Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Espírito Santo
5ª Vara Federal Cível de Vitória

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PROCEDIMENTO COMUM Nº 5036580-75.2023.4.02.5001/ES

SENTENÇA

Trata-se de ação sob o PROCEDIMENTO COMUM ajuizada por K.B.C., representada pela sua genitora, L.F.B., em face de R.A.M.C., objetivando seja concedida autorização de viagem ao exterior.

Para tanto, afirma, em suma, que:

1) o Réu e a genitora da Autora casaram-se em 11/04/2015;

 2) em 2017, o casal emigrou para os Estados Unidos sem autorização legal para permanecer naquele país e mantiveram uma relação conjugal regular até o nascimento da Autora, menor, em 2021, quando o Réu passou a ter “comportamento estranho e violento”, tendo agredido a genitora, conforme registro de ocorrência em anexo;

3) em 16/09/2022, resolveram se separar;

4) a genitora descobriu que o Réu possui em seu desfavor processo por violência doméstica (Lei Maria da Penha) no Estado do Rio de Janeiro (002xxxx26.2016.8.19.0205);

5) diante dessa situação vulnerável e de risco à sua integridade, pretende voltar ao Brasil;

6) a genitora ingressou com o processo nº 5016746-45.2023.8.08.0035, que tramita na 1ª Vara de Família de Vila Velha/ES, para fins de guarda e visita, a fim de que esta possa regressar ao Brasil para o seio do ambiente familiar; e

7) sem o consentimento do Réu - que se nega a assinar o formulário de solicitação de passaporte e de autorização de viagem internacional -, necessita de autorização judicial para retornar ao Brasil, com fundamento na Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/1990).

Petição inicial instruída com os documentos do evento 1.

Despacho do evento 3, proferido pelo Juízo da 4ª Vara Federal Cível desta SJ/ES, determinando a redistribuição do feito a este Juízo.

Decisão do evento 7: 1) deferindo o pedido de concessão do benefício da gratuidade de justiça em favor da Autora, na forma do art. 98 do NCPC; e 2) determinando a intimação da Autora para manifestar-se sobre a incompetência deste Juízo Federal para processar e julgar a presente ação (art. 7º do Decreto-Lei nº 4.657/42 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e art. 147, I, da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente), em observância ao princípio do contraditório substancial (arts. 9º e 10 do NCPC).

 Despacho do evento 11 decretando segredo de justiça em relação ao presente feito (sigilo 1), com fulcro no art. 189, II, do NCPC, de forma que somente as partes litigantes e seus advogados e/ou procuradores regularmente cadastrados possam ter acesso aos autos.

A Autora, no evento 14, ratifica a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO.

A Autora K.B.C., menor, representada por sua genitora, L.F.B, requer seja concedida autorização de viagem ao exterior diante da recusa do seu genitor em fazê-lo, sob os seguintes argumentos:

► em 2017, o casal emigrou para os Estados Unidos e lá reside até a presente data;

► após o nascimento da menor, em 2021, o Réu passou a ter “comportamento estranho e violento”, tendo agredido a genitora, conforme registro de ocorrência em anexo e, por isso, em 16/09/2022, resolveram se separar;

► diante dessa situação vulnerável e de risco à sua integridade, a genitora pretende voltar com a menor para o Brasil; e

► sem o consentimento do Réu - que se nega a assinar o formulário de solicitação de passaporte e de autorização de viagem internacional -, necessita de autorização judicial para retornar ao Brasil, com fundamento na Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/1990).

A pretensão autoral cinge-se ao suprimento, por este Juízo, da autorização paterna para viagem internacional de menor - dos Estados Unidos para o Brasil -, com ânimo definitivo, o que envolve a discussão acerca da guarda da criança.

Nesse contexto, verifica-se que  a menor-Autora e seus genitores residem nos Estados Unidos e a autorização de viagem ora pleiteada implicará alteração definitiva do domicílio da menor e da sua genitora - já que o retorno ao Brasil possui ânimo permanente - e, portanto, depende da regulamentação da guarda da criança em relação ao genitor.

Pois bem.

O art. 147, I, da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - estabelece que “a competência será determinada: I - pelo domicílio dos pais ou responsável (...)”.

Por sua vez, o art. 7º do Decreto-Lei nº 4.657/42 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - prevê que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Sendo assim, considerando que, na hipótese dos autos, ao contrário do que sustenta a Autora, a pretensão inaugural não versa sobre o cumprimento de obrigação fundada em tratado internacional - o que atrairia a competência absoluta da Justiça Federal -, e levando-se em conta que a menor e os seus genitores residem nos Estados Unidos, infere-se que a Justiça Brasileira é incompetente para processar e julgar a pretensão veiculada neste feito.

Nesse sentido:

APELAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE GUARDA, VISITAS E ALIMENTOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. MENOR. HIPOSSUFICIÊNCIA PRESUMIDA. MENOR RESIDENTE NO EXTERIOR, SOB A GUARDA DO GENITOR. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito, ante a incompetência da Justiça Brasileira para apreciar e homologar acordo extrajudicial de guarda, visitas e alimentos. 2. A concessão da gratuidade de justiça deve ter como parâmetro as condições econômico-financeiras da parte efetivamente interessada (autor ou réu da ação) e não de terceiros necessários ao preenchimento do requisito da capacidade processual - assistentes ou representantes processuais. Sendo a autora/apelante menor de idade, sem renda, presume-se a insuficiência de recursos. 3. O art. 7º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro dispõe que a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.  4. Nos termos do inciso I do art. 147 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), a competência nas ações envolvendo interesses de menor será determinada pelo domicílio dos pais ou responsável. A Súmula 383 do STJ estabelece ainda que a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.  5. Considerando-se que a menor reside no exterior, sob a guarda fática do genitor, a Justiça Brasileira é incompetente para apreciar e homologar acordo de guarda, visitas e alimentos. 6. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF 07310144820218070003 1419251, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 27/04/2022, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 10/05/2022)

Suprimento judicial de autorização para viagem – Menor que já retornou com a genitora ao país de origem (Estados Unidos da América) – Inexistência de interesse processual – Pedido de autorização de viagem internacional da menor que não pode ser genérico e indefinido – Noticiada concordância integral do apelante com o pedido da apelada que também culminaria com a perda de seu objeto – Demais questões relativas ao Direito de Família dos envolvidos que deverão ser dirimidas no juízo do domicílio da menor – Recurso provido em parte. (TJ-SP - AC: 10733592520218260100 SP 1073359-25.2021.8.26.0100, Relator: Luis Mario Galbetti, Data de Julgamento: 01/06/2022, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/06/2022)

Agravo de Instrumento – processual - questão atinente à guarda dos menores não é de competência da Justiça Brasileira, em atenção às expressas determinação da Lei de Introdução ao Código Civil, que é norma de direito internacional privado, ao contemplar, em seu art. 7º, que a competência será a da residência habitual da pessoa para a resolução de questões atinentes ao direito de família – aplicação do inciso I, do artigo 147 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a competência deverá ser determinada pelo domicilio dos pais ou responsável, ou seja, define a competência territorial (ratione loci) – mantida a incompetência da Justiça Brasileira – Recurso não provido. (TJ-SP - AI: 22423988020198260000 SP 2242398-80.2019.8.26.0000, Relator: Moreira Viegas, Data de Julgamento: 28/11/2019, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/11/2019)

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CONEXAS DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA E DE BUSCA E APREENSÃO DE FILHO MENOR. GUARDA JÁ EXERCIDA POR UM DOS GENITORES. COMPETÊNCIA ABSOLUTA (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ART. 147, I). SÚMULA 383/STJ. 1. A competência para dirimir as questões referentes à guarda de menor é, em princípio, do Juízo do foro do domicílio de quem já a exerce legalmente, nos termos do que dispõe o art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Nos termos do enunciado da Súmula 383/STJ, "A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda". 3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE RECIFE - PE. (CC n. 126.175/PE, relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 11/12/2013, DJe de 14/3/2014.)

Ante o exposto, EXTINGO feito sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV, do NCPC.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Após o trânsito em julgado, nada sendo requerido, dê-se baixa e arquivem-se.



Documento eletrônico assinado por MARIA CLÁUDIA DE GARCIA PAULA ALLEMAND, Juíza Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfes.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 500002550754v4 e do código CRC 9a45e7e0.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA CLÁUDIA DE GARCIA PAULA ALLEMAND
Data e Hora: 25/9/2023, às 19:4:11