecimento de dívida contratual privada, e são datados de 1984, ou seja, anos antes do processo administrativo que transmudou os créditos contratuais do Banco do Brasil, supostamente pagos pelo IAA, em créditos da União, e não são suficientes para comprovar que os valores ali informados são os mesmos objeto da execução, pois não está sendo executado o contrato neles referido, mas sim Certidão de Dívida Ativa inscrita com base em processo administrativo já reconhecido acima como irregular, por não ter sido o devedor dele notificado. Além de não haver qualquer prova da notificação da executada, não há também qualquer prova de que o IAA realizou o pagamento ao Banco do Brasil dos créditos que agora pretende a União sejam ressarcidos na condição de sucessora do IAA, nem tampouco que a embargante assumiu responsabilidade ou recebeu qualquer valor a título dos referidos créditos. Portanto, não há qualquer prova de que o crédito é devido e, menos ainda, que é devido pela executada.
O processo administrativo, com a devida vênia, é uma verdadeira aberração jurídica (se é que se pode chamar aquele amontoado de mais de três mil páginas de processo administrativo). Veja-se, nesse sentido, os documentos constantes às folhas 28- 33 do processo administrativo referido (Nota nº 1714 STN/COAFI/DIESP), no qual o Secretário do Tesouro Nacional expressamente reconhece a deficiência documental do processo administrativo, conforme trechos que transcrevo abaixo: 11. A documentação constante do processo e relacionada à dívida aqui tratada é insuficiente para caracterizar a responsabilização individualizada das obrigações. Não constam do processo, por exemplo, os documentos que comprovam os repasses feitos pela COPERFLU às suas cooperadas. Os contratos firmados pela COPERFLU com os bancos não preveem, tampouco, percentuais ou valores para repasses. As informações disponíveis sobre o débito da COPERFLU e de cada uma das cooperadas foram passadas pelo IAA ao BB por ocasião da transferência do serviço de condução da dívida (Ofício DF/GD-167/86 – nº 131, de 05.06.86 – fls. 150/183) sem, no entanto, qualquer documento comprobatório dos valores repassados às usinas. (grifei) Como pretender responsabilizar uma empresa por uma dívida milionária que a própria autoridade encarregada da cobrança expressamente reconhece não haver prova que possibilite a comprovação do valor repassado a essa empresa ou, no mínimo, de que ao menos houve algum repasse? Não há qualquer respaldo jurídico para tanto, pois a pretensão fere os mais básicos princípios constitucionais, dentre eles, o do contraditório e da ampla defesa (como defender-se de uma cobrança da qual não se tem qualquer documento que comprove a responsabilidade?). Observo que os documentos mencionados no item 13 do mesmo ofício acima referido não atribuem responsabilidade indefinida às usinas, como quer a União, pois se tratavam de fianças com prazo determinado a créditos representados por notas promissórias, devendo a responsabilidade ser regulada pelas normas próprias dos títulos de crédito. Deve ser atentado que quando as usinas firmaram tais fianças o fizeram em favor da COPERFLU e numa relação jurídica contratual representada por título de crédito, cuja cobrança deveria ser realizada dentro do prazo prescricional de três anos (por isso antes de findar tal prazo ocorria o reconhecimento expresso do crédito, para interrupção da prescrição, o que, no entanto, somente ocorreu até 1984, conforme se constata do processo administrativo). Ao contrário do que alega a União em processos similares, as Notas Promissórias eram os documentos que representavam os créditos, não estando atreladas a qualquer negócio jurídico subjacente, pois nada a esse respeito consta no processo administrativo, que se baseia exclusivamente nas notas promissórias. As usinas, dentre elas a embargante, jamais assumiram responsabilidade por qualquer crédito em favor da União. Se a União recebeu por sucessão um crédito contratual, este crédito deve permanecer com tal natureza, não podendo transmudar sua natureza jurídica apenas por ter mudado o credor. Não há respaldo legal para essa pretensão. Veja-se a respeito: [...] a sucessão pela União da Rede Ferroviária Federal S.A. nos direitos, obrigações e ações judiciais das quais essa fez parte desde 31 de maio de 2007 não teve o condão de alterar a natureza jurídica do contrato firmado entre a RFFSA e a MRS Logística S/A e tampouco dos débitos e créditos dele decorrente, que permaneceram regidos pelo regime jurídico de direito privado, sobretudo porque não se falou e muito menos se comprovou ânimo de novar. (REsp 1254786/RJ, RECURSO ESPECIAL 2011/0113511-6, Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114), Relator(a) p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141), Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 18/04/2013, Data da Publicação/Fonte DJe 03/06/2013) Portanto, sequer poderia a União valer-se de inscrição em dívida ativa dos créditos contratuais já prescritos, a fim de transmudar sua natureza, como se verá abaixo. Da prescrição Não obstante o reconhecimento acima da nulidade da execução, pela ausência de notificação dos devedores no processo administrativo e pela incerteza do crédito, entendo cabível a análise também da questão da prescrição, alegada nos embargos. A União sustenta, no meu ver sem qualquer razão, a inocorrência da prescrição, por entender que se aplica à hipótese o prazo vintenário previsto no revogado Código Civil de 1916. É que, embora o artigo 177, do revogado Código (de 1916) previsse que as ações pessoais prescreviam, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, tal prazo não era aplicável à obrigação representada pelas notas promissórias que deram origem ao débito executado, cujo prazo era regulado pela Lei Uniforme de Genebra, que assim previa: “Artigo 70 – Todas as ações contra ao aceitante relativas as letras prescrevem em três anos a contar de seu vencimento”. “Artigo 77 – São aplicáveis às notas promissórias, na parte em que não sejam contrárias a natureza deste título, as disposições relativas as letras e concernentes: [...] Prescrição (artigos 70 e 71)” Por se tratar a Lei Uniforme de Genebra de norma especial em relação ao Código Civil de 1916, e posterior a ele, aplica-se o que naquela previsto, afastando-se a previsão geral do Código Civil então vigente, tudo nos termos da então denominada Lei de Introdução ao Código Civil – LICC (atual Lei de introdução às Normas do Direito Brasileiro), em seu artigo 2º, § 2º, aplicando-se à nova norma em decorrência do princípio da especialidade. Como o processo administrativo para inscrição em dívida ativa teve início somente em 10/11/1999 (fl. 29 da cópia do processo administrativo), ou seja, depois de decorridos mais de 20 (vinte) anos do vencimento da dívida (março de 1979, conforme informado na Nota nº 1714 STN/COAFI/DIESP, à folha 30 da cópia do processo administrativo), e ainda assim, sem que tenha em momento algum ocorrido a regular notificação dos devedores (veja-se, nesse sentido, a indicação, na própria CDA, de que a única notificação se deu em 1986, data anterior à instauração do processo administrativo no Ministério da Fazenda), imperativo o reconhecimento da prescrição. Saliento, que não há no processo administrativo qualquer negócio jurídico subjacente às notas promissórias a fim de que se possa alegar que as mesmas não possuem as características da cartularidade e da autonomia, pois o próprio processo administrativo se baseou apenas em tais documentos (notas promissórias). Também não cabe alegar que durante o curso do processo administrativo não correu a prescrição, uma vez que, para tanto: a) o processo administrativo deveria ter iniciado ainda dentro do prazo prescricional, e não após a consumação deste, como ocorreu; b) deveria ter ocorrido a regular notificação dos devedores da existência do processo administrativo, o que não ocorreu em momento algum; c) não bastassem as duas circunstâncias acima, não há previsão legal para que durante a demora da Administração em constituir o crédito não corra, contra ela, a prescrição. Ainda que, eventualmente, se conclua pela inaplicabilidade das regras da LUG em relação à prescrição, pela transmudação da natureza jurídica dos débitos (contratuais e privados) a partir de sua inscrição em dívida ativa, tampouco seria aplicável o prazo vintenário, pois se tratando de créditos públicos de natureza não tributária, o prazo aplicável seria o quinquenal, previsto no Decreto nº 20.932/1932, consoante entendimento pacificado do STJ: [...] 2. O prazo prescricional para a cobrança de dívida ativa não tributária é quinquenal. Aplicação, por isonomia, do art. 1º do Decreto 20.910/32. Precedentes: AgRg no AREsp 169.252/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 155.680/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 15/06/2012; REsp 1.312.506/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 03/05/2012; REsp 1197850/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10/09/2010; AgRg no Ag 968.631/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 19/02/2009, DJe 04/03/2009. (REsp 1273010/RS RECURSO ESPECIAL 2011/0199620-8 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 11/09/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 17/09/2012) No tocante ao Decreto referido, assevero que regula a prescrição a favor da Fazenda Pública, ou seja, quando o administrado tem, contra ela, um crédito, e não o contrário. Daí a previsão do seu artigo 4º, de que durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la não corre a prescrição. É que se não fosse tal entendimento bastaria a Administração demorar para analisar um caso e depois arguir a prescrição para não pagar o débito. Aplicar, todavia, tal entendimento para que a Fazenda Pública possa, sem prazo definido, fazer não correr a prescrição que lhe é desfavorável, ou seja, de seu crédito, diante da sua própria demora é ir contra o próprio instituto da prescrição, que visa punir o credor que não atenda à cobrança de seu crédito no prazo legal, eternizando as demandas. Diante de todo o exposto, merecem acolhimento os presentes embargos à execução fiscal, para determinar a extinção da execução, em vista da sua nulidade, por ausência de notificação dos devedores durante o processo administrativo, pela incerteza do crédito em relação à embargante e pela prescrição do crédito executado, prescrição essa consumada antes mesmo da instauração do processo administrativo que constituiu os créditos. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os presentes embargos, resolvendo seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para determinar a extinção da execução fiscal nº 2002.51.03.000533-0, em vista da nulidade da CDA, por ausência de notificação dos devedores durante o processo administrativo, pela incerteza do crédito em relação à embargante e pela prescrição, essa consumada antes mesmo da instauração do processo administrativo que constituiu os créditos. Considerando o valor atualizado do débito (fl. 168 dos autos principais), em 2013, de R$ 1.306.612,76, e o valor do salário mínimo hoje vigente (R$880,00), condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da embargante, que fixo em R$ 133.368,78 (cento e trinta e três mil trezentos e sessenta e oito reais e setenta e oito centavos), considerando os percentuais mínimos previstos no art. 85,§3º, incisos I e II, c/c §5º do NCPC, atualizados pelo IPCA-E até a data do efetivo pagamento.
[...]
Decisão que rejeita os embargos de declaração opostos pela embargante (evento 50/1º grau), nos seguintes termos:
A COOPERATIVA FLUMINENSE DOS PRODUTORES DE AÇÚCAR E ÁLCOOL – COPERFLU opôs embargos de declaração da sentença proferida às folhas 249/259, alegando a existência de omissão/obscuridade e contradição no julgado ao tratar da verba honorária de sucumbência (fls. 2601/2603). Manifestação da União nas fls. 2607/2608. É o breve relatório. Decido. Não há qualquer contradição ou erro na fixação dos honorários. O art. 85 §4º, IV, do CPC, determina a aplicação do salário mínimo vigente quando da prolação da sentença, o que foi feito, e o valor do débito utilizado foi o da atualização informada nos autos principais. No mais, se a embargante entende existir incorreções nos critérios utilizados, deve utilizar o recurso cabível. Assim, não verifico nenhuma das hipóteses que possam ensejar a oposição de embargos declaratórios, na forma prevista no artigo 1.022 do novo Código de Processo Civil. Pelo exposto, REJEITO os presentes embargos de declaração.
Em suas razões recursais (evento 37/1º grau) a União/Fazenda Nacional pugnou pela reforma da sentença, sustentando, em breve síntese: (i) o caso em tela envolve devedores reincidentes, confessos de dívida bilionária, que jamais manifestaram interesse real na quitação da dívida existente, apesar das inúmeras oportunidades que lhes foram concedidas; (ii) inocorrência da prescrição, uma vez que incide na espécie a regra de prescrição vintenária; (iii) o prazo prescricional foi interrompido por diversas vezes em 1984; (iv) houve confissão de dívida, outrossim, nos autos da ação ordinária de nº 0704451-63.1900.4.02.5101, autuada em 11.3.85, na qual a apelada e usinas cooperadas confessaram a existência dos empréstimos que deram origem ao crédito exequendo; (v) a regularidade da constituição do crédito em execução; (vi) a dívida não tributária cobrada pela apelante foi confessada expressamente pela apelada, através da assinatura, juntamente com as usinas cooperadas, de cartas-compromisso, bem como das declarações firmadas na exordial da ação ordinária de nº 0704451-63.1900.4.02.5101; (vii) a inscrição em Dívida Ativa de débitos confessados é mero ato formal de controle interno acerca da legalidade da dívida; (viii) houve notificação da COPERFLU, por meio de carta enviada pelo Banco do Brasil em 27.8.86; (ix) a embargante foi notificada por diversas vezes em relação à existência e ao inadimplemento do débito exequendo; (x) a inaplicabilidade do art. 85 do CPC/15 ao caso em exame; (xi) a condenação na verba honorária não atende aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
Em suas razões recursais (evento /1º grau) a Cooperativa Fluminense Dos Produtores De Açúcar E Álcool – COPERFLU e Ricardo Gomes De Mendonça pugnaram pela reforma da sentença no que tange à atualização do valor do débito até a data da sentença, bem como a utilização do salário mínimo de então, para fins de apuração da verba honorária de sucumbência, tudo na forma dos §§ 2º e 3º, do art. 85, do CPC/15.
Contrarrazões apresentadas pela Cooperativa Fluminense Dos Produtores De Açúcar E Álcool – COPERFLU e Ricardo Gomes (evento 61/1º grau), em que pugna pelo não provimento do recurso da parte adversa.
Decisão da 4ª Turma Especializada em que reconhece a incompetência para processar e julgar o feito (evento 11).
Manifestação do MPF em que pugna pela não intervenção no feito (evento 25).
É o relatório. Peço dia para julgamento.