Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Criminal Nº 0000099-75.2012.4.02.5005/ES

RELATOR: Desembargador Federal FLAVIO OLIVEIRA LUCAS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELANTE: CLEIDE COELHO DE PAULA

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de embargos declaratórios opostos pelo  MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 62/70 do evento 95), em face do voto/acórdão de fls. 53/58 do  evento 95 no qual a Segunda Turma Especializada, por unanimidade, negou provimento aos recursos do MPF e de CLEIDE COELHO DE PAULA. 

O Ministério Público Federal aponta omissão no julgamento que afastou o apelo do parquet no que diz com o pleito de condenação da ré pelos crimes dos artigos 299 e 304 do Código Penal. No julgamento, a tese do MPF foi afastada por ter sido considerados absorvidos os crimes pelo estelionato. 

O acórdão impugnado foi assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA PARTE RÉ – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – ART. 171, § 3º, DO CP – REQUERIMENTO E CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A PESSOA INEXISTENTE – FALSIDADE COMPROVADA – PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 17 DO STJ – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA CONCRETA DOS DOCUMENTOS CONTRAFEITOS – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – ABSORÇÃO DO CRIME-MEIO PELO CRIME-FIM – RECURSOS DESPROVIDOS. 

I – Compulsando os autos, verifica-se que foram realizadas diversas diligências policiais para a locação de Eliseu Vassoler Forreque, todas elas infrutíferas (fl. 60 do Apenso I), o que demonstra que tal pessoa não existe. O registro em nome de Eliseu Vassoler Forreque no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a produção de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em nome do mesmo comprovam a falsidade empreendida pela condenada, porquanto se trata de documentos ideologicamente falsos, criados em nome de pessoa inexistente, e utilizados para o requerimento de concessão de benefício previdenciário. 

II – Tal constatação pode ser extraída também da prova testemunhal produzida em Juízo e do interrogatório da parte ré, os quais corroboram a autoria e a materialidade delitivas, bem como o elemento subjetivo do tipo penal. 

III – Quanto à aplicação da Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça ao caso em tela, entendo que o delito de uso de documento falso configurou-se como mero meio para a prática do crime fim, exaurindo-se, por completo, no crime de estelionato, sem maior potencialidade lesiva. 

IV – Com efeito, para que haja concurso de crimes (uso de documento falso e estelionato), o documento contrafeito deve ser apto à prática de outros crimes, de modo que sua potencialidade lesiva não se esgote no delito superveniente, e isso deve estar concretamente demonstrado nos autos, o que não ocorreu na hipótese vertente. 

V – No presente caso, não se tem notícia de que os documentos falsificados tenham sido usados para a prática de outros eventos criminosos, mas apenas para a obtenção de benefício de Amparo Social ao Idoso em nome de Elizeu Vassoler Forreque, pessoa inexistente. 

VI – Em se tratando da incidência do princípio da consunção, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de não ser obstáculo para sua aplicação a proteção de bens jurídicos diversos ou a absorção de infração mais grave pela de menor gravidade. 

VII – A potencialidade lesiva a que se refere a Súmula 17 do STJ não deve ser meramente abstrata, pois todas as falsidades, em princípio, sempre podem ser utilizadas em outros ilícitos. Assim, caberia ao órgão acusador, cumprindo o comando exigido pelo art. 156 do CPP, comprovar a potencialidade lesiva concreta dos documentos contrafeitos e a sua eventual utilização para a prática de outros eventos criminosos.

 VIII – Recursos a que se nega provimento.

 

O embargante aduz que não foi observado que na inicial foi apontado que o documento materialmente falso (certidão de nascimento de Eliseu Vassoler Forreque) utilizado para a consecução do estelionato, já havia sido aproveitado antes para a prática de, ao menos, uma fraude distinta. 

O documento teria sido utilizado por CLEIDE em uma tentativa de alistamento eleitoral, o que demonstraria que a certidão de nascimento contrafeita não foi produzida exclusivamente para produzir efeitos na seara previdenciária. 

A defesa de CLEIDE se manifestou em contrarrazões no evento 141, CONTRAZ1. Defendeu o não provimento dos embargos declaratórios, eis que o acórdão não padeceria de omissão e que a impugnação revela a intenção de reanalisar o mérito já julgado.

Alternativamente, ressalta que a litispendência deve ser observada, argumento suscitado às fls. 4 do evento 71, eis que o processo em curso na Justiça Eleitoral teria abrangido a falsidade de documentos e uso de documentos falsos. 

É o relatório. Em pauta para julgamento.



Documento eletrônico assinado por FLAVIO OLIVEIRA LUCAS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000972884v3 e do código CRC 2a7daf45.

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Signatário (a): FLAVIO OLIVEIRA LUCAS
Data e Hora: 18/5/2022, às 16:22:58

 


 

Processo n. 0000099-75.2012.4.02.5005
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Criminal Nº 0000099-75.2012.4.02.5005/ES

RELATOR: Desembargador Federal FLAVIO OLIVEIRA LUCAS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELANTE: CLEIDE COELHO DE PAULA

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. art. 299 e 304 do código penal. consunção afastada. potencialidade lesiva do documento falsificado. provimento dos embargos. nova dosimetria. 

I – O Ministério Público Federal aponta omissão no julgamento que afastou o apelo do parquet no que diz com o pleito de condenação da ré pelos crimes dos artigos 299 e 304 do Código Penal. No julgamento, a tese do MPF foi afastada por ter sido considerados absorvidos os crimes pelo estelionato. O embargante aduz que não foi observado que na inicial foi apontado que o documento materialmente falso utilizado para a consecução do estelionato, já havia sido aproveitado antes para a prática de, ao menos, uma fraude distinta. O documento teria sido utilizado por CLEIDE em uma tentativa de alistamento eleitoral, o que demonstraria que a certidão de nascimento contrafeita não foi produzida exclusivamente para produzir efeitos na seara previdenciária. 

II - O princípio da consunção é aplicado quando comprovado que os crimes tipificados no art. 171, art. 299 e art. 304, todos do Código Penal, ocorreram na mesma circunstância fática, servindo o falso como meio necessário para o estelionato e nele se exaurindo (Súmula 17 do STJ).

III - Não é o caso dos autos eis que o documento espúrio havia sido utilizado em um tentativa de inscrição fraudulenta de eleitor (art. 289 da Lei 4.737/1965), o que confirma que a sua potencialidade lesiva não se esgotou com a obtenção do benefício previdenciário.

IV - Desta forma, a inaplicabilidade do princípio da consunção decorre do potencial lesivo do documento falsificado que não se exauriu com a fraude previdenciária.

V - Considerando que o voto condutor do julgamento ora impugnado não abordou a utilização do documento para consecução de outros crimes, tal como destacado pelo MPF, reconheço a omissão na análise dos elementos que instruem a inicial e, ao saná-la, afasto a aplicação do princípio da consunção. 

VI - Inalterada a situação fática analisada tanto na sentença (fls. 40/55 do evento 94) quanto no acordão recorrido (fls. 49/58 do evento 95), e afastado o princípio da consunção, a ré deve ser condenada como incursa no art. 171, §3º; art. 299 (por inserir declaração falsa em documentos públicos - CPF e CTPS; duas vezes);  e art. 304 (usar documentos falsos - certidão de nascimento). 

VII - Embargos de declaração conhecidos e providos para reconhecer omissão no acórdão embargado e, ao saná-la  afastar a aplicação do princípio da consunção. Refeita a dosimetria.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, DAR PROVIMENTO aos embargos declaratórios, por reconhecer omissão na análise dos elementos que instruem a inicial e, ao saná-la, afastar a aplicação do princípio da consunção, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 06 de junho de 2022.



Documento eletrônico assinado por FLAVIO OLIVEIRA LUCAS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20000972885v4 e do código CRC 92bcc3ba.

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