Agravo de Instrumento Nº 0000215-46.2021.4.02.0000/RJ
RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA
AGRAVANTE: GABARIT CONSTRUCOES E PROJETOS LTDA
ADVOGADO: LEONARDO FISCHER PECANHA (OAB RJ102072)
AGRAVADO: FIOCRUZ - FUNDACAO OSWALDO CRUZ
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, com requerimento de atribuição de efeito suspensivo, interposto por Gabarit Construções e Projetos Ltda-Epp em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que, verificando que na decisão que deferiu o pedido de gratuidade de justiça “fixou-se expressamente que o pedido em sede incidental de execução não suspenderia o trâmite desta execução”, indeferiu o pedido de suspensão da exigibilidade do crédito devido a título de sucumbência, pelo período de 5 (cinco) anos, formulado pelo executado (Evento 210 do processo originário, com grifos no original).
Insurgiu-se a Agravante, alegando, em síntese, que “a gratuidade de justiça em favor da Agravante foi deferida em fls. 682/683 por meio de decisão do Juízo originário, bem como o próprio pedido de justiça gratuita obteve concordância expressa da parte Agravada e, portanto, encontra-se vigente até a presente data”, e prosseguiu afirmando que “demonstrou que se encontrava inativa e sequer faturava nos últimos exercícios financeiros, pelo que se justificava o seu enquadramento na classificação de insuficiência de recursos e, consequentemente, o reconhecimento e concessão do benefício”, ressaltando que a Agravada, quando instada a se manifestar “peticionou nos autos originários concordando expressamente pela concessão da Justiça Gratuita à empresa ora Agravante, eis que restavam comprovadas as premissas necessárias ao seu reconhecimento”, de modo que “em decisão prolatada pelo r. magistrado a quo, em 20/02/2020 (fls. 682/683), lastreada na concordância expressa da parte exequente/agravada, deferiu-se o pedido de gratuidade de justiça requerido pela ora Agravante” (Evento 1, original grifado).
Aduziu que “inobstante tal decisão concessória, a Exequente/Agravada continua a executar o crédito oriundo dos honorários de sucumbência nos autos originários, inclusive solicitando a penhora dos créditos através da utilização da ferramenta BACENJUD”, sustentando que “apesar de todo e qualquer beneficiário da justiça gratuita vencido continuar a ser condenado nos ônus da sucumbência, impõe-se imediatamente a suspensão da sua exigibilidade, de forma que somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que se alterou a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade de justiça, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário, nos exatos termos do art. 98, § 3º do CPC/15”, ressaltando a “evidente violação à exegese do art. 98, § 3º do CPC/2015, uma vez que foi reconhecido expressamente o benefício de gratuidade de justiça em favor da Agravante e, inobstante a isso, as obrigações decorrentes de sua sucumbência continuam a ser executadas nos autos originários, inclusive por meio de instrumentos de penhora de créditos” (Evento 1, original grifado).
Argumentou que “sequer houve, por parte da Agravada, qualquer requerimento pugnando pela revogação do pedido de Gratuidade de Justiça através da apresentação de documentação suficiente a indicar alteração na situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade de justiça da beneficiária Agravante, pelo que não há razões para a continuidade da execução dos ônus sucumbenciais”, pugnando, ao final, pelo provimento do recurso, com a reforma da decisão agravada, “impondo a condição suspensiva de exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência da Agravante, haja vista ser beneficiária de gratuidade de justiça, de forma que somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, a Agravada demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações da beneficiária, nos exatos termos da previsão legal do art. 98, § 3º do CPC/2015” (Evento 1, original grifado).
Decisão indeferindo o pedido de atribuição de efeito suspensivo e determinando a manifestação da parte agravada e do Ministério Público Federal (Evento 5), não tendo a FIOCRUZ apresentado suas contrarrazões (Eventos 8, 9 e 13).
O Ministério Público Federal, conquanto regularmente intimado, deixou de se manifestar (Eventos 14, 15 e 16).
É o relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
Verifica-se que a decisão agravada, da lavra do MM. Juiz Federal Titular da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Mauro Souza Marques da Costa Braga, restou assim vertida, verbis:
“Decisão prolatada por V. Exa. em 20/02/2020 (fls. 682/683), lastreada na concordância expressa da parte exequente, deferiu-se o superveniente pedido de gratuidade de justiça requerido. Na decisão fixou-se expressamente que o pedido em sede incidental de execução não suspenderia o trâmite desta execução.
Isto posto, indefiro a petição de fls. 716/717.
Mantenho os autos suspensos na forma da decisão de fls. 713.”
(grifos no original)
Em que pese o sustentado pela Agravante, e muito embora seja admissível postular a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive na fase de execução, a teor dos artigos 98 e 99 do CPC/2015, seus efeitos não podem retroagir para alcançar a condenação em custas e honorários advocatícios, após o trânsito em julgado do título judicial, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada, consoante entendimento consolidado na jurisprudência pátria.
Nessa perspectiva, sem qualquer repercussão a alegação da recorrente no sentido de “violação à exegese do art. 98, § 3º do CPC/2015, uma vez que foi reconhecido expressamente o benefício de gratuidade de justiça em favor da Agravante”, ao argumento de que “apesar de todo e qualquer beneficiário da justiça gratuita vencido continuar a ser condenado nos ônus da sucumbência, impõe-se imediatamente a suspensão da sua exigibilidade, de forma que somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que se alterou a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade de justiça, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário” (Evento 1, original grifado).
Como se não bastasse, da análise da tramitação do feito originário, observa-se que a decisão que deferiu o superveniente pedido de gratuidade de justiça ao postulante expressamente asseverou que “tal deferimento não tem qualidade de afetar o título executivo, não suspendendo seu trâmite”, como bem enfatizou o Magistrado a quo na decisão recorrida, sendo certo que o título judicial transitado em julgado condenou a Autora em honorários de sucumbência fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, conforme estabelecido na sentença (Evento 49 do processo principal), integralmente mantida por essa Corte por ocasião do julgamento do recurso interposto (Eventos 75 e 87 do processo principal).
A respeito do tema, o entendimento consagrado na jurisprudência do C. STJ e desta Eg. Corte, conforme arestos a seguir transcritos, in verbis:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFERIMENTO. EFEITOS EX NUNC. RETROAÇÃO. ENCARGOS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, a eventual concessão do benefício da gratuidade de Justiça tem efeitos ex nunc, não podendo, pois, retroagir e alcançar encargos pretéritos ao seu deferimento.2. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes. (EDcl no AgInt no AREsp 1182325/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 25.10.2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - PLEITO DE RESTITUIÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS ANTE O DEFERIMENTO DOS BENEFÍCIOS DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DA GRATUIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que o benefício da assistência judiciária gratuita, conquanto possa ser requerido a qualquer tempo, tem efeitos ex nunc, ou seja, não retroage para alcançar encargos processuais anteriores. Logo, não há que se falar em restituição de valores pagos a título de custas e despesas processuais face o posterior deferimento da benesse. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 909.951/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 1º.12.2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. BACENJUD. REQUERIMENTO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Trata-se de agravo de instrumento visando à reforma do decisum proferido pelo Juízo da 02ª Vara Federal de Duque de Caxias, que determinou desconto na remuneração da agravante, correspondente a 10% da sua renda líquida, bem como abertura de conta judicial, objetivando o depósito dos valores relativos ao desconto em folha de pagamento. 2. As normas que disciplinam o processo civil brasileiro não deixam dúvida de que a regra é a penhorabilidade dos bens, de modo que a exceção decorre de previsão legal expressa, cabendo ao executado o ônus de demonstrar a configuração de alguma das hipóteses de impenhorabilidade previstas na legislação. 3. O C. Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico de que a impenhorabilidade de vencimentos, salário e remuneração, nos termos do art. 833, V, CPC/2015, não é absoluta, sendo, excepcionalmente, admitida para adimplemento de débitos de verba alimentar (art. 833, § 2º, do CPC), como é o caso dos honorários advocatícios sucumbenciais. 4. Embora o benefício de gratuidade de justiça possa ser pleiteado a qualquer tempo e grau de jurisdição, uma vez formulado e indeferido o pedido, somente a alteração da situação financeira da requerente autorizaria nova postulação, o que não é o caso. 5. Verifica-se que a agravante, em sede de execução, pretende furtar-se da condenação ao pagamento de honorários advocatícios determinada na sentença já transitada em julgado. 6. Segundo o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a concessão da gratuidade de justiça somente produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou posteriores a ele, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade. 7.Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TRF2. AG 0003148-94.2018.4.02.0000, Sétima Turma Especializada, Desembargador Federal JOSÉ ANTONIO NEIVA, E-DJF2R: 20.05.2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESUNÇÃO RELATIVA. CONDIÇÃO NÃO COMPROVADA.EFEITOS EX NUNC. RECURSO NÃO PROVIDO.1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão que indefere pedido de gratuidade de justiça formulado em execução de honorários advocatícios. 2. O CPC/2015, no artigo 99, §3º, estabelece a presunção de veracidade da alegação de insuficiência mediante simples afirmação de que não está em condições de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo próprio ou de sua família. Trata-se de presunção relativa de necessidade que pode ser contrariada tanto pela parte adversa, nos termos do art. 100 do CPC/2015, quanto pelo juiz, de ofício, desde que seja feito de forma fundamentada, conforme art. 5º, da Lei nº 1.060/50 (STJ, 4ª Turma, REsp 1584130, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 7.6.2016). 3. Considerando que a lei que dispõe sobre a assistência judiciária aos necessitados não estabeleceu critérios predefinidos para a verificação da situação de hipossuficiência da parte, a adoção do critério do percebimento de renda mensal inferior a três salários mínimos mensais, previsto na Resolução n. 85, de 11de fevereiro de 2014, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, é corroborada por precedentes do TRF2: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 00050705520164025105, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, DJe 1.9.2017; TRF2, 3ª Seção Especializada, AC2009.50.02.002523-2, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, DJe 12.4.2016.4. Não deve servir de norte ao julgador, na análise do pedido de assistência judiciária gratuita, apenas as receitas da parte, sendo necessária a avaliação de suas despesas, bem como de seus dependentes tais como os gastos com: saúde, educação, contribuição destinada ao INSS, pensão judicial, dentre outros gastos extra ordinários e essenciais. 5. O deferimento da gratuidade de justiça não alcançaria determinações já emanadas, tendo em vista o seu efeito ex nunc. Precedentes: STJ, 1ª Turma, AgInt no AREsp 868.815, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe28.6.2016; TRF2, 7ª Turma Especializada, AC 00495438020124025101, Rel. Des. Fed. JOSÉ ANTONIO NEIVA, e-DJF2R 16.11.2017.6. Agravo de instrumento não provido. (TRF2. AG 0000982-89.2018.4.02.0000, Quinta Turma Especializada, Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO, E-DJF2R: 28.06.2018)
(grifamos.)
Some-se a isso que, consoante entendimento adotado por esta Corte, apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções.
A respeito do tema, vale conferir os precedentes desta Corte: AG nº0011949-67.2016.4.02.0000, Desembargadora Federal Vera lúcia lima, Oitava Turma Especializada, E-DJF2R de 22.02.2017, AG nº 0012537-74.2016.4.02.0000, Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Sexta Turma Especializada, E-DJF2R 23.03.2017, AG nº 2013.02.01.005859-1, Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, Oitava Turma Especializada, E-DJF2R de 09.01.2014; AG nº 2013.02.01.012160-4, Desembargador Federal José Antonio Lisboa Neiva, Sétima Turma Especializada, E-DJF2R de 07.01.2014; AG nº 2013.02.01.011720-0, Desembargadora Federal Nizete Lobato Carmo, Sexta Turma Especializada, E-DJF2R de 12.12.2013; AG nº 2013.02.01.012441-1, Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, Quarta Turma Especializada, E-DJF2R de 05.12.2013; AG nº 2013.02.01.013850-1, Desembargador Federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Quinta Turma Especializada, E-DJF2R de 03.12.2013; AG nº 2011.02.01.006860-5, Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Sexta Turma Especializada, E-DJF2R de 11.06.2012; AG nº 2010.02.01.006628-8, Desembargador Federal Guilherme Couto, Sexta Turma Especializada, E-DJF2R de 23.07.2010.
Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento interposto pela Autora/Executada.