Apelação Cível Nº 0000136-46.2014.4.02.5001/ES
RELATOR: Desembargadora Federal CLAUDIA NEIVA
APELANTE: GRAFICA ESPIRITO SANTO LTDA
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela Gráfica Espírito Santo Ltda – em recuperação judicial contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados nestes embargos à execução fiscal.
Sumariza que a sentença concluiu que “(i) nada havia a prover acerca do pedido de nulidade da penhora formulado pela embargante, eis que ‘atos de constrição que não comprometam sua atividade empresarial podem ser admitidos, desde que não prejudiquem o plano de recuperação judicial’; (ii) não há que se falar em excesso de execução, eis que a Embargante não teve decretada sua falência; (iii) que não houve a demonstração da negativa de acesso aos autos do processo administrativo; (iv) que a multa cobrada é razoável, não tendo caráter confiscatório; (v) não é o caso de arbitrar honorários advocatícios, tendo em vista que no débito exequendo já consta a incidência do percentual de 20% sobre o valor do débito em cobrança”.
Alega cerceamento de defesa, pela impossibilidade de julgamento antecipado da lide, “já que existem questões de fato que exigem a produção de prova, em especial, quanto à alegação de indispensabilidade para a Apelante do imóvel penhorado, eis que se trata do imóvel da sede da empresa, onde situa-se sua planta industrial (máquinas e equipamentos necessários ao desenvolvimento de seu mister social), cujo conhecimento é determinante para o reconhecimento da alegação de nulidade da penhora”. Sublinha que “chegou a formular expressamente na peça vestibular o pedido de produção de provas”, mas foi ignorado sem motivação, ficando registrado na sentença que “não teria a Apelante demonstrado a existência de óbice na manutenção da penhora sobre o imóvel que serve de sede para a empresa”.
Articula a carência da ação da União em relação à execução fiscal, diante do regime de recuperação fiscal e do que dispõem os artigos 6º, § 7º, e 68 da Lei nº 11.101/2005, porquanto não foi assegurado à executada o parcelamento especial, malgrado sua intenção de adimplir com suas obrigações.
Aponta que há nos autos prova da negativa de acesso ao processo administrativo, ao contrário do que constou da sentença, e insiste na nulidade da penhora do imóvel onde se situa sua planta industrial, bem de capital essencial à atividade empresária. Argumenta que a jurisprudência atribui ao juízo universal da recuperação judicial a competência para decidir sobre constrições de bens dessa natureza.
Por fim, afirma haver excesso de execução, pois não deve responder pelos encargos cobrados após o deferimento do processamento do pedido de recuperação, já que desde então faz jus ao parcelamento especial. Invoca, no ponto, o art. 476 do CC.
O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo.
Em contrarrazões, a União/Fazenda Nacional defende que “considerando que a apelante não apresentou argumentos novos e relevantes em sua petição, registrar que não possui outros elementos a acrescentar aos sólidos fundamentos e à substancial doutrina e jurisprudência insertas na sentença recorrida, além dos já abordados na peça de impugnação, de maneira que requer a remessa do feito à instância superior, onde deverão ser desprovidas as razões de apelação, mantendo-se a r. sentença a quo”.
O julgamento foi sobrestado com a afetação do tema repetitivo nº 987 (evento 11).
É o relatório.
VOTO
Conheço em parte do recurso.
A União/Fazenda Nacional ajuizou a execução fiscal nº 0010148-90.2012.4.02.5001 em face da Gráfica Espírito Santo Ltda para satisfazer créditos que em setembro/2012 alcançavam R$ 659.619,64.
Após a penhora de bens da devedora, foram opostos os presentes embargos à execução, pedindo, na inicial, “provar o alegado por todos os meios em direito admitidos”.
Após a impugnação da União/FN aos embargos (evento 20, proc. orig.), foi proferida a sentença, do seguinte teor:
Trata-se de embargos à execução ajuizados pela GRÁFICA ESPÍRITO SANTO LTDA. em face da UNIÃO FEDERAL, tendo por objetivo principal a extinção da execução fiscal em apenso (proc. nº 0010148-90.2012.4.02.5001).
A embargante alega que as empresas em recuperação judicial, como é o seu caso, estão sujeitas a parcelamento especial, conforme artigos 6.º e 68 da Lei 11.101/2005. A despeito disto, até a presente data, não se tem notícia da regulamentação desta modalidade de parcelamento e muito menos de sua efetiva disponibilização à embargante e, assim, enquanto o parcelamento não for disponibilizado pela exeqüente, há que se reconhecer a ausência de condição prévia para o manejo das providências expropriatórias requeridas pela embargada. O próprio STJ já assentou o entendimento de que o processamento do pedido de recuperação judicial deve suspender automaticamente os atos de alienação na EF, até que o devedor possa se aproveitar dos benefícios do parcelamento especial. Alegou, ainda, 1) nulidade da penhora efetivada nos autos da execução fiscal em apenso, pois o artigo 6.º, § 7.º da Lei 11.101/05 veda a prática de atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa em recuperação judicial; 2) excesso de execução, pois a embargante não deve responder pelos encargos cobrados após o deferimento do processamento do seu pedido de recuperação judicial, que se deu em 21.07.2011; 3) que requereu cópia dos autos do processo administrativo correlato aos créditos exeqüendos, mas até a presente data estas não foram disponibilizadas, em ofensa ao direito de defesa; 4) a multa cobrada se mostra com caráter confiscatório; 5) Requer o benefício da assistência judiciária gratuita.
Documentos apresentados às fls. 21/57.
Impugnação da União em que afirma que: o processo administrativo não deve acompanhar a execução fiscal, estando disponível para cópia na repartição competente, consoante o art. 41 da lei 6.830/80; não há que se falar em cerceamento de defesa, uma vez que na certidão de dívida ativa estão todos os elementos necessários e indispensáveis à identificação da dívida, e que fora constituída pela própria parte mediante apresentação de declaração ao fisco, pela modalidade lançamento por homologação, dispensando qualquer outra providência, nos termos da súmula 346 do STJ; que o art. 6º, §7º da lei 11.101/05 estabelece que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação específica; as multas cobradas não tem caráter confiscatório.
Brevemente relatados, passo a decidir.
Da alegação de nulidade da penhora em função da recuperação judicial da empresa embargante
Conforme art. 6º, §7º, da Lei 11.101/2005, as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e legislação ordinária específica.
Isto significa dizer que o deferimento da medida de recuperação judicial não é apto, por si só, a suspender a execução. De outro lado, a jurisprudência do STJ se orienta no sentido de que, embora a execução fiscal não se suspenda com a instauração de processo de recuperação judicial do devedor, devem ser obstados os atos judiciais que possam interferir na recuperação da empresa que esteja submetida a esse tipo de procedimento judicial, enquanto mantida essa condição.
[...]
É que, embora não se suspenda a execução fiscal, devem ser evitados atos que interfiram de modo gravoso no plano de recuperação da empresa.
Desse contexto, pode-se concluir que, embora a execução fiscal não se suspenda com a instauração do processo de recuperação judicial do devedor (art. 6º, §7º da lei 11.101/05), atos de constrição que não comprometam sua atividade empresarial podem ser admitidos, desde que não prejudiquem o plano de recuperação judicial.
Assim, a penhora realizada nos autos da execução fiscal não tem o condão de afetar, em curto prazo, o plano de recuperação da empresa, razão pela qual não há qualquer irregularidade na referida constrição. Trata-se de medida que resguarda os interesses do credor, especialmente em face da prioridade da penhora, em caso de outras virem a se efetivar. A efetiva expropriação com arrematação por terceiro interessado sim, configuraria, em tese, ato com potencial para repercutir na vida patrimonial da empresa. Somente o efetivo leilão do bem pode, em tese, interferir na recuperação judicial da empresa – o que será objeto de apreciação nos autos da execução em momento oportuno.
Da decisão que apreciar a matéria, nos autos da execução fiscal, caberá recurso via agravo para o Tribunal.
Ademais, a embargante afirma que não parcelou o débito em função da inexistência de regulamentação de parcelamento específico para as empresas em recuperação judicial, o que reforça a impossibilidade de se dar continuidade às medidas expropriatórias.
Contudo, a embargante não juntou qualquer documento que comprove que tentou parcelar o débito, nem demonstrou qualquer óbice na manutenção da penhora sobre o imóvel que serve de sede da empresa. Assim, nada a prover acerca do pedido de nulidade da penhora formulado pela embargante.
Da alegação de excesso de execução
A autora alega, ainda, excesso de execução, pois a embargante não deve responder pelos encargos cobrados após o deferimento do processamento do seu pedido de recuperação judicial, que se deu em 21.07.2011.
De fato, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que multa moratória não incide contra a massa falida, enquanto os juros moratórios são devidos antes da decretação da falência; após a sua decretação, o seu pagamento fica condicionado à suficiência do ativo para o pagamento principal.
No entanto, estes critérios são utilizados apenas para o caso de decretação de falência, o que não é o caso da embargante, razão pela qual a referida alegação não procede.
Da cópia do processo administrativo
A embargante afirma que requereu cópia dos autos do processo administrativo, mas até a presente data estas não foram disponibilizadas, em ofensa ao direito de defesa.
Como é sabido, o processo administrativo fica na repartição competente, podendo o devedor requerer cópia ou certidão das peças que o compõem, nos termos do artigo 41 da LEF. A embargante não demonstrou a negativa de acesso ao referido processo; assim, nada a prover sobre o pedido de cópia dos autos.
Do requerimento de assistência judiciária gratuita
Acolho o requerimento da embargante de assistência judiciária gratuita formulado em sua inicial, pois se encontra em fase de recuperação judicial, tendo sido demonstrada a sua situação de necessidade mediante a juntada de balancetes contábeis que demonstram a situação de hipossuficiência.
Da alegação de caráter confiscatório da multa
A autora alega finalmente que a multa cobrada tem caráter confiscatório.
A multa tem por escopo impor sanção àquele que descumpre a obrigação principal ou acessória. Caracteriza-se o confisco quando o valor imposto a título de multa supera em muito o valor da obrigação principal sem previsão legal. Não é o caso dos autos. Aliás, o embargante sequer se referiu aos índices de cobrança a tal título, limitando-se a pedir seu afastamento de forma genérica. O valor da multa atribuída aos créditos em cobrança não é estratosférico e nem causa o esvaziamento financeiro da embargante, como se verifica da inicial da demanda executiva em apenso, onde consta que a multa foi fixada em 20%. A legislação tributária tem diversas disposições estipulando as taxas incidentes sobre os tributos nos casos de descumprimento de obrigações.
O STF já reconheceu caráter confiscatório de multa de mora, mas em casos excepcionais, como o da Lei 8846 / 94, que estabeleceu multa de 300% (ADIN 1075 / DF, Rel. Min. Celso de Mello). Naquela ocasião foi reconhecido que “a proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas”. Percebe-se que se trata de hipótese bem diversa de multa de 20%, plenamente razoável.
Dos honorários advocatícios
Embora cabível a condenação em honorários, deixo de arbitrá-la, tendo em vista que no débito exeqüendo já consta a incidência do percentual de 20% sobre o valor do débito em cobrança judicial nas execuções fiscais promovidas pela União, nos termos do art. 1º do Decreto-lei 1025 / 69. De fato, na CDA consta expressamente a menção ao encargo de 20% previsto no art. 64 § 2º da Lei 7799 / 89, o qual diz, in verbis: “Art. 64. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, bem como os decorrentes de contribuições arrecadadas pela União, sem prejuízo da respectiva liquidez e certeza, poderão ser inscritos como Dívida Ativa da União, pelo valor expresso em BTN ou BTN Fiscal. § 2° O encargo referido no art. 1° do Decreto-Lei n° 1.025, de 21 de outubro de 1969, modificado pelo art. 3° do Decreto-Lei n° 1.569, de 8 de agosto de 1977, e art. 3° do Decreto-Lei n° 1.645, de 11 de dezembro de 1978, será calculado sobre o montante do débito, inclusive multas, atualizado monetariamente e acrescido de juros e multa de mora”. Assim, evita-se dupla condenação em verba honorária pela via indireta, como, aliás, já reconhecia a antiga Súmula 168 TFR: "o encargo de 20% do Decreto - Lei 1025 / 69 é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios".
Pelo exposto, julgo improcedentes os embargos à execução.
[...]
Alegação de nulidade da sentença pelo julgamento antecipado da lide está prejudicada, pois trata da penhora do imóvel da empresa.
A controvérsia acerca da “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal” estava sendo analisada sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 987), mas a Primeira Seção do STJ desafetou a matéria após a edição da Lei n.º 14.112/2020, que introduziu alterações na Lei nº 11.101/2005.
O novo art. 6º, § 7º-B, da Lei de Falências entrou em vigor em 24.1.2021, prevendo a possibilidade de constrição judicial por ordem do juízo da execução fiscal, bem como incumbindo ao juízo da recuperação competência apenas para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.
Ademais, é firme a orientação do STJ para respaldar a prática de atos constritivos por parte do juízo de execução, submetendo-se a penhora, posteriormente, ao juízo de recuperação (e.g. AgInt no CC nº 185.568, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Segunda Seção, DJe 1.7.2022).
Revisitando os autos da execução fiscal, o juízo da Vara de Recuperação Judicial e Falência de Vitória comunicou a prolação de sentença de agosto/2020 que homologou o plano de recuperação judicial (evento 74 da EF), informando, ao ensejo, que “o imóvel penhorado consta do plano de recuperação e [...] será usado para locação e geração de receitas para pagamento dos credores, razão pela qual não pode ser, no momento, objeto de hasta pública, sob pena de inviabilizar a execução do plano”.
Já houve, portanto, deliberação do juízo universal, esvaziando o interesse da embargante-apelante quanto à matéria. A União/FN, aliás, ciente disso, já pediu a penhora no rosto dos autos daquele processo de recuperação.
Quanto a essa questão, portanto, o recurso não deve ser conhecido.
Não houve cerceamento de defesa, em relação à suposta negativa de acesso ao processo administrativo, pois nada foi alegado relativo ao efetivo prejuízo ao exercício do direito de defesa.
O art. 68 da lei nº 11.101/2005 prevê que “as Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial”, de acordo com os parâmetros estabelecidos no CTN.
A norma exige edição de lei específica, com condições para o deferimento, nem de longe podendo se cogitar de carência de ação executiva pela não disponibilização de parcelamento que é faculdade do credor.
Pelo mesmo motivo, não se cogita de excesso de execução em decorrência da ausência de oferta desse parcelamento.
De todo modo, a lei nº 13.043/2014, alterou a lei nº 10.522/2002, instituindo o pretendido parcelamento especial, sem notícia, até o momento, de que a executada-embargante tenha se valido de tal benefício.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer em parte da apelação e, nessa extensão, lhe negar provimento.
Documento eletrônico assinado por CLAUDIA NEIVA, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001466430v2 e do código CRC 49687ce2.
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